"A gente se sentia com medo e desprotegida. Parece que ninguém nos escutava, que nós éramos culpadas do que estava acontecendo conosco." Esse é o sentimento de uma das 87 vítimas de erros ocorridos em procedimentos realizados pelo cirurgião plástico Leandro Fuchs, indiciado nesta semana por crimes como lesão corporal grave e estelionato, mas que, de alguma forma sintetiza o que a maioria sente. O médico é suspeito de vender pacotes de cirurgias plásticas, e na hora dos procedimentos, deixar os residentes operando sozinhos em seu lugar sem o consentimento dos pacientes. Enquanto ocorriam as cirurgias, o especialista ficava no WhatsApp e até mesmo deixava o hospital para outros compromissos.
A Polícia Civil trabalha em 87 inquéritos, um para cada vítima. Cinco deles já foram concluídos e começaram a apontar fatos que basearam o indiciamento. Os casos teriam ocorrido entre 2021 e 2023. A investigação, no entanto, iniciou este ano após mulheres que sofreram lesões se juntarem em um grupo no Whatsapp onde trocavam informações decidirem formalizar as denúncias.
Joana*, moradora de Porto Alegre, realizou três cirurgias com Fuchs. Ela recebeu indicação de uma amiga e resolveu fazer os procedimentos que lhe custaram em torno de R$ 19 mil.
Quando eu cheguei no quarto, sangrava demais, gritava de dor
JOANA*
Ex-paciente do cirurgião
— No dia da internação ele estava lá quando cheguei, mas quando eu saí, não estava mais. A minha roupa cirúrgica não entrou. Eu acordei no meio da cirurgia nua e com pessoas falando que não ia entrar. Quando eu cheguei no quarto, sangrava demais, gritava de dor, os médicos vinham e me davam morfina. No final, ele não estava lá para me dar alta — relembra.
Maria*, também moradora da Capital, disse ter gastado ao menos R$ 15 mil com os procedimentos de Leandro, além de cerca de R$ 5 mil em medicações e cuidados pós-operatórios. O resultado, contudo, foi uma grande cicatriz depois de uma cirurgia no abdômen.
— Gastei dinheiro tentando clarear minha cicatriz e não consegui. Ele dizia que ia melhorar, mas ficou muito feia. Me sinto mal hoje, atingiu minha autoestima. Na época, vendi uma empresa para poder fazer a cirurgia e não tive mais dinheiro para refazer com outro médico.
Carla*, moradora de Alvorada, na Região Metropolitana, conheceu o trabalho do médico em 2022 por uma rede social. Não demorou muito para ser convencida a comprar um pacote com três intervenções cirúrgicas, sob um valor aproximado de R$ 17 mil. Assim como a vítima anterior, Carla* percebeu a ausência do médico no dia das cirurgias.
— Eu achei estranho. Veio outro médico que eu não conhecia, me recebeu e me levou até o bloco cirúrgico. Quando eu cheguei no bloco, ele (Leandro) estava lá, me cumprimentou, mas em nenhum momento (da cirurgia) ele chegou perto de mim. Não foi ele que fez as marcações, foi esse outro médico que me recebeu. Em nenhum momento o Leandro conversou comigo.
Assim como ela, Joana* também sentia falta da presença de Leandro nos procedimentos:
— Sempre tinham muitos residentes. Ele dizia “esse aqui é o meu auxiliar”. Ele nunca falou que eu faria a cirurgia com um residente. Na segunda e na terceira cirurgia para fazer o retoque, também eram eles.
Os relatos vão ao encontro dos indícios apontados pela investigação policial, que indicam que o médico não participava de forma ativa das cirurgias, ficando na mesma sala mexendo no celular ou até mesmo fora dela ou em outros setores do hospital enquanto o procedimento ocorria.
