Em julho do ano passado, ao longo de 16 horas, policiais civis monitoraram um possível carregamento de entorpecentes que seria entregue em Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana. Viraram a madrugada em campanas, até interceptarem às 10h um furgão branco, que estava prestes a ingressar num pavilhão que serviria de depósito de drogas para uma facção. Dentro do veículo, foram encontrados 400 quilos de maconha.
Aquela apreensão deu início a uma investigação que culminou na operação realizada na manhã desta terça-feira (18), em 23* municípios, localizados em quatro Estados. Além do RS, as ordens judiciais são cumpridas em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso.
— Isso mostra as conexões e tentáculos desse grupo criminoso. Certamente essa operação de hoje irá enfraquecer a ação dessa organização — afirma o diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Carlos Wendt.
Ao todo, são 41 mandados de prisão e 45 ordens de busca, além da apreensão de dois veículos. Até o início desta manhã, havia 31 pessoas presas. Foram apreendidas 12 armas de fogo, R$ 393 mil em espécie e cinco veículos.
O alvo da Operação Porta Fechada é uma facção do Vale do Sinos, envolvida no tráfico de drogas e outros crimes, como agiotagem e extorsões. A partir daquela apreensão, que resultou na prisão de um homem em flagrante e na apreensão de um celular, a equipe do Denarc descobriu uma série de outras pessoas que estariam envolvidas nos esquemas mantidos pelo grupo criminoso.
— Essa organização criminosa é voltada para o tráfico. Mas temos também crimes identificados como extorsões e golpes, que criminosos dessa organização utilizavam para angariar recursos para sustentar o tráfico de drogas. Foi identificado também o uso de emprego lícitas para incorporar e recolocar dentro da organização. Algumas empresas, como uma empresa que gerencia cantinas em presídios foram identificadas — explica a delegada Ana Flávia Leite.

A ofensiva, desencadeada pela 2ª Delegacia de Repressão ao Narcotráfico, tem como objetivo desarticular essa parte da organização criminosa, prender integrantes, apreender bens e valores, com intuito de descapitalização do grupo, que atua, de forma articulada, em diferentes crimes.
— As investigações revelaram uma organização criminosa altamente estruturada e especializada em diversos crimes, como tráfico de entorpecentes, associação para o tráfico, agiotagem, organização criminosa, adulteração de sinal identificador de veículos e outros delitos relacionados. Essa organização atuava não só no Rio Grande do Sul, mas também em outros Estados — explica o delegado Alencar Carraro, responsável por coordenar a operação.
A maior concentração dos crimes cometidos pelo grupo se dava, segundo a polícia, em Sapucaia do Sul e outros municípios da Grande Porto Alegre, considerados redutos do tráfico e de outros delitos.
Extorsões e golpes
Segundo a delegada Ana Flávia Leite, do Denarc, que integra a operação, integrantes da organização realizavam diversos tipos de golpes, visando enganar e retirar recursos de vítimas. Esses valores obtidos eram, então, transferidos para contas de "laranjas" – pessoas que agiam como intermediárias – com o intuito de mascarar a origem do dinheiro e dificultar o rastreamento dos recursos ilícitos.
— Os alvos da operação são as pessoas que cedem as contas para as transações financeiras, são as pessoas que estão no tráfico, tem transportador, tem gerentes, e a maior parte são as pessoas que controlam o esquema envolvendo cantinas em prisões aqui do Estado — afirma a delegada.
Nas cadeias
Além do tráfico de drogas, foi identificado que a organização criminosa mantinha um esquema que envolveria as principais lideranças presas. Do interior dos presídios, esses líderes davam ordens a colaboradores externos que gerenciavam o tráfico de drogas nas ruas e o controle das distribuições, mantendo o funcionamento do esquema em diversas regiões.
Um dos pontos investigados pela operação é o vínculo entre o grupo criminoso e integrantes de uma empresa que mantém a concessão para comercializar produtos em diversas prisões do Estado. A investigação indica que a facção aplicava golpes e extorsões, e que entre os beneficiários dos valores obtidos estavam essa empresa do setor alimentício, que fornece produtos para as cantinas de prisões, por meio de contrato com o governo do Estado.
