O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) sustenta que as gêmeas encontradas mortas em Igrejinha, no Vale do Paranhana, foram vítimas de "sufocamento". Nesta quinta-feira (6), g1 e a RBS TV tiveram acesso, com exclusividade, aos documentos analisados pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), que não identificaram veneno nos restos mortais das irmãs. A mãe das crianças, Gisele Beatriz Dias, é ré e está presa preventivamente.
Em nota enviada à RBS TV, o promotor de Justiça Marcelo Tubino, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Júri (CaoJúri), afirma que segue convencido de que o crime foi cometido pela mãe das meninas.
"Tal qual já antes afirmado, o MP está convencido da autoria. O sufocamento sempre foi linha investigativa considerada e descrita na denúncia", afirma.
A nota segue indicando que "a busca por prova cabal de envenenamento se deu muito em função das pesquisas no celular da ré, que buscou informações de várias substâncias e formas de causar a morte, vindo a consolidar o intento premeditado".
Por fim, diz que "o simples fato de ser a última pessoa a estar com as vítimas, em ambiente trancado, sendo descartada morte natural pela perícia, que ventila sufocamento mediante objeto macio são razões suficientes na visão do MP da autoria".
Perícia não identifica veneno
RBS TV e g1 tiveram acesso aos laudos do IGP relacionados às mortes das gêmeas. Foram testadas mais de cem substâncias químicas no sangue e restos mortais das vítimas — como rins, pulmões e cérebro. Os exames foram feitos para tentar identificar a presença de medicamentos sedativos, pesticidas e venenos, como o arsênio. Todos deram negativo.
A única substância encontrada foi formol, mas os peritos anotam que é comum o uso para o armazenamento de cadáveres e não há relação com as mortes. As diligências foram cumpridas a pedido da Polícia Civil, que tinha a hipótese de envenenamento como principal suspeita das duas mortes.
Na denúncia, o órgão apontou veneno, remédio ou sufocamento por objeto macio como hipóteses para as causas das mortes, e reforça a "inexistência de causas naturais".
De acordo com o laudo pericial, Antônia Pereira e Manuela Pereira, de seis anos, tiveram mortes de "causa indeterminada". Os profissionais realizaram análise toxicológica em sangue e em material biológico, coleta de material papiloscópico, pesquisa de álcool, sêmen e venenos, além de exames histopatológicos – de células ou tecidos.
"O conjunto de dados não permite à presente perícia estabelecer a causa mortis", pontuam os peritos sobre o caso de Antonia.
As análises realizadas nos restos mortais de Manuela Pereira após a exumação do corpo apontaram que as pesquisas de psicotrópicos e de veneno foram negativas. Um primeiro laudo, antes da realização do procedimento, indicava que a causa da morte teria sido insuficiência respiratória.
"Do examinado e exposto, conclui-se que, devido ao estado de putrefação do corpo, não há elementos para afirmar ou negar a existência de patologias que possam ter causado o óbito. A causa da morte resta indeterminada", diz trecho do documento.
Gisele Beatriz Dias, mãe das gêmeas, virou ré na Justiça e é acusada de assassinato das filhas. A denúncia do Ministério Público foi aceita pela 1ª Vara de Igrejinha no dia 16 de janeiro.
O MPRS reafirmou nesta quinta-feira (6) que "mantém a mesma convicção (de responsabilidade de Gisele sobre as mortes), ainda que os laudos não tenham conseguido confirmar qual substância eventualmente foi utilizada"(leia a íntegra ao final da reportagem).
O advogado José Paulo Schneider, que representa a ré, sustenta que "sem prova do envenenamento, com uma necropsia que não afasta causas naturais, esse processo deve ser trancado e a minha cliente imediatamente solta". (leia a íntegra ao final da reportagem)
Análise em computadores, celulares e na casa
O trabalho de investigação do caso também incluiu a análise de computadores, celulares e chips, e da casa onde moravam as gêmeas. Os peritos tiveram algumas conclusões:
- HD, SSD e Pendrive: "No material periciado não foram encontradas evidências digitais relacionadas ao caso em tela";
- Celulares, chips e cartão de memória: "Conforme resultados dos exames, não foram localizadas pesquisas nem conversas relacionadas com envenenamentos. Existem algumas pesquisas e conversas relacionadas com os termos de interesse identificados no ofício, cujos trechos foram transcritos no corpo deste laudo, mas nenhuma delas aparenta ter relação com o fato investigado";
- Casa: "Não foram constatados vestígios de violência às vias de acesso, tampouco rupturas, desordem ou desalinhos significativos de coisas e/ou objetos, característicos de luta intensa ou de busca intensa no local".
Denúncia do Ministério Público
A denúncia coloca Gisele como única responsável por um duplo feminicídio, que geralmente é categorizado assim em crimes no contexto de relacionamentos afetivos. A ré responde, também, por meio cruel, outra qualificadora que aumenta a pena em caso de condenação.
