O RS tem 280 espécies de animais em algum grau de ameaça de extinção, de acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). A lista, no entanto, não é atualizada há 10 anos. A biodiversidade gaúcha está severamente afetada pelas ações humanas, como a destruição de ambientes, sobretudo no Pampa, segundo especialistas. Há iniciativas, entretanto, que buscam proteger os animais afetados.
Para os pesquisadores ouvidos pela reportagem de GZH, a lista já devia ter sido atualizada – e a revisão periódica e bienal é prevista em lei (Decreto Estadual n° 53.902). Procurada, a Sema se limitou a dizer, por nota, que a atualização está em curso, mas não há um prazo estabelecido. "Os trabalhos são conduzidos por servidores da Sema, por meio da Divisão de Pesquisa e Coleções Científicas e seu quadro técnico de pesquisadores especialistas em fauna e flora", informa o texto.
A secretaria afirma que o Estado possui uma série de iniciativas de preservação de espécies, como os Planos de Ação Territorial, o projeto Recuperação de Biomas, a valorização das unidades de conservação, entre outros. Em 2023, o Estado reabilitou 1.441 animais silvestres. Foram investidos R$ 11,8 milhões em recursos para unidades de conservação, R$ 2 milhões em compensação ambiental e R$ 8,7 milhões em projetos de Reposição Florestal Obrigatória (RFO).
Atualmente, o RS conta com uma rede de 40 mantenedouros de fauna silvestre habilitados – um deles é a Quinta da Estância, primeiro criadouro conservacionista do Brasil autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), localizado em Viamão. O empreendimento realiza trabalhos de reabilitação e reintegração, incluindo espécies em extinção, como o papagaio-charão e o quati. Há também os jardins zoológicos, como o GramadoZoo, que também recebe esses bichos, como onça-pintada e cardeal-amarelo, promovendo cuidados especiais para a reprodução e pesquisa. O governo estadual destaca que vem realizando estudos para a implantação de um centro de triagem de animais silvestres e está confeccionando um edital para que o atendimento desses animais seja realizado em instituições e municípios parceiros.
Fiscalização
O Ibama possui um Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) na Capital. Ele recebe espécimes em cativeiro ou machucados e, em seguida, reabilita e devolve-os à vida livre. Muitas vezes, são animais ameaçados de extinção, o que exige uma tratativa diferenciada. Quando constam na lista nacional, é preciso comunicar ao ICMBio, que escolhe a destinação. Por vezes, o Cetas encaminha ou recebe animais de outros Estados. A maioria dos bichos é proveniente sobretudo do tráfico e do cativeiro ilegal, conforme Fernanda Libório, médica veterinária e analista ambiental do Cetas-Porto Alegre. Há, ainda, resgate de animais machucados e entregas espontâneas, em quantidades menores.
As iniciativas do Ibama relativas à preservação de animais ameaçados incluem fiscalizações periódicas, atendimento de animais, monitoramento de vida livre, produção de artigos científicos, educação ambiental e a parceria com reabilitadores em busca de reprodução de espécies, para repovoamento, como no caso da harpia (gavião-real).
Quando a população começar a entender a importância da preservação, talvez a gente precise fazer menos a parte repressiva, já que vai atuar de forma que o problema não venha a acontecer.
FERNANDA LIBÓRIO
Médica veterinária do Cetas
— A gente trabalha em conjunto com a parte da educação ambiental. Porque a gente tem de fazer, sim, a parte repressiva, mas também precisa fazer a parte preventiva. Quando a população começar a entender a importância da preservação, talvez a gente precise fazer menos a parte repressiva, já que vai atuar de forma que o problema não venha a acontecer — diz Fernanda.
Segundo dados do Ibama/RS, em 2022 e 2023, o Cetas-Porto Alegre recebeu 17 espécies que constam na lista estadual de ameaçados, entre aves e mamíferos. Foram 168 animais, sendo 109 de apreensões e 59 de entregas voluntárias ou outras situações, como resgates ou acidentes. Os três principais recebidos em maior número foram: a ave bico-de-pimenta (Saltator fuliginosus), totalizando 61 espécimes, sendo 59 oriundos de apreensões e dois de entregas voluntárias ou outros; o papagaio-charão ou papagaio-da-serra (Amazona pretrei), com 37 espécimes, sendo 20 de apreensões e 17 de entregas voluntárias ou outros; e o bugio-ruivo, também conhecido como barbado ou guariba (Alouatta guariba), com 21 espécimes, sendo um de apreensão e 20 de entregas voluntárias ou outros. O número de autos de infração relativos à fauna emitidos pelo Ibama/RS, em 2022, foi 17, no valor de mais de R$ 2 milhões. Em 2023, foram nove autos, totalizando R$ 355 mil. Entre as ocorrências, destaque para a prática de maustratos (sete ocorrências desde 2022), a manutenção do animal em cativeiro (seis) e a morte (cinco).
Conservação da biodiversidade
O Brasil tem uma “megadiversidade biológica”, apontam os estudiosos. À medida que esta é estudada, ações de conservação vão sendo propostas, conforme Cristiano Nogueira, que integra a Coordenação de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies da Fauna do ICMBio. A preocupação do órgão em relação ao Estado está, principalmente, na preservação incipiente do Pampa. Ainda que não seja um ambiente tão rico em espécies e tão divulgado, há animais que ocorrem somente ali. Contudo, grande parte do bioma fica desprotegida, sobretudo em áreas particulares. Nogueira lembra que é preciso conservar também as paisagens abertas, e não apenas as florestas, pois são “importantíssimas” no contexto da biodiversidade:
— O Pampa precisa de proteção, de certa forma, urgente. É uma das regiões do Brasil menos protegidas em parques e reservas. Isso precisa aumentar um pouco.
Nogueira considera a lista nacional do ICMBio, atualizada periodicamente (inclusive em 2023), um passo fundamental para propor ações concretas, como criar reservas – uma das atribuições do órgão – e evitar o desmatamento.
Ele destaca também planos de ações já realizados, como no caso dos peixes-anuais e do sapinho-admirável-de-barriga vermelha, uma espécie de anfíbio encontrada apenas em um trecho de 700 metros do Rio Forqueta, em Arvorezinha (Vale do Taquari), que foi salva com o impedimento da instalação de uma hidrelétrica. Há a ideia de criar uma região de conservação nessa área, segundo o órgão. O ICMBio não informou, contudo, essa possibilidade em regiões do Pampa.