O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou para junho, em data ainda a ser definida, o julgamento sobre a responsabilidade das redes sociais por conteúdos ilegais publicados em suas plataformas. O tema estava pautado para esta quarta-feira (17) no plenário, mas teve a análise adiada a pedido dos relatores, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.
Seriam julgados dois recursos com repercussão geral que aguardam apreciação desde 2017, movidos por uma vítima de difamações publicadas por um perfil falso no Facebook e por uma professora chamada Aliandra, que foi alvo de zombarias no extinto Orkut – na antiga rede social, as "comunidades" funcionavam como fóruns temáticos de assuntos cotidianos, como "odeio acordar cedo" ou "abro a geladeira pra pensar". Neste caso, estudantes criaram uma comunidade chamada "Eu odeio a Aliandra", que solicitou à rede social, sem sucesso, a exclusão do grupo.
O debate de ambos os casos foi pautado pela presidente do tribunal, Rosa Weber, em meio a impasses na votação do “PL das Fake News” pela Câmara dos Deputados. A responsabilização das plataformas é um dos pontos centrais do projeto de lei, que prevê um “dever de cuidado” das redes na remoção de conteúdos críticos, como os que disseminam e estimulam golpes de Estado ou atos terroristas.
Ainda não há data para que o tema volte ao plenário da Câmara, diante da dúvida se o PL das Fake News conseguirá votos suficientes dos deputados para ser aprovado. No Supremo, a percepção dos ministros é que o caso deve ser tratado preferencialmente pela via legislativa, mas que o tribunal deverá agir para preencher eventual omissão do Congresso.
Para isso, o Supremo deverá julgar dois recursos com repercussão geral - cujo desfecho deverá servir de parâmetro para os demais casos semelhantes - que questionam o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O dispositivo dispensa as plataformas de redes sociais de responsabilização caso não removam publicações de usuários que sejam flagrantemente ilícitas.
O julgamento sobre o Marco Civil da Internet foi tema de audiência pública no Supremo, em março, quando ministros da Corte e do governo se revezaram na defesa de uma maior regulamentação das redes sociais. Recentemente, a PGR também se manifestou, nos próprios recursos sobre o assunto, a favor de uma maior responsabilização das redes sociais que não removerem conteúdo ofensivo após alertadas.
As empresas se defendem afirmando que uma maior regulação deve desestimular investimentos para aprimorar as plataformas de redes sociais, bem como representa uma ameaça à liberdade de expressão.
Entenda o que está em jogo no STF
O que é o Marco Civil da Internet?
Sancionado em 2014, o Marco Civil da Internet institui princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. A legislação estabelece princípios como o da neutralidade da rede, que diz que todos os dados que trafegam nas redes devem ser tratados da mesma forma e com a mesma velocidade. Além disso, a lei impõe como fundamento da internet no país o respeito à liberdade de expressão.
O que diz o artigo 19 do Marco Civil, questionado pela dona de casa?
O artigo estabelece que, "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por danos causados pelo conteúdo publicado por seus usuários se, após ordem judicial, elas não removerem o material. Ou seja: impõe isso como condição para a responsabilização de plataformas digitais pelo conteúdo de seus usuários.
O que diz a professora vítima de uma comunidade no Orkut e o que isso tem a ver com o artigo 19?
A vítima argumenta que existem princípios constitucionais que impõem às plataformas digitais o dever de remover conteúdos ofensivos sem a necessidade de intervenção judicial, como o discurso de ódio.
Quem considera o artigo 19 constitucional?
As próprias plataformas digitais (como Meta, TikTok e Google), entidades da sociedade civil ligadas à defesa da liberdade de expressão e direitos digitais, como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e associações do setor privado de internet, por exemplo, a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint) e a Associação Brasileira de Internet (Abranet).
O que diz quem defende a constitucionalidade do artigo?
O principal argumento é que impor um dever de fiscalização pelo conteúdo às plataformas digitais traria riscos à liberdade de expressão. Isso porque a possibilidade de punição levaria as plataformas ao bloqueio excessivo de conteúdos pelo receio de serem responsabilizadas por ele. Algumas das entidades contrárias argumentam que uma decisão desfavorável ao artigo, inclusive, aumentaria o poder dessas redes sociais em moderar discursos.
Quem considera o artigo 19 inconstitucional?
Associações ligadas a jornais, emissoras e revistas, como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), além de instituições acadêmicas como o Instituto Brasileiro do Direito Civil (IBDCivil) e o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).
O que diz quem defende a inconstitucionalidade do artigo?
O argumento é que a lei atual permite que plataformas digitais se omitam diante de eventuais conteúdos criminosos hospedados por elas, desde discurso de ódio até perfis falsos. Nessa avaliação, as provedoras deveriam ter responsabilidade pelo material que hospedam, sobretudo os conteúdos patrocinados, que são impulsionados por meio de algoritmos.
O que esses julgamentos têm a ver com o “PL das Fake News”?
Apelidado de “PL das Fake News”, o projeto institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Ambos os casos a serem julgados pelo STF tratam de responsabilidades das plataformas que, entre outras regras novas, seriam reguladas pelo projeto de lei.