Para a promotoria, os assassinatos "foram praticados contra mulher, por razões e condições do sexo feminino, em situação de violência doméstica e familiar, por ascendente contra descendentes, e, ainda, contra menores de 14 anos de idade".
Provas da polícia
O inquérito que apurou o caso das gêmeas traz como um dos indícios um relatório de buscas enviado pelo Google à polícia após determinação judicial. A investigação foi concluída em 10 de dezembro. Ele indica que a mãe das meninas fez buscas para descobrir se "veneno de rato é capaz de matar um ser humano".
As pesquisas, segundo o inquérito, teriam sido feitas nos dias 10, 11 e 12 de janeiro de 2024 e depois apagadas do celular. As gêmeas foram encontradas mortas em 7 e 15 de outubro do mesmo ano.
O sumiço repentino do registro de uma câmera de segurança que registrava o movimento da casa também é elencado como comportamento suspeito da mulher. Segundo o inquérito, Gisele disse ao marido que, dias antes da morte da primeira menina, um bandido furtou da casa dinheiro, devolveu no dia seguinte, mas levou consigo o cartão de memória que guardava as imagens.
O delegado entendeu que isso foi "uma conveniente maneira de Gisele não ter suas ações filmadas no local enquanto seu marido trabalhava fora nos dias imediatamente anteriores à morte de Manuela".
Relembre o caso
Manuela Pereira foi encontrada desacordada em casa, onde estava com a mãe, em 7 de outubro. Ela foi levada para o hospital, onde já chegou morta. A suspeita inicial era de infarto.
Oito dias depois, em 15 de outubro, Antônia Pereira foi encontrada também desacordada em sua cama, onde antes estava dormindo. O Corpo de Bombeiros atestou o óbito no local.
A partir do segundo caso, a polícia suspeitou do comportamento da mãe. Os indícios foram reforçados após um médico relatar que ela falou ter "ideias perversas" em relação às filhas durante o período em que esteve internada na ala psiquiátrica para tratamento de um quadro de depressão profunda, semanas antes das mortes.
O depoimento do profissional de saúde levou a polícia a pedir a prisão temporária da mãe, que foi detida enquanto prestava depoimento em 15 de outubro. Gisele segue presa, agora preventivamente.
Além do médico, o depoimento da filha mais velha de Gisele, irmã das gêmeas, também reforçou as suspeitas da polícia. Ela disse que a mãe seria "plenamente capaz" de matar as irmãs.
Nota da defesa de Gisele
"A defesa técnica da acusada, por ocasião da juntada dos laudos realizados pelo IGP, vem a público manifestar o que segue:
Os diversos laudos juntados pelo IGP confirmam aquilo que a defesa tem dito desde o início: não há qualquer elemento científico que comprove a hipótese de morte por envenenamento ou intoxicação.
Que fique claro, o laudos do IGP afastam essa hipótese.
Foram testadas centenas de substâncias e absolutamente nada foi encontrado no sangue das meninas. Ou seja, elas não foram envenenadas e tampouco intoxicadas.
Todavia, o MP segue afirmando que as meninas foram intoxicadas ou envenenadas. O que o MP está fazendo é brigar com a ciência.
Em relação a Antônia, aliás, a necropsia, anexada só agora, afasta a morte por hemorragia pulmonar e não descarta que tenha sido decorrente de causas naturais. Trata-se de uma prova técnica que rechaça completamente a absurda afirmação contida na denúncia do MP de que as causas das mortes da Manuela e da Antônia foram em circunstâncias idênticas.
Insiste-se a necropsia da Antônia afasta completamente a narrativaacusatória. E, mesmo assim, a minha cliente está presa, sem qualquer prova de que as meninas tenha sido assasinadas.
Passou da hora de os agentes públicos tratarem o caso com responsabilidade e aplicarem a lei.
Sem prova do envenenamento, com uma necropsia que não asfata causas naturais, o processo deve ser trancado e a minha cliente imediatamente solta.
Além disso, é fundamental que o delegado de polícia explique por qual razão indiciou minha cliente e enviou o inquérito à justiça sem a necropsia da Antônia, que foi feita ainda no dia da morte.
Esse documento, que afasta por completo as teses esdrúxulas defendidas por ele e pelo promotor de justiça, está pronto desde o dia da morte e foi juntado só agora. Por quê?
Consigna-se, por fim, que está na hora de a lei, a ciência e a medicina serem levadas a sério. Esta defesa não medirá esforços para que isso ocorra e que as eventuais arbitrariedades e ilegalidades cometidas contra Gisele sejam apuradas e responsabilizadas."
Nota do MPRS
"O Ministério Público do Rio Grande do Sul mantém a mesma convicção, ainda que os laudos não tenham conseguido confirmar qual substância eventualmente foi utilizada.
As razões de fato e de direito constam perfeitamente explicitadas na denúncia, que contém uma série de outros elementos veemente e fortemente comprobatórios das mortes violentas, dolosa e intencionalmente provocadas. Para o MPRS não há dúvidas da prática criminosa".