
Ao longo dos últimos seis anos o Rio Grande do Sul apresenta queda nos principais indicadores de criminalidade. Homicídios, latrocínios (roubos com morte), assaltos de maneira geral e roubos de veículos têm apresentado redução gradativa. Os feminicídios, que são as mortes de mulheres em contexto de gênero, ainda que tenham apresentado períodos de oscilação, no comparativo desde 2019 também reduziram.
Para o governo do Estado, essa queda é atribuída principalmente a um programa de segurança pública, implementado em fevereiro de 2019. Inicialmente, 18 municípios (número depois ampliado) foram selecionados pelo governo para receber ações prioritárias de enfrentamento à violência. Isso porque essas cidades representavam juntas a maior parte dos crimes violentos registrados em território gaúcho. Desde então, uma série de medidas foi adotada para tentar conter a criminalidade nessas áreas.
Os resultados dessas ações foram apresentados nesta quinta-feira (13), no Palácio Piratini. Um dos pontos destacados é o fato de que o Rio Grande do Sul atingiu no ano passado os menores números de criminalidade na série histórica iniciada em 2010.
— O RS Seguro deu certo, mas fomos além. Entendemos que segurança envolve mais que policiamento ostensivo e bem equipado, inclui também ações de prevenção e a qualificação do sistema prisional, áreas antes negligenciadas, mas essenciais. Os resultados atestam que estamos no caminho certo. O diagnóstico preciso, as decisões acertadas e os investimentos históricos tornaram o Estado mais seguro — afirmou o governador Eduardo Leite.

Estatísticas e estratégia
Uma das principais mudanças trazidas pelo RS Seguro foi passar a tratar os dados estatísticos como essenciais para compreender a realidade de cada local e definir ações de controle da criminalidade.
O mapeamento e a análise dos dados se tornaram rotina entre as forças de segurança. Para isso, foi implementada uma plataforma chamada de Gestão Estatística em Segurança Pública (GESeg). Por meio dela, é possível mapear pontos de calor, por exemplo, com maior incidência de criminalidade.
— Levamos 18 meses para desenvolver essa plataforma. Ela é intuitiva. Temos os dados do dia anterior. Ela permite analisar se há elevação ou queda em qualquer um dos indicadores — explica o secretário executivo do RS Seguro, delegado Antônio Padilha.
— Toda ação operacional, seja de polícia ostensiva e preventiva, seja uma investigação da Polícia Civil, é definida com base nos indicadores. Eles nos dão o caminho e um diagnóstico preventivo. Em nível operacional, trabalhamos com grandes objetivos. O primeiro deles é o combate aos homicídios, que se faz através de uma repressão ao crime organizado. Segundo ponto, no mesmo nível de importância, é o combate aos crimes contra o patrimônio — complementa o secretário de Segurança Pública do RS, Sandro Caron.
Outra aposta foi incentivar e criar espaço para que a integração entre as polícias acontecesse de forma mais efetiva, não só na teoria. Para isso, são realizadas reuniões regulares entre as forças de segurança, nas quais são apresentados os resultados obtidos.
Região Metropolitana
A queda dos indicadores de criminalidade na Região Metropolitana, que se iniciou ainda em 2019 e seguiu nos outros anos, passou a puxar a redução em todo o Estado. Para alguns municípios, houve uma mudança de realidade.
É o caso de Alvorada, por exemplo, que já chegou a ser apontada como a sexta cidade mais violenta do país. O município chegou a ter 210 homicídios no ano de 2017, considerado o de pico da criminalidade no Estado. Em 2024, o município encerrou o ano com 35 vítimas de assassinato.
Outras três cidades da Grande Porto Alegre, que já estiveram entre as consideradas mais violentas, e foram elencadas no RS Seguro, alcançaram no ano passado um marco de segurança. São Leopoldo, Novo Hamburgo e Gravataí encerraram 2024 com taxas de assassinatos inferiores a 10 homicídios para cada 100 mil habitantes. Isso significa que essas três cidades apresentaram uma média anual abaixo daquilo que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera como epidêmica.
