Animais morrendo queimados ou fugindo desorientados em meio às chamas: esse é o cenário que aflige o Pantanal desde o começo de julho. Considerada a maior planície alagada da Terra, a região abriga uma infinidade de espécies e ainda serve de refúgio para aves migratórias durante o período de reprodução. Neste ano, o bioma que se estende pelo Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bolívia e Paraguai registra uma quantidade de focos de calor acima da média histórica.
Conforme dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que compila registros desde 1998, de janeiro até setembro de 2020, o bioma registrou um total de 12.042 focos ativos. Para se ter uma ideia, em todo o 2019, foram 10.025 mil pontos. O recorde foi registrado em 2005, quando houve 12.536 focos de incêndio captados por satélites.
Ao levar em conta a área atingida, um levantamento feito pelo Instituto Centro de Vida (ICV), Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) de Mato Grosso, mostrou que de janeiro até meados de agosto o fogo já atingiu 1,7 milhão de hectares só no Mato Grosso. Cerca de 37% das ocorrências se concentraram no bioma Amazônia e 32%, no Pantanal, onde houve mais de 560 mil hectares queimados. Considerando a proporção entre a área atingida e o tamanho do bioma, o instituto concluiu que o Pantanal foi o que mais sofreu os efeitos das chamas, perdendo cerca de 9% de sua área.
— A situação já vem anormal desde o começo do ano. Mas esses grandes incêndios ativos neste momento vêm desde o começo de julho. As causas vão desde um acidente às margens de uma rodovia até casos que a gente identifica em propriedades de uso agropecuário. O fogo é usado para tirar resíduos e plantar pastagem — diz o engenheiro florestal Vinícius Silgueiro, que é coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV.
De fato, laudos periciais divulgados pelo governo do Estado do Mato Grosso na última semana mostraram que os incêndios em questão foram provocados pelo homem e foram causados intencionalmente, como mencionou Silgueiro, para plantio de pasto, ou aleatoriamente, em decorrência de acidentes de trânsito, por exemplo. Os documentos foram encaminhados para a Delegacia de Meio Ambiente do Estado para apuração dos fatos e responsabilização dos causadores, que estão sujeitos ao pagamento de multa que varia de R$ 1 mil a R$ 7,5 mil por hectare.
Clima colabora
Ainda que seja um dos biomas mais preservados do país, algumas áreas de conversão para o agronegócio acabaram interferindo na manutenção da umidade do solo, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Somam-se a isso as mudanças climáticas.
— Está se constatando que esses meses sem chuva estão se prolongando, seria outro fator que vem a trazer maior condição para a seca, favorecendo queimadas — observa o docente.
Fora a seca, que, de acordo com o engenheiro florestal, entrou no pior mês, os ventos fortes e em diversas direções servem de combustível para alastrar o fogo e impedir o seu combate.
— Eu olho minha janela e vejo o horizonte enfumaçado. Os piores meses são, em ordem, setembro, agosto e julho. As previsões indicam chuva para o começo de outubro — afirma o engenheiro, que mora em Alta Floresta, município do norte mato-grossense.
Fauna ameaçada
Morada de exemplares como arara-azul e onça pintada, o Pantanal também abriga uma infinidade de aves e répteis. Em razão da riqueza e exuberância naturais, a região também é importante ponto turístico do país, movimentando a economia local. O cenário recente, no entanto, causa preocupação.
— Tenho acompanhado algumas imagens e vi cenas de animais carbonizados. Pode-se pensar "as araras voam", mas todas as áreas onde elas se alimentam foram queimadas. O habitat delas foi totalmente destruído. É triste — lamenta Silgueiro.