
Um ataque fatal de uma onça-pintada a um caseiro de 60 anos, na última segunda-feira (21), na região de mata de Touro Morto, no Pantanal sul-mato-grossense, levantou um alerta sobre os riscos de encontros entre humanos e grandes felinos.
O corpo de Jorge Avalo foi encontrado um dia depois, arrastado por mais de 50 metros dentro da mata. A onça teria voltado ao local do ataque e chegou a ferir um socorrista. O caso ainda está sendo investigado.
Vídeos que circulam nas redes mostram desde alertas de um amigo da vítima sobre a presença da onça nas imediações até as buscas do corpo feitas por agentes da Polícia Militar Ambiental (PMA).
As imagens também mostram um ambiente de mata densa e difícil acesso, às margens do Rio Miranda, onde foram encontrados vestígios da presença do animal junto aos restos mortais da vítima.
Comportamento atípico
Para o biólogo Eduardo Eizirik, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e especialista em genética e ecologia de felinos, o caso é raro e não deve ser interpretado como um indicativo de risco elevado para a população.
— A primeira coisa importante é deixar claro que ataques são muito raros, é uma coisa atípica o que aconteceu. Não existe um grande risco de ataques de onças a humanos, mesmo em áreas com bastante contato, como o Pantanal — explica o pesquisador.
Segundo Eizirik, as onças costumam evitar o contato direto com pessoas, pois não consideram os humanos como presas.

Casos de ataques, quando ocorrem, geralmente envolvem fatores como escassez de alimento ou habituação do animal à presença humana, o que pode ocorrer quando há descarte de resíduos orgânicos, como restos de peixe, próximo a áreas de mata.
— As pessoas, muitas vezes, deixam resíduos perto das áreas onde trabalham ou pescam, e isso atrai a onça. Ela passa a ver aquele local como fonte de alimento. Isso muda o comportamento natural do animal, de caçar outras espécies ali naquela região — alerta.
Reação de defesa
Em regiões de ecoturismo, como o próprio Pantanal, é comum a observação de onças em passeios monitorados. Nesses casos, segundo o especialista, os riscos são quase inexistentes, desde que se respeite a distância mínima e não haja qualquer estímulo ao contato.
— O turismo é feito de dentro de barcos, a onça é avistada de longe e vai embora. Ela não tem instinto de atacar pessoas normalmente. Isso é extremamente raro — reforça o biólogo.
No caso do ataque a Jorge Avalo, ainda há dúvidas sobre as circunstâncias exatas da morte.
Uma das hipóteses, segundo o especialista, é a de que o animal possa ter se assustado durante um encontro inesperado com o caseiro, que estava em um deque coletando mel. Uma reação de defesa do felino pode ter levado ao ataque.
O que fazer ao encontrar uma onça?
O ideal é evitar o contato com felinos em áreas de mata. Caso o encontro ocorra, é importante manter a calma, evitar movimentos bruscos e procurar parecer maior e mais imponente, afastando-se devagar e sem correr.
A "técnica" é válida, basicamente, para encontros com todos os grandes carnívoros.
— O ideal é não estimular a aproximação excessiva. A onça é um animal maravilhoso, mas o contato precisa ser à distância, com segurança. Nunca se deve alimentar o animal ou deixar restos de comida disponíveis — orienta Eizirik.
Maior felino das Américas
A onça-pintada é considerado o maior felino das Américas. Podem medir até 1,90 metro de comprimento e pesam, em média, entre 65 e 100 quilos. Machos podem chegar até os 140 quilos e fêmeas aos 90.
O nome vem da própria pelagem do animal, que é amarela e com manchas pretas por todo o corpo.
É o único entre o grupo dos grandes felinos, como o leão, o tigre, o leopardo e o leopardo das neves, que está presente nas Américas, diferentemente dos demais que se distribuem por outros continentes.
— Ela originalmente ocorria em todo o país, mas já foi extinta em mais da metade da área original, que vinha dos Estados Unidos até a Patagônia — acrescenta.
Adaptável, o animal está distribuído em quase todos os biomas, com exceção do Pampa, onde foi extinta.
Pantanal abriga a maior população de onças do país
O ataque em questão ocorreu em uma área de vegetação no Pantanal sul-mato-grossense, considerado o bioma brasileiro com o maior índice de espécies preservadas.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 93,7% das espécies que vivem ali são classificadas como "menos preocupantes" quanto ao risco de extinção.
Apesar disso, o contato entre humanos e fauna silvestre cresceu com a expansão de atividades nas margens de rios e zonas de mata.
— É cada vez mais necessário pensar em estratégias de coexistência. Os humanos precisam encontrar formas de não destruir o ambiente das onças e, ao mesmo tempo, não se colocar em risco. Não é fácil fazer para as comunidades que estão na região, mas é importante para evitar a extinção destes animais — avalia Eizirik.

No Rio Grande do Sul, a onça-pintada está praticamente extinta. O último refúgio conhecido do felino é o Parque Estadual do Turvo, em Derrubadas, no noroeste gaúcho. É o último reduto da espécie no Estado.
— No momento, só há evidência de um indivíduo lá. O risco, aqui, é a perda definitiva da espécie. Na maioria das situações, é a onça que está em perigo — conclui o biólogo.
*Produção: Murilo Rodrigues