Após a cirurgia, Carla* percebeu problemas no seu corpo. Um dos procedimentos era uma lipoaspiração, que trata da retirada de gordura da região da barriga. No entanto, nos dias posteriores ela seguia sentindo dores e notou que ainda havia gordura que não tinha sido drenada. Com isso, tentou marcar consultas de retorno com Leandro.
— Cada consulta que eu ia era um médico diferente que me atendia, nunca era ele. Eu acho que fui vê-lo novamente na terceira reavaliação. Em seis meses indo lá, eu acho que consegui falar com ele umas três vezes só. Ele dificilmente atendia a gente no WhatsApp. Se eu ligava pra clínica, ele nunca estava. Ou estava em cirurgia, ou viajando. Ele fazia muitas viagens.
Eu gostava mais de mim antes do procedimento
CARLA*
Ex-paciente do médico.
De acordo com dados apurados pela Polícia Civil, Leandro realizou mais de 700 cirurgias plásticas entre 2018 e 2023. Dessas, pelo menos 60% das pacientes precisaram retornar para reparos. No caso de Carla*, os procedimentos resultaram em marcas na pele que causam sofrimento e arrependimento:
— Eu gostava mais de mim antes do procedimento, mesmo com as sobras de pele, com as gorduras que eu tinha, do que depois, porque eu fiquei com cicatrizes tortas, largas.
Já Joana* ressalta as dores físicas e emocionais causadas pelas falhas.
— Eu não consigo vestir uma roupa que eu gostaria. Sinto dores no peito, na barriga. É um desconforto muito grande, não só esteticamente, mas emocional. É muito triste — lamenta.
Culpabilização
Um relato comum entre as vítimas está no tratamento dado pelo médico depois que elas apontavam as falhas nas cirurgias. Ao ser questionado pelas pacientes, as respostas de Leandro eram justificadas em supostos erros delas mesmas.
— Sempre a culpa era minha. Chegou a falar que o problema era meu excesso de peso. Ele deu a entender que eu não tinha me cuidado no pós-operatório, sendo que eu fiz tudo, todas as recomendações que ele me passou — reclama Carla*
Joana* também relata uma impressão semelhante:
— A gente se sentia com medo e desprotegida. Parecia que ninguém nos escutava. Parecia que nós éramos culpadas do que estava acontecendo conosco.
Críticas silenciadas: ação nas redes sociais
O inquérito também aponta uma estratégia utilizada pelo médico para atrair novas pacientes e, ao mesmo tempo, evitar que as anteriores criticassem seu trabalho. A investigação e as próprias vítimas descrevem grupos em redes sociais onde eram feitas postagens e recomendações sobre as cirurgias realizadas por ele. Porém, caso alguém incluísse um comentário negativo, rapidamente era apagado.
Isso se deve, segundo a Polícia Civil, a uma moderação feita por uma equipe de marketing contratada por Leandro para filtrar qualquer crítica ao seu trabalho nos anúncios. Era por essas postagens que o médico convencia mulheres a comprarem os pacotes de procedimentos ofertados por ele.
Além disso, Joana lembra que a equipe do consultório parecia agir para conter possíveis reclamações dela para outros pacientes na sala de espera:
— Quando eu percebi que estava sendo enganada, eu chegava bem cedo lá e ficava na sala de espera. Eu falava para os outros que minha experiência não estava sendo legal, mas logo que a secretária dele me via, avisava ele “ó, ela chegou”. E já mandava subir, para eu não ter contato com nenhuma paciente.
Contraponto
O que diz a defesa
Questionado, o advogado de Fuchs, Diego Marty, reiterou o posicionamento que já havia manifestado anteriormente, afirmando que o médico é inocente. Acrescentou, ainda, que a defesa técnica vai ser exercitada nos autos, a partir da manifestação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS).
* A reportagem de Zero Hora entrevistou algumas das vítimas, que preferiram não se identificar. Por esse motivo, para preservar a identidade delas, são utilizados nomes fictícios.