
Prestes a completar dois anos, um caso cercado de reviravoltas e mistério na Região Metropolitana, ainda aguarda por desfecho. Em fevereiro de 2022, Rubem Affonso Heger, 85 anos, e Marlene dos Passos Stafford Heger, 53, que viviam em Cachoeirinha, desapareceram. Os corpos nunca foram localizados, mas a investigação concluiu que o casal foi assassinado e apontou dois familiares como suspeitos. A filha do idoso Cláudia de Almeida Heger, 52, e o neto dele Andrew Heger Ribas, 30, recorrem na Justiça, após decisão de enviá-los a júri.
Mãe e filho teriam sido as últimas pessoas a ter contato com o casal desaparecido. Em 27 de fevereiro daquele ano, um domingo de Carnaval, Claudia e Andrew, que moravam em Canoas, visitaram Rubem e Marlene na casa deles. Câmeras do outro lado da rua gravaram o momento em que ela e o filho chegam à moradia do casal, colocam colchões na porta da garagem, impedindo a visualização do interior, e mais tarde saem com o veículo, sem que se possa identificar se Rubem e Marlene estão no carro. Após esse encontro, os moradores nunca mais foram localizados.
A mulher alega que o pai e a madrasta passaram alguns dias na casa dela, em Canoas, e depois desapareceram por conta. Segundo o relato da filha, ela precisou ir a um posto de saúde buscar atendimento em razão de uma crise enxaqueca. Enquanto isso, Marlene e Rubem teriam ido embora da casa dela. Cláudia alega ter recebido somente uma mensagem por telefone. Essa versão não convenceu outros familiares, a polícia e nem o Ministério Público. Os dois são acusados de terem assassinado as vítimas e ocultado os corpos.
Segundo a acusação, Claudia tinha problemas de relacionamento com o pai e a madrasta. Um falso sequestro em 2016, pelo qual a mulher responde processo, é apontado como o fator do rompimento, e um dos motivos que teria levado ao planejamento do crime. Familiares do casal ouvidos por GZH sustentam que Cláudia não mantinha relação próxima com o pai e não costumava visitá-lo. Estranharam que ela tivesse ido até a moradia naquela data e mais ainda que o idoso pudesse ter saído de casa, já que necessitava de medicação diária e oxigênio.
Outro motivo que teria levado ao planejamento do crime seria interesse financeiro. Rubem havia vendido, pouco tempo antes de desaparecer, um caminhão, no valor de R$ 70 mil. Isso teria se somado a desentendimentos anteriores, que teriam levado, inclusive, ao afastamento da família. Em relação à Marlene, segundo a acusação, Cláudia teria problema com o fato de que ela, em seu entendimento, teria passado a ocupar o lugar de sua mãe, após se casar com Rubem. As defesas dos dois negam que eles tenham cometido o crime.
Júri em debate
Em setembro do ano passado, o juiz Marco Luciano Wächter, da 1ª Vara Criminal de Cachoerinha, decidiu enviar mãe e filho ao Tribunal do Júri. Ou seja, sete jurados da comunidade devem decidir se eles cometeram ou não os crimes pelos quais respondem. Após a publicação da sentença de pronúncia, enviando os dois a júri, as duas defesas recorreram tentando reverter a decisão. O Ministério Público também recorreu para tentar manter a qualificadora de feminicídio em relação à vítima Marlene.
— Seguimos no aguardo dos julgamentos de recursos pelo Tribunal de Justiça. A ré permanece presa e o réu permanece internado no IPF (Instituto-Psiquiátrico Forense) — disse o promotor de Justiça Thomaz De La Rosa da Rosa.
Em novembro de 2022, foi emitido laudo no qual Andrew foi considerado incapaz de compreender os atos criminosos. Depois disso, a Justiça decidiu mantê-lo internado no IPF. Responsável pela defesa de Andrew, o advogado André Von Berg busca por meio de recurso no Tribunal de Justiça mudar a decisão de enviar o réu a júri:
— Acredito no Poder Judiciário. Mas, no caso concreto, entendo que a sentença de pronúncia não fez a adequada Justiça pelos elementos de prova constantes dos autos em que pese todo o conhecimento do magistrado julgador. Aguardamos a reforma da sentença pelo Tribunal de Justiça.
