Mais uma vez o Rio Grande do Sul encerrou o ano com queda nos principais indicadores de criminalidade. Considerado o mais seguro da história, 2023 já havia registrado o menor total de mortos em crimes violentos desde 2010 — quando os dados foram revisados. No comparativo com o ano passado, 2024 manteve a redução, superando a marca histórica. Os indicadores foram divulgados pelo governo do Estado em coletiva à imprensa nessa sexta-feira (17).
Ainda que o cenário seja positivo, o próprio governador Eduardo Leite reconheceu que o Estado mantém gargalos que precisam ser enfrentados na segurança pública, onde também se busca alcançar os mesmos resultados percebidos nos últimos anos nos crimes violentos.
— Esses dados demonstram que estamos no caminho certo. A gente quer avançar ainda mais na segurança, em áreas onde ainda existem fragilidades — disse o governador.
Focar nas cidades que concentravam a maior parte dos crimes foi a aposta do programa RS Seguro, lançado pelo governo do Estado em fevereiro de 2019. Em razão disso, 18 municípios foram selecionados para receberem ações prioritárias de combate à criminalidade — esse número foi ampliado mais tarde para 23. Isso, somado a outras medidas, deu resultado em indicadores como os assassinatos e roubos de maneira geral, entre eles o de veículos.
Boa parte da redução de homicídios, latrocínios (roubos com morte) e roubos de veículos alcançada nos últimos anos é puxada por esse enfrentamento do crime nos municípios considerados até então como os mais violentos do Estado. Na Capital, por exemplo, no período do ápice da criminalidade violenta, em 2015, eram roubados 25 carros por dia. Essa média caiu para dois por dia no ano passado, segundo os dados divulgados.
Nos homicídios, até 2018, por exemplo, a Grande Porto Alegre representava cerca de metade dos casos registrados no RS. Esse foi o motivo que colocou esses municípios no centro de ações de combate à criminalidade. Nos últimos anos, enquanto os indicadores de mortes violentas despencaram no Estado, a fatia de assassinatos na Região Metropolitana encolheu, ficando em cerca de 30%.
No fim do ano passado, como forma de tentar repetir a fórmula aplicada na Região Metropolitana, o governo anunciou a expansão de um protocolo de combate aos homicídios praticados pelo crime organizado a todo território gaúcho. Colocar essa medida em prática é um dos desafios atuais da segurança pública no RS.
Zero Hora elencou esse e outros pontos que ainda precisam ser enfrentados pelo governo do Estado na área da segurança pública. Confira:
Mortes no Interior
Quando se recorta os 25 municípios gaúchos com maior número de homicídios registrados em 2024, percebe-se que cidades do Interior, como Bento Gonçalves, Pelotas, Capão da Canoa, Santa Cruz do Sul, Santa Rosa, Bagé e Santa Maria estão nesta lista e andam na contramão do Estado, apresentando aumento dos casos.
Por outro lado, cidades da Grande Porto Alegre, como Canoas, Viamão, Alvorada, Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul e São Leopoldo, que historicamente tinham indicadores elevados, vêm apresentando redução e ajudam a manter os números do RS em baixa.
Na Região Central, Santa Maria, por exemplo, em 2024 ficou na terceira posição entre os municípios que mais registraram homicídios no Estado. A cidade teve aumento de 54 para 62 vítimas de assassinato. Neste início de ano, Santa Maria voltou a demandar a atenção da segurança pública. Cinco homicídios foram registrados nos primeiros dias de janeiro, o que levou a Polícia Civil e a Brigada Militar a desencadear uma série de ações. Um dos focos é o combate às facções criminosas, que disputam o tráfico de drogas no município.
Bento Gonçalves também ganhou a atenção das forças de segurança neste começo de ano. A cidade da Serra registrou três homicídios nos primeiros cinco dias de janeiro. Operações vêm sendo realizadas na Serra, com intuito especialmente de apreender armas e drogas.
