Tudo o que a minha esposa pede, eu esqueço a metade.
Ou por soberba, quando são poucos itens a buscar no supermercado e nem anoto.
Ou por preguiça de consultar as mensagens no WhatsApp com o sagrado inventário de nossas necessidades.
A lista tem dez exigências, lembro de cinco. Tem vinte, lembro de dez. Tem cinquenta, lembro de vinte e cinco.
Não alcanço a nota mínima. Meu fracasso se estende pelas farmácias, lojas, restaurantes. Se eu fosse motoboy, jamais terminaria uma entrega.
Há da minha parte a sobrenatural habilidade de não recordar do que tinha mais urgência de comprar. A relevância apressa o esquecimento. Eu sublinho com tanta vontade a solicitação que até apago a palavra.
O hipocampo masculino, que decide o que merece ser registrado na memória, permanece solteiro pela vida inteira. Pelo jeito, jamais admite o matrimônio. Boicota a voz e os desejos do seu par amoroso.
Não lembro do que é mais importante e lembro sempre do menos importante.
Uma memória não puxa a outra, como a tradição ensina, mas engole a outra. A conexão é temporária, alguma irrelevância absorvida depois de ver algo fundamental elimina a hierarquia da informação.
Transcorridos alguns minutos, é como se nunca tivesse existido aquele dado tão reiterado.
A esposa me encomenda sabão em pó e amaciante com o objetivo de dar conta das roupas sujas acumuladas de cinco dias. Para não perder a viagem, inventa de complementar com produtos secundários.
No rancho, eu me recordo intensamente do complemento, o que foi falado por último, e desprezo o sabão em pó e o amaciante, logo as prioridades que inspiraram a minha saída de casa.
Sofro de um déficit de atenção. Não deve ser individual, é um problema da categoria.
Já tentei corrigir as lacunas, colar post-it em mim, fixar lembretes, mas peco por um detalhe, por uma marca errada, por um nome semelhante.
Só não me confundo com a carne e a cerveja, com o açougue e o freezer.
O efeito colateral da amnésia é que trago coisas que não foram requeridas no lugar dos itens esquecidos. Talvez seja uma estranha compensação que me ferra ainda mais.
Não sei se Beatriz fica mais brava por aquilo que esqueci ou por aquilo que adquiri à toa, sem finalidade, num completo desperdício.
Apesar dos resultados desastrados constantes há sete anos junto, ela ainda confia na minha salvação, acha que pode ser uma deficiência auditiva, não uma falha moral, não um descuido de relação.
Vive insistindo para que eu faça o teste de audiometria, porém juro que não a escuto.