Após ganhar sinal verde do Ministério da Agricultura para suspender a vacinação contra a febre aftosa no final de abril, o Rio Grande do Sul começa a dar os próximos passos para alcançar a condição de área livre da doença sem imunização. A Secretaria Estadual da Agricultura já providenciou a aquisição de mais de 70 veículos e deve lançar ainda neste mês edital para a contratação de 150 auxiliares administrativos terceirizados para atuar nas inspetorias veterinárias. As medidas envolvem investimento de R$ 12 milhões.
O reforço na estrutura de funcionários e na frota integram uma lista com 18 exigências feita pelo ministério à secretaria gaúcha. A relação prevê ainda alterações em normativas estaduais vigentes e na estrutura de atuação da pasta. O Rio Grande do Sul deverá cumprir todos os itens até agosto, quando será alvo de nova avaliação federal. Caso passe no teste, em 2021 poderá ter a mudança sanitária reconhecida pela Organização Mundial para a Saúde Animal (OIE).
— O horizonte que trabalhamos para o reconhecimento como área livre de aftosa sem vacinação é maio de 2021, a não ser que a própria OIE queira adiar a data — reforça Covatti Filho, secretário da Agricultura.
Para se adequar ao cronograma de exigências, o Estado antecipou para março a campanha de vacinação de quase 13 milhões de bovinos e bubalinos gaúchos. Tradicionalmente, a imunização ocorre em maio. Além do Rio Grande do Sul, Paraná, Tocantins, Acre e alguns municípios do Mato Grosso e do Amazonas também possuem expectativa de reconhecimento junto à OIE em 2021. Atualmente, no Brasil, apenas Santa Catarina é enquadrada como zona livre de aftosa sem vacinação dos rebanhos.
Impacto
A progressão de status sanitário desperta sentimentos distintos entre os criadores gaúchos. Por um lado, a chancela da OIE é vista como crucial para a carne do Rio Grande do Sul atingir novos mercados, como países da União Europeia, Estados Unidos e Japão. Por outro, a tentativa frustrada de retirar a vacina há duas décadas segue viva na memória dos pecuaristas. Em agosto de 2000, um foco de aftosa apareceu em Joia, no Norte, e desencadeou uma crise que levou milhares de animais a serem sacrificados no Estado.
Com mais de 4 mil cabeças de gado angus em Santa Vitória do Palmar, no Sul, o pecuarista Milton Moraes Filho vê com temeridade a retirada da vacina, ainda que a doença tenha sido controlada nos últimos anos. No entanto, o produtor acredita este é um caminho sem volta.
- Essa discussão passou. Agora, temos que tocar o barco para frente e acreditar que tudo dará certo. Podemos tirar proveito disso, alcançando novos mercados que pagarão mais pela carne gaúcha - pondera.
Entre as entidades representativas do agronegócio, a retirada definitiva da vacina é acompanhada com cautela. A Federação da Agricultura do Estado (Farsul) e a Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac) ampararam a iniciativa da secretaria da Agricultura rumo à alteração do status sanitário. No entanto, ambas só deverão firmar uma posição sobre o fim da imunização depois da avaliação de agosto. O objetivo é se assegurar de que o Estado terá cumprido as exigências do ministério da Agricultura.
-Precisamos saber como será formatado o fundo de indenização (para perdas de animais por doença) e que tratamento será dado ao trânsito no porto de Rio Grande e no aeroporto Salgado Filho. São questões que ainda não temos respostas e que serão avaliadas – exemplifica Gedeão Pereira, presidente da Farsul.
O presidente da Febrac, Leonardo Lamachia, acredita que hoje há consenso entre os criadores sobre a importância de avançar no status sanitário, mas há divergências sobre como e quando buscar essa progressão. O dirigente lembra que a convicção do Paraná em buscar o reconhecimento do OIE acabou pressionando o Rio Grande do Sul a seguir o mesmo caminho. Os paranaenses vêm se estruturando desde o ano passado para retirar a vacina da aftosa.
-Se o Rio Grande do Sul não entrar nessa janela do Paraná, podemos ter prejuízos. Tanto de investimentos de plantas de frigoríficos, que deixariam de vir para cá, como no acesso a mercados para a carne – constata Lamachia.
Passos para a retirada da vacina
- Neste ano, o Rio Grande do Sul realizou a campanha de vacinação dos rebanhos de bovinos e bubalinos contra a febre aftosa entre março e abril. Tradicionalmente, o Estado realizava a imunização em maio.
- No dia 30 de abril, o Ministério da Agricultura publicou normativa que impede a aplicação de doses e a compra de vacina da aftosa no Rio Grande do Sul a partir de 1º de maio. Os estoques remanescentes em revendas precisam ser lacrados. Além disso, foram alteradas regras para o trânsito de animais para outros Estados.
- Até agosto, o Estado deverá atender a 18 exigências realizadas pelo Ministério da Agricultura. Entre elas estão a compra de cem novos veículos (72 ficam a cargo da secretaria e outros 28 do ministério) e a contratação de 150 pessoas para atuarem nas inspetorias. A licitação da compra dos carros tem a empresa vencedora definida e está na fase de recursos. Já o edital para reforço do quadro de funcionários deve sair ainda em maio.
- Farsul e Febrac devem realizar assembleias em agosto, depois da avaliação do ministério, para estabelecer posição sobre a retirada da vacina.
- Após receber o aval do Ministério da Agricultura, o Estado poderá obter em maio de 2021 o reconhecimento da OIE como área livre de aftosa sem vacinação.
Estrutura sanitária avançou nas últimas décadas
Ainda que a lembrança do surto de febre aftosa enfrentado pelo RS e o fantasma da volta da doença gerem preocupação entre os pecuaristas gaúchos, as condições atuais para uma possível retirada da vacina contra a febre aftosa são bastante diferentes em relação ao início dos anos 2000. É o que garante o presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal do Estado (Fundesa), Rogério Kerber.
-Lá atrás, na década de 2000, talvez demos um passo quando não estávamos preparados. Há mais de 10 anos estamos trabalhando para criar as condições para que o Estado possa alcançar o status de livre de aftosa sem vacinação. O Estado tem um sistema de defesa sanitária mais robusto hoje – compara.
Kerber lembra que hoje as propriedades rurais estão cadastradas e georreferenciadas, há inspetorias de defesa agropecuária espalhadas pelo território, surgiram postos de fiscalização nas fronteiras e divisas do Estado e os sistemas de notificação de eventos sanitários avançaram com a informatização.
Para os agricultores familiares, responsáveis por parte expressiva da pecuária de leite do Estado, a mudança sanitária é vista como uma maneira de aumentar a renda. Neste sentido, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) apoia a migração para um novo patamar sanitário.
-Todos os setores da área animal podem se beneficiar. O preço do produto final poderá aumentar de 15% a 20% por conta do status – avalia Carlos Joel da Silva, presidente da Fetag-RS.