
Na noite do último Natal, um grupo de jovens bebia refrigerante na calçada, na esquina das ruas Butuí e Ursa Maior, na zona sul de Porto Alegre, quando criminosos armados desembarcaram de um veículo. Os bandidos dispararam repetidas vezes na direção do grupo.
As vítimas, segundo a polícia, não tinham nenhuma relação com o crime organizado. Entre elas, estava um menino de cinco anos, que foi atingido por quatro disparos, mas sobreviveu. Os amigos Luiz William Valença Dijon, 22 anos, e Liedson Lemos Padilha, 21, não resistiram. Um jovem de 20 anos também foi baleado de raspão no braço direito.
A investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) aponta que uma facção, com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste da Capital, foi a responsável por ordenar este ataque. O crime, segundo a delegada Marcela Ehler, da 6ª Delegacia de Homicídios, é um dos que foi resultado de um conflito entre dois grupos criminosos. A Operação Zero Sete, desencadeada nesta quinta-feira (20) pela Polícia Civil, Brigada Militar e Polícia Penal, tem como alvos integrantes dessas duas facções.
— Um veículo parou e eles dispararam a esmo. Foi um ataque completamente errôneo, onde mataram pessoas inocentes, que não tinham nenhuma relação com o crime. Entre as vítimas, está essa criança de cinco anos, que foi baleada. Eles tinham um outro alvo, que não estava naquele local no momento — detalha a delegada.
Ao menos nove homicídios teriam sido cometido em meio às disputas entre duas facções de Porto Alegre. Uma delas, que possui origem na Zona Leste, é a que teria sido a responsável por esse ataque no Natal, e outra, originada na Vila Cruzeiro, na Zona Sul.
— Dois executores, um mandante e uma liderança, alvo da operação de hoje, estão relacionados a esse ataque ocorrido em 25 de dezembro. A ideia é causar o maior prejuízo para essas facções que estiverem envolvidas em homicídios — diz o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
Barbeiro está entre as vítimas
Foi perto de onde aconteceu o ataque que lhe tirou a vida que Liedson Lemos Padilha começou a cortar cabelo em casa, aos 14 anos. Depois, abriu um salão nos fundos da moradia, no pátio, numa peça improvisada. Havia cerca de quatro anos que os pais tinham lhe auxiliado a abrir a barbearia na Rua Ursa Maior. Em 23 de dezembro, o jovem trabalhou a noite toda e adentrou a madrugada, atendendo até as 4 horas.
— Era um exemplo para a gurizada. Nunca fez curso, aprendeu tudo sozinho. Não pedi para ele trabalhar, mas tinha esse dom. Era algo dele. Tudo que conseguiu foi adquirido com o suor dele. Comprou moto, celular, montou o quarto dele. Única coisa que ajudei foi com o salão — descreve o pai, Gilmar dos Santos Padilha, 47 anos.

Já Luiz William era cuidador de um idoso havia cerca de dois anos, e mantinha uma rotina tranquila, segundo a família. Quando retornava do trabalho, costumava ficar em casa, no celular e no computador, com a namorada. Ela estava com ele durante o tiroteio, mas não se feriu.
Naquela noite, Luiz William havia regressado do shopping há pouco e parado para tomar um refrigerante com a namorada, o irmão mais novo, de 20 anos, e os vizinhos.
— Foi questão de segundos. A tragédia poderia ter sido maior. Poderia ter perdido meus dois filhos, minhas noras — resigna-se a mãe, Maristela de Almeida Valença, 46 anos.
Após a perda dos jovens, moradores da Vila Pedreira se reuniram em protesto. Além dos grafites, estenderam faixas na rua, pedindo justiça. Cartazes foram fixados em frente à barbearia de Liedson.
Troca de lado