Ainda que isso não aconteça, e se mantenha a decisão inicial de mandar os réus a júri, as defesas podem buscar novos recursos, em instâncias superiores. Somente após ser encerrada esta fase é que, caso seja mantida a pronúncia, a Justiça de Cachoeirinha poderá agendar a data do julgamento.
— Ainda temos um longo caminho de batalhas jurídicas a ser percorrido já que tenho a mais absoluta convicção na inocência do Andrew — diz Von Berg.
Defesa alega que ré teve perda de movimentos
Ao longo do processo, Cláudia chegou a ser encaminhada para prisão domiciliar, por alegar sofrer de paraplegia decorrente de um quadro infeccioso grave. Mas retornou à prisão em maio do ano passado, após novo desdobramento no caso. Segundo o Ministério Público, a ré foi flagrada caminhando dentro do Hospital Vila Nova, em Porto Alegre, quando esteve internada no local.
Ainda conforme a acusação, em março do ano passado, ela compareceu a uma audiência no próprio Fórum de Cachoeirinha, dirigindo veículo que não era adaptado para pessoa com deficiência. Imagens captadas pela câmera do Fórum registraram Cláudia seguindo até o carro, e levantando a cadeira de rodas para se acomodar no banco do motorista. Logo depois, deixou o local dirigindo o mesmo automóvel.
A ré constituiu nova defesa no caso, passando a ser representada pelos advogados Daniel Eduardo Cândido, Robertha Ferreira da Silva e Thais Comassetto Felix. Segundo nota encaminhada pela defesa, “Cláudia enfrenta, atualmente, um quadro de saúde gravíssimo e risco de morte em razão da contaminação por citomegalovírus, ocorrida no interior do estabelecimento prisional logo após a sua entrada no sistema prisional gaúcho”.
Ainda conforme a manifestação, “a doença desencadeou a perda dos movimentos dos seus membros superiores e inferiores, fato que foi diagnosticado pelo corpo médico da administração penitenciária, a qual informou diversas vezes o poder judiciário sobre a impossibilidade de gerenciar e atender Cláudia no cárcere, a qual, em razão disso, não recebe o tratamento adequado para sua enfermidade.”
“Em razão disso, enfim, a principal preocupação da defesa, no momento, é que o Estado garanta e proporcione, o que é seu dever: tratamento digno, humanitário e condições para que possa sobreviver enquanto pendente a solução do presente caso penal”, afirmam os advogados na nota", segue a nota.
Os advogados também confirmaram que aguardam o julgamento do recurso junto ao Tribunal de Justiça do RS, no qual buscam que ela seja impronunciada, “sob o fundamento da ausência de indícios de autoria e materialidade”. De forma alternativa, a defesa pede que, caso seja mantida a pronúncia, haja “o afastamento de todas as qualificadoras que foram admitidas na sentença de pronúncia”.
Os crimes
Os dois respondem pelos crimes de duplo homicídio qualificado. São acusados de terem cometido os assassinatos usando de dissimulação, por motivo torpe e à traição. Além disso, respondem pelos crimes de ocultação de cadáver, já que os corpos das vítimas nunca foram encontrados, mesmo com buscas realizadas.
Segundo a acusação, notas fiscais mostram que Cláudia comprou utensílios numa ferragem, como uma lona de caminhão, braçadeiras plásticas e fitas crepes, em 9 de fevereiro, além de braçadeiras de nylon, tinta spray e fita tape, em 16 de fevereiro. Em 11 de fevereiro, Andrew levou o carro até uma oficina para instalação de películas escuras nos vidros. O automóvel estava com os carpetes arrancados quando foi submetido à perícia, após o sumiço do casal.
Há ainda outros crimes pelos quais os dois devem ser julgados, entre eles maus-tratos a animal doméstico, já que a cachorrinha do casal foi encontrada morta no pátio. Os réus são acusados também de fraude processual. Cláudia responde ainda por desacato, e Andrew por resistência à abordagem policial.