A equipe da organização não governamental (ONG) Cabelegria está desenvolvendo mantas feitas a partir de cabelos que têm a capacidade de reter o petróleo dos oceanos. O projeto, chamado Fiotrar, é coordenado pela designer Mariana Robrahn de Camargo, de São Paulo, e financiado pela Fundação Grupo Boticário.
Em 2013, a designer fundou, junto com sua amiga Mylena Duarte, a ONG, que arrecada cabelo para confecção de perucas para pessoas em tratamento contra o câncer. Durante o trabalho que realizavam, perceberam que parte do material doado era descartado porque não chegava em condições necessárias para a produção das perucas.
Em 2019, Mariana viajou para a Califórnia, nos Estados Unidos, e lá conheceu a organização Matter of Trust, que utilizava cabelos humanos para a retirada de óleo dos oceanos. Quando a paulista retornou para o Brasil, no mesmo ano, houve um derramamento de petróleo em praias do Nordeste e Sudeste.
— Eu fiquei muito triste pelo fato de estar de mãos atadas naquele momento. Eu sabia que existia uma solução para aquele problema, que eram os cabelos, só que, até então, não tinha nada que eu pudesse fazer para resolver — conta a designer.
Foi então que surgiu a ideia do projeto Fiotrar, inspirado na iniciativa dos Estados Unidos. Em 2020, Mariana procurou a Fundação Grupo Boticário para apresentar a proposta e foi aconselhada a inscrever o projeto no edital Camp Oceano, que financia iniciativas de preservação ambiental. O projeto foi um dos 40 aprovados para uma segunda fase, que ocorreu em julho do ano passado, e então ficou entre os 19 selecionados.
Desenvolvimento
Contando com o aporte financeiro, Mariana conseguiu trazer máquinas dos Estados Unidos para a confecção das mantas. Desde o início deste ano, a equipe se dedica a pesquisas e testes para aperfeiçoar o funcionamento do produto em um laboratório da Universidade Mackenzie, de São Paulo.
Além da idealizadora do projeto, a equipe é formada por uma profissional que se dedica à confecção das mantas, uma cientista especialista em conservação da biodiversidade, um engenheiro ambiental e engenheiros mecânicos (responsáveis por aprimorar o funcionamento das máquinas, deixando-as mais eficientes e rápidas).
O funcionamento das mantas

A equipe do Fiotrar produz uma manta, de 80 cm de comprimento por 60 cm de largura em cerca de 1h30min. Segundo Janaína Bumbeer, especialista em conservação da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, que auxilia o projeto, o cabelo pode ser utilizado como matéria-prima por duas razões: o potencial dos fios em reter resíduos e sua natureza biodegradável.
— Existem folículos grandes dentro da estrutura do próprio fio que permitem que ele tenha aderência de uma grande quantidade do óleo. Além disso, ele é um produto natural, produzido pela gente, em excesso no mundo. É um lixo que é criado por milhares de salões de beleza que existem no Brasil e que pode virar um ativo para o combate de dispersões marinhas — explica Janaína.
Segundo pesquisas realizadas pela equipe do projeto, um grama de cabelo pode reter até cinco gramas de óleo. Além disso, quanto mais oleoso e danificado, maior é a capacidade do fio em adsorver resíduos (adesão das moléculas na superfície do cabelo).
A manta ainda precisa ser testada nos oceanos e a equipe está avaliando o melhor formato que ela precisa ter para cumprir seu papel. Também está em análise a quantidade ideal de cabelo para a retenção do óleo. Após a conclusão das pesquisas, será preciso montar um modelo de negócio para garantir a manutenção do projeto.
— Um desenvolvimento sustentável prevê que tenha tanto a conservação dos recursos quanto o desenvolvimento econômico. Então, a gente pode gerar renda, movimentar a economia, melhorar a qualidade de vida das pessoas e ainda assim conservar nosso maior patrimônio que nós temos que é o nosso oceano sustentável — afirma Janaína.
Outros usos
A equipe também pesquisa a capacidade da manta em reter outros resíduos, como metais pesados e corantes.

— A gente está comparando os materiais que são utilizados hoje para filtrar esses metais com o cabelo, para ver qual a diferença de adsorção entre eles. Queremos realizar um estudo bem completo para conseguir entender quais são os tipos de cabelos, quais os melhores tipos para cada tipo de metal e aí conseguir prototipar os filtros mais adequados — disse Mariana Robrahn de Camargo, coordenadora do Fiotrar.
Mariana comenta que o projeto chega a lugares e pessoas que jamais imaginou. Para a designer, a iniciativa demonstra que por meio da conexão entre diferentes áreas e culturas é possível contribuir com o planeta:
— Hoje com o Fiotrar a gente pode falar sobre a cultura oceânica para as pessoas que não entendem sobre o oceano e que muitas vezes desconhecem que, com uma simples atitude, como cortar o cabelo, você consegue fazer a diferença.
Doações e contato

Todos aqueles que desejarem doar seus cabelos tanto para a ONG Cabelegria, que serão utilizados nas perucas, quanto para o projeto Fiotrar, para a confecção de mantas, podem entrar em contato pelas redes sociais. No Instagram, são os perfis @cabelegria, da ONG, e @fiotrar, que conta com os primeiros conteúdos sobre a iniciativa. Outras informações também estão disponíveis no site do projeto.
Produção: Filipe Pimentel