Segundo a polícia, em dezembro do ano passado integrantes de uma facção criminosa, da Zona Sul migraram para a outra facção, da Zona Leste. Entre eles, está um investigado, que teria conhecimento sobre a rotina da antiga facção que integrava. Essas informações passaram a ser usadas para efetivar os ataques, na tentativa de tomar o território dos inimigos. O caso ocorrido no Natal é um dos que se deu neste contexto.
Além dele, há outro episódio considerado como grave pela polícia, no qual, em janeiro deste ano, uma mulher foi sequestrada, torturada, vítima de violência sexual e mantida em cativeiro. Ela teria sido obrigada a fazer contato com um integrante da facção da Zona Leste, para que ele fosse atraído até o bairro Santa Tereza, na Zona Sul, onde acabou executado a tiros.
— Esses dois casos cada um foi cometido por uma das facções envolvidas nesse conflito — afirma a delegada Marcela.
“Ele continua com medo”, diz mãe de menino baleado
O menino segue com as balas alojadas no corpo. Dois disparos atingiram o braço direito da criança, um o ombro esquerdo e outro o pé direito. A bala alojada no ombro esquerdo é a mais visível.
A família aguarda para realizar uma consulta com psiquiatra, devido aos traumas que a criança ainda apresenta. O garoto se assusta sempre que um veículo se aproxima.
— Ele continua com medo. Fala o tempo todo em bandido. Ele está indo a escolinha, mas está muito agitado — descreve a mãe.
A mulher, de 34 anos, que trabalha como segurança num shopping da Capital, fazia escala de 12 horas no dia do Natal. Quando atendeu ao telefone, escutou da mãe que o filho havia se machucado. Alguém, ao lado da avó do garoto, deixou escapar a palavra "baleado".
— Quando ouvi, saí desesperada. É meu único filho.
Ao chegar ao Postão da Cruzeiro, a mãe descobriu que o menino tinha sido atingido por quatro tiros. Todas as balas ficaram alojadas dentro do corpo da criança. A equipe médica concluiu que era melhor não remover os projéteis — a mãe pretende buscar uma segunda opinião.
Após esse ataque, outros tiroteios foram registrados na comunidade – os conflitos seriam resultado das disputas pelo tráfico entre os dois grupos que são alvo da operação desta quinta-feira. Assustada, a mãe chegou a deixar o filho na casa do pai, fora do bairro.
— A comunidade vive com medo. São pessoas trabalhadoras — diz a mãe.
Na Rua Ursa Maior, moradores criaram um painel em grafite, em homenagem aos jovens assassinados. Num muro perto dali, está a frase “essa guerra não é nossa”.
A operação

Durante a operação desta quinta-feira, foram cumpridos 17 mandados de prisão preventiva na Capital, em Alvorada e Charqueadas. Ao menos, 11 pessoas foram presas na ação, que contou com cerca de 160 policiais civis, militares e penais.
— A Brigada Militar segue com efetivo presente nessas áreas onde aconteceram esses conflitos, fazendo a saturação dessas regiões, tanto na Zona Leste, como na Zona Sul. Essa ação como a de hoje é muito importante para que possamos enfrentar esses grupos criminosos — diz o coronel Fabio Schmitt, comandante do Comando de Policiamento da Capital.
Dissuasão focada
O protocolo, aplicado na Capital há cerca de dois anos no combate aos homicídios, tem como base a dissuasão focada. Essa teoria, implementada inicialmente nos Estados Unidos, tem como uma das premissas fazer as ordens de execuções nas ruas, muitas vezes vindas de dentro das prisões, cessarem.
Para isso, é preciso que as lideranças estejam cientes das penalidades que sofrerão caso os crimes continuem acontecendo. A técnica foi criada por David Kennedy, professor de Criminologia da Universidade de Nova York. Há 25 anos, o criminologista desenvolveu com colegas a Operação Cessar Fogo, em Boston, que levou à queda dos homicídios por lá.
As sete medidas
- Saturação da área do crime
- Ações pontuais e responsabilização das lideranças por crimes
- Operações especiais e de lavagem de dinheiro
- Revistas em casas prisionais
- Responsabilização de lideranças por homicídios
- Transferências de líderes para penitenciárias estaduais
- Transferências de líderes para penitenciárias federais