A 1ª Vara do Júri de Porto Alegre desclassificou o homicídio e mandou soltar os pais acusados de matar uma bebê de um ano e oito meses em 1º de abril de 2024. A decisão foi publicada no último dia 28 de fevereiro.
Lia Miriã Domingos Samurio foi levada pelos avós para a Unidade de Pronto Atendimento da Lomba do Pinheiro em 27 de março de 2024 e depois foi transferida para o Hospital Conceição, onde teve a morte constatada por “hemorragia encefálica por traumatismo craniano” decorrente da chamada “síndrome do bebê sacudido”.
Conforme a denúncia do Ministério Público, a criança apresentava outras lesões decorrentes de tortura no braço direito, no rosto, pés e bolsões de sangue nos olhos. Por isso, ainda antes da morte, a mãe Jaqueline Domingos Teixeira, de 39 anos, e o pai Luan Pacheco Samurio, de 26 anos, foram presos preventivamente. No caso de Luan, o entendimento é de que ele foi omisso ao não resguardar a segurança da filha.
No processo, o Ministério Público pediu a pronúncia dos réus, ou seja, que eles fossem julgados pelo Tribunal do Júri por homicídio doloso qualificado. O pedido foi negado pela Justiça, que entendeu que houve um caso de maus-tratos, com resultado morte, e que não havia intenção dos pais de matarem a criança.
“Isso porque não há, em toda a instrução criminal, indicativos de que a ré queria a morte da filha e agiu de forma consciente para obter tal resultado (dolo direto), tampouco que tenha vislumbrado o resultado morte e agindo independentemente de tal possibilidade (dolo indireto)” escreveu a magistrada Anna Alice da Rosa Schuch.
“O que se tem, repita-se, é a intenção da ré em corrigir a criança, o que faz por meio das agressões, cuja intensidade culminou, aparentemente, no óbito.” completou.
Como os réus são primários, também foi determinado que eles respondam em liberdade ao processo. A pena base de maus tratos com morte é de quatro a 12 anos, com aumento de um terço se for contra menor de 14 anos. Já homicídio doloso qualificado tem pena mínima de 12 anos.
Procurada pela reportagem, a promotora Lúcia Helena Callegari se disse “estupefata com a decisão” e afirmou que irá recorrer ao Tribunal de Justiça em busca de uma reversão. A promotora também afirma que “a decisão desconsidera a soberania do Tribunal do júri para julgamento dos crimes contra a vida”.
Menina foi acolhida em abrigo após nascimento
Lia Miriã nasceu em julho de 2022, no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre. Por conta da prematuridade e do baixo peso, além do histórico da violência na família, a bebê saiu da UTI Neonatal diretamente para um abrigo institucional. Ela permaneceu afastada da família por mais de um ano, período em que não foi amamentada e não criou vínculos com a família.
Em setembro de 2023, após um acompanhamento da família com equipes de assistência social, a menina retornou ao convívio dos pais.
Na decisão, a magistrada escreve que “Não é de espantar, então, a frustração de Jaqueline perante a criança, que não a reconhece como mãe e não se comporta da maneira esperada a um bebê, para quem, via de regra, a figura materna é a principal fonte de afeto e apego. Essa frustração ficou bem demonstrada nas mensagens de celular trocadas entre os réus no dia dos fatos, ocasião em que Jaqueline demonstra toda sua decepção em relação à filha, a quem oferece cuidados e recebe em troca apenas choro e birra”
Contraponto
Zero Hora procurou a magistrada por meio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça. A juíza afirmou que a manifestação está fundamentada na decisão judicial.
O réu Luan é representado pela advogada Joyce Kieling, que se manifestou por meio de nota:
“A defesa de Luan Samúrio está satisfeita com a decisão de impronúncia ao Tribunal do Júri e desqualificação da imputação do crime de homicídio qualificado por omissão, para o crime previsto no artigo 136 do Código Penal, relativo a maus tratos, por se tratar de medida de justiça.
Luan, esteve preso até a última sexta-feira, em decisão que manteve a prisão preventiva do réu, baseada em relatos que confundiam a violência sofrida por Jaqueline, por parte de seu ex marido que já morreu.
Conforme depoimento da assistente social Luciane, Luan não só acolheu os quatro filhos de Jaqueline como sendo seus, como também era responsável financeiro destes e dos outros dois filhos que tiveram durante o relacionamento, cumprindo com todos os deveres e cuidados.
O réu trabalhava dia e noite para o sustento da família, motivo pelo qual não estava no momento do ocorrido.
A defesa sustenta, ainda, que Luan nunca presenciou qualquer atitude de Jaqueline que demonstrasse querer ferir ou matar Lia.
Ao fim da primeira fase do processo, o entendimento da Justiça é de que os réus não pretendiam provocar a morte da criança, nem assumiram o risco do homicídio”.
A mãe, Jaqueline, é representada pela Defensoria Pública que só se manifesta nos autos do processo. Na Justiça, a defesa dela pediu absolvição sumária ou impronúncia da ré.