Uma ação da Polícia Civil na manhã desta quinta-feira (20) tem como alvo duas facções criminosas envolvidas numa disputa violenta, que resultou em nove execuções nos últimos meses na zona sul de Porto Alegre. A ação do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) — em conjunto com a Brigada Militar e Polícia Penal — cumpre 38 mandados na Capital, em Alvorada e em Charqueadas. Até as 8h30min, 11 pessoas haviam sido presas.
Das ordens judiciais, 17 são mandados de prisão preventiva e 21 são de busca e apreensão. Segundo a delegada Marcela Ehler, da 6ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre, a operação busca atingir duas organizações criminosas rivais. Esses grupos são suspeitos de terem se envolvido em nove homicídios entre o fim do ano passado e o começo deste ano. Sete mortes aconteceram na área de domínio de uma facção e duas na de outra.
O conflito entre os grupos teve início após integrantes saírem de uma das organizações em dezembro do ano passado e passarem a fazer parte da facção rival, com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste da Capital. Essa migração foi detectada dentro do sistema prisional, mas teve reflexo direto nas ruas, intensificando as disputas.
Essas disputas, segundo a polícia, vêm acontecendo, de forma predominante, no bairro Santa Tereza, mas também em outros bairros da Zona Sul, como Cristal, Vila Nova e Serraria.
Num dos casos, um homem de 27 anos foi assassinado na manhã de 21 de janeiro, no Santa Tereza. A vítima foi baleada dentro de um carro na Rua Mutualidade, e não resistiu.
Durante a operação desta quinta-feira, os principais alvos estão no Santa Tereza e Serraria. Entre os investigados, que tiveram prisão decretada, estão executores dos crimes e mandantes, que são suspeitos de planejarem e tornarem o ataque possível, escolher os alvos e forneceram pessoas e materiais, como armas. Também são alvos da operação lideranças da organização criminosa.
— O aval (dos líderes) é essencial para que os ataques aconteçam. Sem a “bênção” dos líderes, o plano não é executado — explica a delegada.
Integrantes infiltrados
Um dos investigados, que seria o responsável por operacionalizar os ataques, usou seus conhecimentos relacionados à geografia do local e também conseguiu infiltrar pessoas de sua confiança no grupo rival. Como morou e frequentou durante anos os locais de domínio da facção à qual pertencia antes, ele tem acesso às pessoas que vivem ali, segundo a polícia.
— Ele sabe quem comanda cada local, qual o modus operandi dos criminosos, onde armazenam armas, qual melhor horário para os ataques — detalha a delegada.
Além disso, o criminoso teria recrutado pessoas das áreas de interesse para passarem informações detalhadas sobre os alvos, como em qual casa residem, em qual carro andam, entre outros detalhes que permitiam a execução dos crimes.
“Aí não tem mais guerra”, diz criminoso
Num dos áudios obtidos pela polícia durante a investigação, um dos criminosos fala com outro integrante da facção sobre o planejamento de ataque em janeiro em Porto Alegre.
"Mato os três dentro de casa, entendeu? Dou mais uma esperada. Eles vão tentar botar outros ali. Dou mais uma ripada, aí entro com time para dentro. Aí eles não consegue mais entrar. Aí não tem mais guerra. Já era".
Sistema prisional
Segundo o diretor do DHPP, delegado Mario Souza, as alterações nas facções foram detectadas dentro do sistema prisional. A investigação contou com o apoio da Polícia Penal.
A ofensiva desta manhã, realizada também de forma conjunta com a Brigada Militar, faz parte das medidas aplicadas com base num protocolo de enfrentamento aos homicídios em Porto Alegre.
— Essa operação especial é a quinta medida do nosso protocolo contra os homicídios executados pelo crime organizado. Isso busca desarticular as facções e diminuir suas atividades. Sempre que uma morte é ordenada por algum grupo criminoso, esse protocolo é imediatamente colocado em ação — afirma o delegado.
Entre as medidas mais severas aplicadas, com base nesse protocolo, está o isolamento de lideranças. Em janeiro deste ano, 11 integrantes de uma das facções envolvidas nessa disputa — e que também é apontada como a responsável pelo assassinato de um apenado dentro da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) 3, no fim de novembro — foram levados para isolamento na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, na Região Carbonífera.
Dissuasão focada
O protocolo, aplicado na Capital há cerca de dois anos, tem como base a dissuasão focada. Essa teoria, implementada inicialmente nos Estados Unidos, tem como uma das premissas fazer as ordens de execuções nas ruas, muitas vezes vindas de dentro das prisões, cessarem. Para isso, é preciso que as lideranças estejam cientes das penalidades que sofrerão caso os crimes continuem acontecendo.
A técnica foi criada por David Kennedy, professor de Criminologia da Universidade de Nova York. Há 25 anos, o criminologista desenvolveu com colegas a Operação Cessar Fogo, em Boston, que levou à queda dos homicídios por lá.
As sete medidas
- Saturação da área do crime
- Ações pontuais e responsabilização das lideranças por crimes
- Operações especiais e de lavagem de dinheiro
- Revistas em casas prisionais
- Responsabilização de lideranças por homicídios
- Transferências de líderes para penitenciárias estaduais
- Transferências de líderes para penitenciárias federais