Uma operação realizada pelas forças de segurança do Estado resultou na transferência de 11 integrantes de uma facção criminosa envolvida no assassinato de um apenado dentro da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) 3, no fim de novembro, e em outros homicídios. A ofensiva realizada no início da noite de terça-feira (7) foi divulgada na manhã desta quarta (8). Os presos foram levados para isolamento em Charqueadas, na Região Carbonífera.
A ofensiva foi realizada pela Polícia Civil, Brigada Militar e Polícia Penal, com apoio do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Além da morte na penitenciária, segundo a polícia, esta mesma facção seria responsável pela maior parte dos homicídios na Capital e Região Metropolitana nos últimos meses.
— Todos os 11 presos estão envolvidos na mesma facção. A ideia da operação foi atingir pessoas envolvidas em mortes que aconteceram nas últimas semanas e também na Pecan. Esse crime na penitenciária foi muito grave. Mas também esses outros homicídios. Estamos tentando evitar novas mortes. Essa medida tem também esse objetivo — afirma o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Mario Souza.
Os faccionados escolhidos para o isolamento foram enviados de diferentes unidades prisionais para o módulo de segurança, onde é possível mantê-los isolados. Foram transferidos de prisões como:
- Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc)
- Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ)
- Penitenciária Modulada de Charqueadas
- Pecan 3
A chamada Operação Pecado Capital tem como alvo presos que ocupariam posições de liderança na facção Bala na Cara, com berço no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre. O grupo criminoso é apontado como o responsável pela execução do rival na Pecan 3.
Em 23 de novembro, Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, foi morto a tiros dentro da cela que ocupava na penitenciária. Por este crime, foram indiciados e denunciados dois integrantes do grupo criminoso: Rafael Telles da Silva, o Sapo, uma das lideranças de uma facção rival à de Nego Jackson, e Luis Felipe de Jesus Brum.
Sapo foi transferido ainda no ano passado para uma penitenciária federal, fora do Estado. A medida, segundo a Polícia Penal, já estava prevista, antes mesmo do envolvimento na morte do rival. Brum, apontado como executor, é um dos transferidos nesta nova ofensiva. Este preso havia sido detido em junho do ano passado por suspeita de envolvimento num assalto milionário ao aeroporto de Caxias do Sul, na Serra.
Naquela ação, Brum foi preso em Torres, no Litoral Norte. Ele retornava de Santa Catarina, num Onix, quando foi bloqueado na BR-101 por agentes da Polícia Rodoviária Federal. As pistas indicavam que ele teria participado como motorista na fuga da quadrilha.
Brum já possuía antecedentes por tráfico de drogas, e era investigado por um homicídio, pelo roubo a uma joalheria, por dois roubos de veículo e por receptação de veículo. Em novembro, ele teve nova prisão decretada em razão do crime na Pecan 3.
Dissuasão focada
A medida aplicada contra a facção criminosa é baseada em teoria de um criminólogo norte-americano, chamada de dissuasão focada, que começou a ser aplicada em Porto Alegre há cerca de dois anos pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), e foi expandida para o restante do Estado no ano passado.
O isolamento de presos envolvidos em homicídios dentro do Estado é a sexta das sete medidas que são adotadas em conjunto pelas polícias sempre que ocorre algum assassinato pelo crime organizado.
As ações contra a facção são adotadas de forma escalonada. A sétima medida é a transferência para unidades federais.
As ações são realizadas de forma conjunta entre as polícias sempre que ocorre algum homicídio vinculado ao crime organizado.
As sete medidas:
- Saturação de área: aumentar policiamento no local onde atua a facção. O objetivo é impedir a venda de drogas e evitar ataques entre as facções e venda de armas, entre outros crimes.
- Indiciamento de lideranças e mandantes: visa ampliar a responsabilização atingindo quem ordenou o crime e quem autorizou a execução.
