Por Ana Carolina Peuker
Pós-doutora em Psicologia, CEO da Bee Touch, diretora da Associação Brasileira de Qualidade de Vida e integrante do comitê consultivo do Movimento Mente em Foco do Pacto Global da ONU
As mudanças climáticas têm se manifestado de maneiras distintas ao redor do mundo, sendo evidenciadas por eventos críticos recentes no Rio Grande do Sul, como as fortes chuvas que atingiram o Estado neste mês e também os ciclones registrados no ano passado no Vale do Taquari e na Região Metropolitana de Porto Alegre, por exemplo. Os eventos climáticos extremos não apenas representam uma ameaça local; eles se encaixam em uma narrativa identificada pelo Fórum Econômico Mundial em seu recente relatório sobre riscos globais.
Além das inundações, dos deslizamentos de terra e da falta de energia, esses eventos podem desencadear uma série de outras consequências catastróficas para a comunidade. Trata-se do impacto na saúde mental das pessoas. A incerteza associada à possibilidade dessas mudanças abruptas, que se mostram próximas, à perda de propriedades e à necessidade de evacuação podem gerar ansiedade, estresse e até mesmo trauma psicológico duradouro.
Moradores das áreas atingidas deparam não apenas com os desafios imediatos de lidar com os efeitos físicos dos eventos, mas também com a necessidade de abordar essas consequências mais subjetivas para a população. A resposta eficaz a esse desafio deve envolver medidas de adaptação física, reposições materiais e, ainda, o fornecimento de apoio psicológico e serviços de saúde mental para as pessoas envolvidas.
O relatório do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, dias atrás, destaca os riscos globais associados às mudanças climáticas, sinalizando que as ameaças vão além do impacto individualizado. Inundações, tempestades e incêndios florestais foram identificados e citados como catalisadores de desafios sociais, econômicos e ambientais em escala global. A interconexão entre os riscos inerentes a esses eventos e outros fatores, como segurança alimentar, pobreza e desigualdade, reforça a necessidade de abordagens coordenadas e holísticas para enfrentar as transformações climáticas em curso. Há um aumento do estresse psicológico afetando a população mundial em função, entre outros fatores, dessas transformações.
Assim como um iceberg revela apenas uma fração de sua massa acima da água, os recentes temporais no Rio Grande do Sul e demais eventos dessa ordem testemunhados no país e no mundo são apenas a ponta visível de algo maior que estamos enfrentando – um “iceberg climático”. Enchentes, estiagens e temporais são as manifestações tangíveis de transformações mais profundas; há uma teia muito mais complexa de riscos invisíveis afetando o planeta. A intensificação de ondas de calor e outros fenômenos menos perceptíveis que são desencadeadores da ansiedade são fundamentais para adicionar uma dimensão subjetiva a esse cenário. O desafio lançado pelo documento do Fórum Econômico Mundial está em reconhecer e enfrentar o que vemos e, ainda, o que está abaixo da superfície. As soluções efetivas para proteger o planeta e garantir a sustentabilidade humana precisam levar em conta também essa dimensão.
A urgência das respostas integradas é evidente, tanto local quanto globalmente. Isso significa que às medidas relativas à adaptação física deve-se somar um apoio à saúde mental da população. Só com esforços coordenados nesses dois âmbitos vamos conseguir mitigar os impactos desoladores das mudanças climáticas.
As políticas públicas precisam apontar para o investimento em infraestrutura resiliente e estratégias de adaptação, além de promover políticas que reduzam as emissões de carbono. A implementação de sistemas de alerta precoce e a melhoria na gestão de áreas de risco são passos essenciais para proteger comunidades vulneráveis. Já no setor privado, as empresas têm a oportunidade de adotar práticas sustentáveis, minimizando seu impacto ambiental e contribuindo para a transição para uma economia de baixo carbono. Também são fundamentais as iniciativas de responsabilidade social corporativa, incluindo o apoio à saúde mental dos funcionários das empresas e das comunidades dos locais onde as empresas estão sediadas.
Essa ação coletiva e coordenada pode trazer resultados significativos. É o engajamento de governos, empresas e comunidades que se mostra essencial para moldar um futuro mais sustentável e, em consequência, mais resiliente diante das transformações. Ao enfrentarmos os desafios climáticos com colaboração, podemos construir um caminho para um mundo em que o equilíbrio ambiental seja restaurado, as comunidades prosperem e a saúde mental das pessoas seja preservada.
Afinal, tudo é sempre sobre as pessoas.