Alcançar essa taxa em todo o Estado é um dos objetivos da segurança daqui para a frente. Em 2024, o RS encerrou o ano com 15,5 homicídios para cada 100 mil habitantes — em 2023 estava em 18,5. No comparativo com 2017, período de ápice dos crimes violentos, a redução da taxa foi ainda maior: era de 31,5.
Roubos
Nos seis anos do programa, além dos homicídios, latrocínios e feminicídios, os chamados crimes patrimoniais também apresentaram redução. Um deles é o roubo de veículo, que teve queda acentuada.
No ano de pico, em 2017, o RS chegou a ter 17.859 roubos de veículo, numa média de 49 por dia. Em 2019, primeiro ano do programa, eram 11.127 casos, enquanto em 2024 esse crime fechou em 2.286 registros.
— Neste período, 61 mil veículos deixaram de ser roubados no Estado. Caiu de 49 para seis a média por dia no Estado — afirmou Leite.
"É um grande modelo", diz especialista
Especialistas de diferentes Estados acompanharam a apresentação dos resultados nesta quinta. Entre eles, está o procurador-geral de Justiça à frente do Ministério Público de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, que considera a iniciativa eficiente no combate aos crimes cometidos pelas organizações criminosas.
— É muito comum as pessoas dizerem que não é mais possível se tolerar o crime organizado, que é preciso fazer alguma coisa. E de maneira muito sofisticada vocês estão conseguindo mostrar que podemos ser mais organizados do que o crime organizado. Vários países já passaram pelo que o Brasil está passando. E esses países começaram a sair disso a partir de experiências como essa — analisou.
— É um grande modelo que pode funcionar com a segurança pública no Brasil. Aqui a gente tem um grande laboratório, baseado nas experiências, do que funciona, e a gente precisa jogar a luz nesse mesmo momento, no debate de segurança pública, a partir do que acontece aqui no RS — complementou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Consultor em Segurança Cidadã no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o gaúcho Alberto Kopittke considera que a estratégia marca uma mudança de paradigma na segurança pública do Estado:
— Se mudou a visão da segurança pública e se passou a trabalhar com estratégias. É uma grande virada, colocando a vida como prioridade. Vivemos uma era mais antiga em que homicídio era deixado para depois. “Eles estão se matando entre eles, isso é consequência”. E o programa priorizou a vida e, a partir dessa priorização, estruturou a queda de todos os indicadores. Tenho viajado pelo Banco Interamericano pelo continente e creio que temos aqui, se não a melhor, uma das melhores experiências que há hoje na América Latina em redução da violência.
Quatro eixos
O RS Seguro tem atuação dividida em quatro eixos. O eixo 1 é voltado para o combate ao crime, fortalecendo a repressão a homicídios, combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado, além da modernização da perícia.
O eixo 2 traz políticas preventivas, concentrando esforços nos territórios e escolas mais vulneráveis no Estado. Neste eixo, foi criado, em 2023, o RS Seguro COMunidade, que abrange 44 territórios, em oito municípios.
A qualificação do atendimento ao cidadão e a valorização profissional são o foco do eixo 3. Já o eixo 4 tem como foco o sistema prisional.
