Eu não saí da escola.
Continuo frequentando papelarias. A papelaria é a padaria da alma.
Sou viciado em comprar cadernos, lápis, réguas e canetas coloridas.
Em casa, existe a despensa da comida e a despensa de folhas de oficio, durex, cola, tesoura, esquadro.
Não larguei a mentalidade escolar na vida adulta. Os trabalhos de Artes. A caligrafia.
Deixo bilhetes coloridos pela geladeira com recados e declarações de amor.
Sou moderno e artesanal ao mesmo tempo, adepto do e-book e do livro físico. Um não exclui o outro.
Meu casamento é todo adesivado com post-it. Eu e Beatriz trocamos juras e lembretes com os papeizinhos amarelos. São pétalas da nossa pressa.
A impressora sempre está com maços em sua boca, engatilhada para emissão de contratos ou de processos da esposa.
Não sei ler sem lápis ou marca-texto. Para as obras de lazer, sublinho com lápis. Herdei de meu pai a marcação de meus arrebatamentos: um x ao lado do parágrafo é bom, dois x é muito bom, três x é inesquecível. Para as análises acadêmicas, emprego o marca-texto. Facilita quando volto atrás para lembrar do que é importante.
Sou moderno e artesanal ao mesmo tempo, adepto do e-book e do livro físico. Um não exclui o outro. Há momentos em que dependo do tato e do movimento de virar as folhas para espantar as tristezas - a luz da tela não é suficiente, não basta deslizar o dedo.
Às vezes, careço do encontro da pele com o livro, da emoção do toque, em dar colo a ele para acalmar as minhas mágoas. Todo livro é uma esperança, um filho que você embala em seu peito. Nas nossas melhores leituras, contamos as páginas que faltam até o final.
Anoto receitas, frases, compromissos, telefones. Gosto de me enxergar na letra. A letra é o meu espelho do futuro. Do que precisa fazer amanhã.
Compro caderninhos quando me apaixono pela capa. Eu me imagino carregando um deles no bolso do capote no inverno, para registrar um poema, uma inspiração de última hora. Fico comovido com o papel, apesar de hoje teclar os meus livros e textos no celular.
Tenho esferográficas em tudo o que é aposento: na sala, na cozinha, no quarto, perto do telefone fixo, e ainda no carro e na mochila. Não pode me faltar caneta. Tão obrigatório quanto a aspirina.
Assim como não abro mão dos clipes, dos grampeadores, dos alfinetes, da agenda de papel. Guardo até a espátula para cartas. Pena que ninguém mais me escreve.
Já sofri muito rasgando o conteúdo junto dos envelopes. Quando aprendi a abrir a correspondência sem danos, o correio caiu em desuso. Cheguei atrasado para o romantismo.
Mas é provável, infelizmente, que eu rode de ano em 2023. O material escolar está 30% mais caro.