Uma das apostas do governo do Estado é conseguir colocar em prática um protocolo de medidas que prevê o combate aos homicídios pelo crime organizado. A mesma estratégia foi usada nos últimos dois anos em Porto Alegre e na Região Metropolitana. Um comitê foi montado no fim do ano passado para buscar expandir as ações para outras cidades.
— Por meio desse programa de dissuasão focada, que é baseado nas melhores práticas, buscamos fechar o cerco contra o crime organizado, identificando com clareza os líderes e facções, e tendo tratamento diferenciado para essas lideranças — afirmou o governador.
Feminicídios
Entre os crimes que o governo reconhece como de solução complexa estão os assassinatos de mulheres em contexto de gênero, os feminicídios. Em 2024, o Estado conseguiu encerrar o ano com queda de 15% no indicador — de 85 para 72. No entanto, nos primeiros dias de janeiro uma série de casos já foi registrada no Rio Grande do Sul.
Num dos casos, Keslem Mordini Menger, 19 anos, e o pai dela, Adilson Menger, 52, foram assassinados a tiros em Porto Alegre. Em Imbé, no Litoral Norte, Mirnes Aparecida de Lima Martins, 31, teve a vida interrompida a golpes de faca quatro horas após procurar a polícia e pedir uma medida protetiva. O suspeito é o companheiro dela, um homem de 34 anos, que está preso preventivamente.
Na noite de quinta-feira (16), outra mulher foi encontrada morta, na área rural de Frederico Westphalen, no norte do Estado. A vítima de 35 anos apresentava sinais de violência e o caso também é tratado como feminicídio.
Uma das apostas do governo é melhorar as estratégias junto à área da saúde, que muitas vezes é porta de entrada de casos de violência doméstica. Segundo o secretário de segurança do RS, Sandro Caron, foi realizada nesta sexta-feira uma reunião com a Secretaria de Saúde para buscar criar um protocolo contra o feminicídio e a violência doméstica.
— O crime mais difícil de reduzir é o que ocorre dentro dos lares. No caso da violência contra a mulher, uma das dificuldades é que, quando não é denunciado, muitas vezes a segurança só toma conhecimento quando há evoluiu para uma tragédia. Já temos medidas como o monitoramento eletrônico dos agressores, que ajuda a fiscalizar as medidas, mas esse tipo de crime requer uma estratégia específica — disse o secretário.
Sistema prisional
O sistema carcerário historicamente é um gargalo para governos a nível estadual ou nacional. O domínio das facções criminosas dentro das prisões é um dos pontos que segue carente de enfrentamento. Um dos casos que gerou crise no sistema penitenciário gaúcho aconteceu em novembro do ano passado, quando um preso foi morto a tiros dentro de uma cela da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) 3 por criminosos rivais, que dividiam a mesma galeria.
O caso expôs um dilema envolvendo o Complexo Prisional de Canoas, que foi criado com intuito de se manter livre do domínio das facções. Além disso, uma das suspeitas é de que a pistola usada no crime tenha ingressado na prisão por meio de um drone, evidenciando as fragilidades da unidade prisional.
Com intuito de melhorar o isolamento de lideranças, no fim do ano, o governo do Estado anunciou a inauguração de um módulo de segurança, com 76 vagas, construído no pátio da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Em 7 de janeiro, 11 líderes da facção envolvida na morte na Pecan 3 foram enviados para este módulo.
— Fizemos investimento no sistema penitenciário para que a Pasc, com telamento, bloqueadores de sinal, efetivamente seja de alta segurança. Historicamente, não vinha conseguindo justificar esse nome. São políticas que ajudam a inviabilizar o crime aqui do lado de fora — disse o governador.
Novas unidades prisionais estão previstas para serem construídas em Passo Fundo, São Borja, Caixas do Sul e Rio Grande. Segundo Leite, a expectativa é encerrar o governo com aumento de 10 mil vagas no sistema carcerário. Em relação ao caso da Pecan 3, conforme o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Henrique Viana, seguem as apurações da Polícia Penal e da Polícia Civil:
— As investigações estão em andamento, para reparar esse caso e evitar novos fatos.