Medidas adotadas com o RS Seguro
- Integração entre órgãos da segurança
- Mapeamento e análise de dados de onde acontecem os crimes
- Isolamento de lideranças de facções criminosas
- Reuniões regulares para avaliar desempenho e traçar soluções
- Reforço no efetivo e equipamentos
Cenário na Capital
Porto Alegre encerrou o ano de 2018, o último antes da implementação do programa no Estado, com 546 homicídios. Desde então, o número de assassinatos na Capital vem reduzindo. No ano passado, a cidade permaneceu seis meses abaixo do índice ONU para homicídios. Em 2024, 163 pessoas foram vítimas desse tipo de crime em Porto Alegre, que teve uma taxa e 12 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Além das ações do programa RS Seguro, na Capital foi adotada outra medida ao longo dos últimos dois anos, somando-se ao que já vinha sendo implementado. Capitaneado pelo DHPP, um protocolo de enfrentamento aos homicídios cometidos pelo crime organizado passou a ser aplicado em Porto Alegre e Região Metropolitana. A mesma medida foi adotada pelo governo do Estado em novembro do ano passado, para ser replicada em outras cidades gaúchas.
Essa estratégia, baseada na teoria da dissuasão focada, segue uma escala de medidas, que se inicia com a saturação da área onde ocorre o crime, que é realizada por meio da presença policial, as operações policiais voltadas àqueles grupos que estão por trás das execuções, com investigações direcionadas aos assassinatos e também crimes conexos, como a lavagem de dinheiro, e a responsabilização dos mandantes e lideranças.
— Neste mês (fevereiro de 2025), em Porto Alegre, com a aplicação do protocolo nos últimos dois anos, tivemos nova redução de cerca de 20% dos homicídios. Se mantivermos os números nos próximos meses, temos uma grande possibilidade de atingir ou chegar muito próximo aos 10 homicídios para 100 mil habitantes, que é o índice ONU. Essa atuação é realizada sempre em conjunto entre as forças de segurança — disse o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
À frente do Comando de Policiamento da Capital (CPC), o coronel Fabio Schmitt destaca as chamadas operações de saturação, realizadas sempre que ocorre algum homicídio pelo crime organizado. É uma forma de tentar evitar retaliações entre os grupos criminosos envolvidos e também causar prejuízo ao tráfico.
— Essa medida de saturação, de pressão operacional, é a primeira da dissuasão focada — afirma o comandante.
Queda em fevereiro
Também foram apresentados os dados relativos ao mês de fevereiro, quando houve novamente, segundo o governo do Estado, redução nos homicídios, feminicídios e crimes patrimoniais.
Nos assassinatos, a queda foi de 48%. Enquanto em 2024 o mês de fevereiro teve 155 vítimas de homicídios, neste ano foram 80 vítimas. A dissuasão focada é apontada como um dos fatores que contribuiu para a redução desse indicador, que já vinha em queda.
Outro índice que apresentou redução em fevereiro é o do número de feminicídios. Esse tipo de crime teve queda de 43%, passando de sete casos em 2024 para quatro no segundo mês deste ano.
Nos crimes contra o patrimônio, os roubos a pedestres tiveram retração de 40%, passando de quase 1,5 mil casos em fevereiro de 2024 para 901 neste ano. Nos roubos de veículos, a queda foi de 24%. No segundo mês do ano passado foram registrados 260 crimes do tipo, enquanto em fevereiro deste ano foram 197.
Protocolo de sete ações
- Saturação da área do crime
- Ações pontuais e responsabilização das lideranças por crimes
- Operações especiais e de lavagem de dinheiro
- Revistas em casas prisionais
- Responsabilização de lideranças por homicídios
- Transferências de líderes para penitenciárias estaduais
- Transferências de líderes para penitenciárias federais
Convênio com a Saúde
Durante o ato desta quinta-feira (13) no Piratini, foi assinado um acordo de cooperação entre o governo do Estado, por meio do RS Seguro, a Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Civil, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) e a Secretaria da Saúde para qualificar os dados de mortes violentas.
O objetivo é aprimorar a integração entre os órgãos e reduzir o número de cadastros de óbitos sem causa identificada, garantindo que todas as mortes violentas sejam corretamente registradas e analisadas.
O convênio também prevê melhorias na qualidade das bases de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Sistema de Polícia Judiciária (SPJ) e dos registros do IGP, aumentando a transparência das estatísticas e acelerando os processos de investigação.