- Ações pontuais: apreensão de armas, drogas e outras operações
- Revistas em presídios: aquela facção envolvida em morte sofre revistas mais frequentes em suas galerias para verificar toda a conduta
- Operações especiais e de lavagem de dinheiro: visam asfixiar o crime e retirar dinheiro, além de prender envolvidos na organização
- Transferências dentro do RS: isolamento de lideranças em unidades prisionais dentro do Estado
- Transferências federais: isolamento de lideranças nas unidades federais
Envolvidos em mortes
A operação de agora é considerada uma espécie de resposta ao grupo. Além de Brum, há um outro preso transferido nesta ofensiva, investigado por participação na morte na penitenciária. É Rafael da Silva Roman, conhecido como Rafinha, com atuação em Alvorada, na Região Metropolitana, e condenado a 101 anos e cinco meses de prisão.
Os outros presos também enviados para o isolamento são investigados por terem participado indiretamente do crime, fornecendo algum tipo de suporte para a ação. Ainda no fim do ano passado, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) já havia anunciado ter aberto uma segunda investigação para apontar todos os envolvidos neste crime. O intuito é responsabilizar qualquer pessoa que tenha contribuído de alguma forma para que a execução dentro da Pecan 3 se concretizasse.
Entre os outros nove presos encaminhados para isolamento, estão especialmente faccionados apontados como responsáveis por ordenar os chamados bondes, que são as ações de ataque aos inimigos. Os nomes dos apenados não foram divulgados pelas forças de segurança. O tempo de isolamento dos presos deve ser de 60 dias — somente no caso de Brum o prazo estabelecido foi maior, de 90 dias.
— Se houver agravamento dos homicídios, ainda temos a possibilidade de envio para penitenciária federal. A regra é clara: quem se envolve em homicídios vai sofrer as medidas do protocolo. Se eles estiverem diretamente ou indiretamente ligados aos homicídios vão sofrer as medidas — explica o diretor do DHPP.
O módulo, de segurança máxima, foi inaugurado pelo governo do Rio Grande do Sul em 29 de novembro. Os primeiros apenados chegaram ao local no dia seguinte. Construído no pátio da Pasc, o módulo é destinado, prioritariamente, aos líderes de grupos criminosos e mandantes envolvidos em homicídios. A unidade conta com bloqueadores de celulares e de wi-fi, com intuito de inviabilizar, a partir desse isolamento, a comunicação dos líderes com quem segue nas ruas.
Investigação de crime na Pecan 3
Além da investigação que levou ao indiciamento de Sapo e Brum, ainda no ano passado, a Polícia Civil tem outra apuração em andamento para esclarecer como se deu o assassinato de Nego Jackson. O intuito desta etapa é descobrir como se deu toda a dinâmica do crime.
Uma das suspeitas é de que a pistola de calibre 9 milímetros tenha ingressado na penitenciária por meio de drone, mas isso ainda não foi esclarecido. A casa prisional não conta com telas para evitar o arremesso de ilícitos.
— Os dois (Sapo e Brum) estão amplamente punidos por cometerem um crime gravíssimo. Mas existe esse outro inquérito em andamento para verificar se há participação de alguma outra pessoa. É esse que está em andamento — afirma o delegado Rafael Pereira, diretor do DHPP na Região Metropolitana.
Durante essa fase da investigação, foram realizados interrogatórios, estão sendo analisados documentos e regimentos, além de rotinas da penitenciária. A polícia ainda aguarda pelo recebimento de algumas perícias sobre o crime. Essa investigação ainda não tem prazo para ser concluída. Existe uma outra apuração administrativa, em andamento, realizada pela Polícia Penal.
Logo após o fato, cinco servidores da penitenciária foram afastados temporariamente das funções. A medida, segundo o governo do Estado, visa permitir a isenção e rigor das apurações.
Quem era Nego Jackson
Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, chegou a ser considerado o foragido mais procurado do RS, em 2017, período no qual o Estado enfrentava disputas sangrentas nas ruas, especialmente na Capital. O faccionado foi capturado no Paraguai, pela polícia da cidade de Pedro Juan Caballero, e posteriormente transferido de volta para Brasil.
Passou pelo sistema penitenciário federal — sendo enviado a Rondônia — mas retornou ao Estado. Era rival da facção do bairro Bom Jesus, integrando uma coalização de grupos criminosos. Apontado como chefe do tráfico na Vila Jardim, recentemente, segundo a polícia, havia sido um dos principais articuladores da criação de uma nova facção.