
Na manhã de terça-feira (25), Tiago Ricardo Felber, 40 anos, circulou por três horas com o filho de cinco anos numa bicicleta, pelas ruas de São Gabriel, na Fronteira Oeste. No início da tarde, segundo ele mesmo confessou, arremessou Théo Ricardo Ferreira Felber do alto de uma ponte de 15 metros de altura. O garoto, que tombou sobre as pedras, não resistiu. No mesmo depoimento, o homem disse à polícia que cometeu o crime com intuito de se vingar da ex-companheira.
No último dia 12 de março, Jardel Oliveira dos Santos, 37 anos, deixou Parobé com os dois filhos gêmeos, Bernardo e Vicente, seis anos. Após transitar pelo município de Bom Princípio por horas, no início da noite, colidiu de frente com um caminhão na RS-446, em São Vendelino. O homem morreu no local e os garotos chegaram a ser socorridos, mas não resistiram. Jardel era ex-companheiro da mãe das crianças, que possuía medida protetiva contra ele.
Num intervalo de duas semanas, dois casos de pais que teriam provocado as mortes dos filhos foram registrados no RS — no de Parobé, a polícia ainda investiga se Jardel causou a colisão de forma intencional ou se o motivo do acidente foi outro.
Professora e coordenadora do curso de formação em psicoterapia do Centro de Estudos Luis Guedes no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Vivian Peres Day explica que, no caso dos homens, a vingança contra a mãe dos filhos é o principal motivador.
— Quando vê um pai que mata o filho, vai procurar onde está a relação com a mãe das crianças, e provavelmente vai encontrar conexão. Geralmente, é um contexto de separação. Matam para se vingar da mãe, quando ela decide se separar e, mais ainda, quando inicia um novo relacionamento. É mais ou menos a mesma história sempre, do feminicídio, onde há maior violência contra a mulher na hora da separação e pior ainda quando encontra outro companheiro — explica a psiquiatra forense.

Medidas protetivas
O momento em que a mulher consegue se separar do companheiro, em muitos casos já violento, é aquele que demanda maior atenção, quando ela deve ser amparada e protegida, na visão da especialista. O mesmo, no entendimento de Vivian, deveria se estender às crianças. Em ambos os casos, os pais tinham permissão para visitar os filhos.
— É necessário ter uma avaliação melhor da continuidade das separações, das guardas compartilhadas. A mãe, às vezes, tem medida protetiva e não é suficiente. Não chega perto da mãe, mas chega perto das crianças. Quando há medida protetiva em relação à mãe, deveria ser ampliada às crianças, quando existe algum sinal de violência. É quase impossível de a gente imaginar como um homem que cria a criança é capaz de fazer isso. Ele realmente estava convicto daquilo. Inclusive, premedita: escolhe o dia, escolhe o lugar. Vê a forma como vai acontecer — afirma.
Sinais
Alguns sinais são apontados pela psiquiatra como de alerta em casos como esses. As violências desse tipo, em geral, não são quadros isolados. Em alguns casos, segundo a especialista, os pais já apresentavam dificuldades afetivas, comportamento frio e sentimento de posse sobre a mãe e os filhos.
Além disso, ela indica outros aspectos, como a sensação de ameaça à integridade emocional e à reputação, com o rompimento da relação.
— O pai já dava sinais de que não aceitava relacionamento, relação de dificuldade com a paternidade. Por vezes, em vez de proteger a criança, rivaliza a atenção da mãe. São pessoas que lidam mal com a perda de controle e com mudanças. É um fato que culmina nesse ponto. O perfil do companheiro é controlador, de longa data, pode ter violência psicológica, violência física, patrimonial. Talvez já tenha perfil violento com as crianças. A perda do controle daquela mulher é disruptiva para determinados homens. A pessoa prefere matar os filhos do que conviver com a ideia daquela pessoa com outra pessoa. "Não vou deixar meus filhos convivendo com essa pessoa" — detalha.

"A situação não começa no ponto extremo"
Doutor em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), Sander Fridman defende a necessidade de a sociedade como um todo estar atenta aos comportamentos que possam resultar em atos violentos, como os de pais e mães que tiram as vidas dos filhos.
— Para algumas pessoas, desistir de viver pode ser valor aceitável e, para outras, tirar a vida de alguém pode ser valor aceitável. Em ambos os casos, há relação com desespero, desesperança, descontrole, com sentimento de injustiça extremo, que muitas vezes nem houve. Às vezes, há sintomas psiquiátricos mais graves, as pessoas escutam vozes. Ele tem certeza de que a mulher e o namorado estão rindo dele, pode até ouvir as risadas. Tudo numa experiência transtornada, que pode resultar num suicídio, mas também num homicídio — afirma.
No entendimento do especialista, é preciso atenção para a violência inicial, como as ameaças, que nem sempre são encaradas com a mesma gravidade. É preciso, em sua visão, buscar auxílio policial, quando há indicativo de violência, e, quando identificados fatores de risco, encaminhar o tratamento de saúde mental.
— A situação não começa no ponto extremo. Começa com pequenas ameaças, pequenos sinais. É naquele momento que vai impedir que amanhã esteja se tratando de um homicídio de criança, de mulher, de idoso. A pessoa propensa ao suicídio ou ao homicídio está em sofrimento, que devem ser atendidos e tratados para se evitar um fim trágico. Quando e pessoa está gravemente doente, não consegue ver caminhos — diz o especialista.

Fridman orienta ainda que há necessidade de as pessoas se envolverem na comunidade, para além do núcleo familiar, participando de atividades sociais, espirituais e artísticas, por exemplo.
— Nossa sociedade hoje está numa crise de valores. Aquilo que empresta sentido no nosso dia a dia acaba sendo restrito a poucos elementos. Não raro, apenas o amor, uma companheira, um companheiro. Numa sociedade melhor, as pessoas se sentem coesas. Esse sentimento de coesão social, protege as pessoas do desespero de perder a única coisa que empresta sentido à vida delas, a evitar a desesperança completa, o entendimento de que a vida não tem sentido, o que pode resultar numa tragédia terrível — afirma.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, há duas Delegacias da Mulher. Uma fica na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- A outra foi inaugurada na segunda-feira (19) e passou a receber ocorrências na terça (20). O espaço fica entre as zonas Leste e Norte, na Rua Tenente Ary Tarrago, 685, no Morro Santana. A repartição conta com uma equipe de sete policiais e funciona de segunda a sexta, das 8h30min ao meio-dia e das 13h30min às 18h.
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Ministério Público
- O Ministério Público do Rio Grande do Sul atende em qualquer uma de suas Promotorias de Justiça pelo Interior, com telefones que podem ser encontrados no site da instituição.
- Neste espaço é possível acessar o atendimento virtual, fazer denúncias e outros tantos procedimentos de atendimento à vítima. Acesse o site.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.