
O médico João Batista do Couto Neto, cirurgião réu pelos homicídios de três pacientes e investigado por envolvimento na morte de outros 39 em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana, falou em audiência à Justiça na manhã desta quarta-feira (12). Ele ainda responde por lesões causadas em 114 pessoas que passaram por procedimentos realizados em seu consultório.
Questionado pela reportagem da RBSTV quando chegava ao fórum de Novo Hamburgo sobre o que tinha a dizer para as famílias das vítimas, respondeu: "depende do que nós consideramos vítimas".
— São pessoas que tinham doenças, tinham patologias, e que acabaram falecendo. É o ônus da profissão médica, em que nós não conseguimos salvar 100% das pessoas — disse.
Sobre o número alto de pessoas que morreram ou sofreram lesões após procedimentos que teriam sido realizados por ele, respondeu que "os números são altos porque eu tinha números altos (de atendimentos). Se nós formos considerar (a proporção entre atendimentos e óbitos ou lesionados), percentualmente, os números são baixos".
João Couto negou ter sido negligente durante as cirurgias e que, em depoimento à Justiça, falaria "a verdade".
— Eu estou aqui para provar isso com os documentos — afirmou.
Relembre o caso
Pacientes e pessoas que trabalhavam com João Couto contam que o médico chegava a realizar quase 30 cirurgias em uma manhã, que fazia procedimentos que não eram necessários e até a dar um diagnóstico falso de câncer raro. Ele é réu em três processos por homicídio doloso, quando há intenção ou se assume o risco de matar.
Ele chegou a ser preso pela primeira vez em dezembro de 2023 no interior paulista, depois de conseguir registro do Conselho Regional de Medicina em São Paulo. Ele foi solto, mas voltou à prisão em 2024 por descumprir medidas cautelares impostas pela Justiça.
No fim de 2024, foi solto novamente após a Justiça conceder um habeas corpus a ele. Desde então, responde ao processo em liberdade desde que respeite as seguintes medidas cautelares:
- Suspensão integral do exercício da medicina até posterior deliberação judicial
- A impossibilidade de se ausentar da Comarca de Novo Hamburgo sem prévia autorização judicial
- A necessidade de comparecimento a todos os atos processuais a que for intimado pelo juízo
- A proibição de contato pessoal, virtual, direto ou indireto, com as supostas vítimas, familiares das supostas vítimas, testemunhas do processo e pacientes
- Não frequentar estabelecimentos médicos de qualquer natureza, salvo na condição de paciente
Audiência com familiares de vítimas
No início de outubro, testemunhas começaram a ser ouvidas pela Justiça. As audiências fazem parte da fase inicial do processo.
Uma das testemunhas foi Cristina Costa Kirch. A mãe dela, Núbia, de 70 anos, morreu em 2021 após complicações na cirurgia para retirar pedras na vesícula, segundo a família. Ela preferiu falar por vídeo, para não ter que ver o médico presencialmente.
— A maior dor da gente é que quando a gente fazia as perguntas ele dizia que estava tudo bem. Como eu disse hoje no meu depoimento, eu às vezes me condeno, como que eu não vi antes o que estava acontecendo? — lamentou.
Os irmãos Carlos Diego e Aline Cristina de Oliveira perderam o pai, Ruben. O homem de 68 anos não resistiu às complicações que surgiram após uma cirurgia que teria sido realizada por Couto Neto, segundo a família.
O advogado que representa a família de uma das vítimas disse que o caso pode ser levado ao julgamento popular. A decisão de realizar um júri cabe ao juiz.
— Nós estamos colhendo provas que foram já feitas na fase investigatória, estão sendo repassadas novamente aqui na instrução. E, ao final, nós acreditamos que o juiz vá pronunciar o réu para o júri — afirma o advogado Thiago Dutra.
Relatos de ex-pacientes
"Engoliu palito de dente"
Um paciente de 52 anos, que prefere não ser identificado, afirma que um pequeno desconforto no umbigo o levou ao consultório de João Couto Neto em um hospital em Novo Hamburgo. O tratamento de hérnia umbilical teve o acréscimo de uma retirada de pedra na vesícula. O homem foi liberado no mesmo dia. No entanto, em casa, ele disse que a recuperação foi um dos piores momentos da sua vida.
— Eu passei muito mal, uns dois dias, muito mal. Era vômito, vômito. Dor, muita dor. Dor que eu não desejo pra ninguém — afirmou.
Ele voltou ao hospital e foi submetido a uma nova cirurgia pelo médico. A companheira do paciente desconfiou da justificativa dada por Couto. O cirurgião teria sugerido que um palito de dente engolido poderia ter causado a lesão.
— Me perguntou se ele tinha o hábito de mastigar palito de dente, que ele poderia ter engolido um palito e ter furado. Eu disse que ele não tinha esse hábito — contou.
Foi então que eles decidiram mudar de médico e de hospital.
— Eu me desesperei, perdi a total confiança, até porque eu já ouvia de funcionários lá dentro me incentivando a trocar, porque a fama dele dentro do hospital não era boa — disse a companheira do paciente.
"Câncer muito raro"
A motorista Simone Ferreira Campos afirma que foi operada há 11 anos pelo médico para retirar um nódulo no intestino.
— Retirou do meu intestino, segundo ele me falou quando eu voltei da anestesia, 10 centímetros para cima do nódulo e 10 centímetros para baixo do nódulo do meu intestino, pois eu teria um câncer muito raro que ele não saberia como tratar — contou.
No entanto, após uma biópsia, foi comprovado que a paciente não tinha câncer.
— Veio como endometriose. Então, não tinha nenhum tipo de câncer, nenhum problema do meu intestino — completou.
Quase 30 cirurgias por manhã
Uma técnica de enfermagem que trabalhou no mesmo hospital que João Couto diz que o número de cirurgias diárias que o médico fazia chamava a atenção da equipe.
— Ele fez em uma manhã 27 cirurgias, uma manhã só. Não é possível, porque teria que ficar parado esperando um paciente atrás do outro na mesma mesa. Não tem como, até porque a aparelhagem não é suficiente para isso, a instrumentação não é suficiente para isso — declarou a profissional, que prefere não ser identificada.