— Muitas das pessoas investigadas tinham atividades lícitas. O crime organizado necessita de pessoas que tenham atividades para mesclar e tentar camuflar os valores ilícitos — afirma o delegado Carraro.
Cinco toneladas de maconha
A investigação apontou ainda que essa mesma organização fazia transportes de grandes quantidades de entorpecentes. Numa das apreensões, em junho do ano passado, a Polícia Rodoviária Federal localizou uma carga de cinco toneladas de maconha, com valor estimado em ao menos R$ 10 milhões.
A droga estava escondida no tanque de uma carreta de transporte de óleo vegetal. A descoberta se deu na BR-386, no município de Sarandi, no norte do Estado. Essa foi a maior apreensão de drogas da Polícia Rodoviária Federal em 2024. Segundo os policiais rodoviários, a droga tinha como destino a região metropolitana de Porto Alegre. O motorista de 35 anos e a passageira de 29, do Mato Grosso, foram presos.
A operação
- 24 mandados de prisão preventiva
- 17 mandados de prisão temporárias
- 45 mandados de busca e apreensão
- 200 policiais
Crimes: organização Criminosa, tráfico de drogas, associação para o tráfico, agiotagem, extorsão e adulteração de sinal de veículo
*Onde
No RS
Porto Alegre, Viamão, Guaíba, Canoas, Sapucaia do Sul, Esteio, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Charqueadas, Lajeado, Cruzeiro do Sul, Capão da Canoa e Erechim
Fora do RS
Em Maringá e Sarandi, no Paraná, em Cuiabá, no Mato Grosso, em Palhoça e Passo de Torres, em Santa Catarina.
* Alguns mandados são cumpridos dentro de unidades prisionais
Denuncie
Informações podem ser repassadas ao Denarc, inclusive de forma anônima, pelo telefone 08000 518 518.
Contraponto
Polícia Penal
Em nota, a Polícia Penal informou que a empresa está presente em dez unidades prisionais e sua contratação foi oriunda de procedimentos de licitação públicos realizados entre 2018 e 2022 nos termos da Lei Federal nº 8.666/1993 e da Lei 7.810/1984.
Segundo a manifestação, à época, a empresa apresentou todas as comprovações e cumpriu todas as exigências contidas nos editais. “No contrato estabelecido com a empresa vencedora há um Termo de Referência, documento que regula o funcionamento e autoriza uma lista de produtos supérfluos que o Estado não fornece, permitindo a sua comercialização com base estrita no edital.”
A nota informa ainda que a “administração, tanto da Polícia Penal quanto da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, tomando conhecimento de qualquer fato que caracterize descumprimento ou irregularidade contratual, utiliza do poder-dever de agir e, consequentemente, instaura procedimentos para apuração, observando o devido processo legal”.
A manifestação informa ainda que “todas as denúncias e apurações são conduzidas pela Corregedoria-Geral do Serviço Penitenciário e as suas informações não são publicizadas durante o processo investigatório, preservando o devido processo legal”.
Empresa
Pablo Laurindo Garcia Simas, advogado responsável por representar a Mais Sabor Alimentos Ltda, empresa investigada na operação, disse que não teve acesso ainda ao teor da acusação (leia abaixo a nota na íntegra), assim como os colegas de escritório que estão trabalhando no caso, mas afirma que a empresa não tem relação com a facção investigada.
"Ainda sem o teor da acusação, a Mais Sabor Alimentos LTDA jamais se coligou com qualquer apenado, a empresa, por contratos prévios em licitações, vende mercadorias nas penitenciárias há quase 06 anos ( mercadorias aprovadas e repassadas antes com scanner na entrada pela polícia penal), existem provas de compra e venda bem como que todo faturamento da empresa são destas vendas, tudo adequado, basta solicitarem as provas que serão apresentadas (balanços e outros documentos).
Se existem ilegalidades ou qualquer ilícito não é de concorrência da empresa, que está há 06 anos comprovando seguidamente ( sempre que surgem especulações semelhantes em razão do objeto de trabalho ser um local como as penitenciárias ) que atua na legalidade, com ética e transparência e vende só o permitido. É lamentável a postura da investigação, gerando ao senso popular uma situação de responsabilidade indevida a quem não praticou nenhum ilícito, com danos irreparáveis no campo social".