Suspeito de causar mortes de 42 pacientes e lesões em outros 114, o médico João Batista do Couto Neto foi preso na tarde de quinta-feira (14) em um hospital de Caçapava, no interior de São Paulo.
Relatos de antigos pacientes e ex-colegas do médico dão conta de que Couto chegava a realizar quase 30 cirurgias por turno de trabalho e fazia procedimentos desnecessários. Uma pessoa relata que ele chegou a dar um diagnóstico de câncer raro falso.
Couto teve a prisão preventiva decretada após ser indiciado pela Polícia Civil por homicídio doloso (quando há intenção de matar) em três inquéritos, no fim de novembro. Segundo o titular da 1ª DP de Novo Hamburgo, ainda restam 39 investigações de homicídio e 114 de lesão corporal envolvendo o cirurgião.
Couto Neto foi preso enquanto atendia em um hospital.
Indiciamentos
De acordo com o titular da 1ª DP de Novo Hamburgo, Tarcísio Kaltbach, os três primeiros indiciamentos são decorrentes de apurações envolvendo a morte de dois homens e de uma mulher. Ainda restam 39 investigações de homicídio e 114 de lesão corporal envolvendo o cirurgião.
Ainda de acordo com Tarcísio, a finalização de novos inquéritos contra Couto depende de laudos a serem enviados pelo Departamento Médico Legal de Porto Alegre.
Desde outubro deste ano, não há medida cautelar que impeça que João Couto volte a realizar cirurgias e intervenções invasivas. Havia uma decisão da Justiça, prevendo a proibição por 120 dias, cujo prazo expirou.
Em fevereiro deste ano, João Couto se registrou no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Na ocasião, o Cremesp confirmou estar ciente de que o médico enfrentava uma suspensão em sua licença, mas que "é obrigado a efetuar o registro do médico" por se tratar de uma restrição parcial.
João Couto deve passar por uma audiência de custódia em São Paulo, conforme o delegado.
— Provavelmente o Judiciário de lá irá contatar com o juiz de Novo Hamburgo que expediu a prisão — completou delegado.
Fazia quase 30 cirurgias por manhã
Uma técnica de enfermagem que trabalhou no mesmo hospital que João Couto diz que o número de cirurgias diárias que o médico fazia chamava a atenção da equipe.
— Ele fez em uma manhã, 27 cirurgias, uma manhã só. Não é possível, porque teria de ficar parado esperando um paciente atrás do outro na mesma mesa. Não tem como, até porque a aparelhagem não é suficiente para isso, a instrumentação não é suficiente para isso — contou a profissional, que prefere não ser identificada.
"Engoliu palito de dente"
Um paciente de 52 anos, que prefere não ser identificado, afirma que um pequeno desconforto no umbigo o levou ao consultório de João Couto Neto em um hospital em Novo Hamburgo. O tratamento de hérnia umbilical teve o acréscimo de uma retirada de pedra na vesícula. O homem foi liberado no mesmo dia. Disse que a recuperação foi um dos piores momentos da sua vida.
— Eu passei muito mal, uns dois dias, muito mal. Era vômito, vômito. Dor, muita dor. Dor que eu não desejo pra ninguém —afirmou.
Ele voltou ao hospital e foi submetido a uma nova cirurgia pelo médico. A companheira do paciente desconfiou da justificativa dada por Couto. O cirurgião teria sugerido que um palito de dente engolido poderia ter causado a lesão.
— Me perguntou se ele tinha o hábito de mastigar palito de dente, que ele poderia ter engolido um palito e ter furado. Eu disse que ele não tinha esse hábito — contou.
Foi então que eles decidiram mudar de médico e de hospital.
— Eu me desesperei, perdi a total confiança, até porque eu já ouvia de funcionários lá dentro me incentivando a trocar, porque a fama dele dentro do hospital não era boa — disse a companheira do paciente.
"Tinha um câncer muito raro"
A motorista Simone Ferreira Campos afirma que foi operada há 11 anos pelo médico para retirar nódulo no intestino.
— Retirou do meu intestino, segundo ele me falou quando eu voltei da anestesia, 10 centímetros para cima do nódulo e 10 centímetros para baixo do nódulo do meu intestino, pois eu teria um câncer muito raro que ele não saberia como tratar — relatou.
Após uma biópsia, foi comprovado que a paciente não tinha câncer.
— Veio como endometriose. Então, não tinha nenhum tipo de câncer, nenhum problema do meu intestino — contou.
Contraponto
O advogado de João Batista do Couto Neto, Brunno de Lia Pires informou que a prisão é "absurda e imotivada" e que vai entrar com pedido de habeas corpus.
Leia a manifestação na íntegra:
Com surpresa a Defesa recebeu a notícia da decretação da prisão preventiva do médico João Couto Neto. A decisão não se reveste de qualquer fundamento fático ou jurídico e constitui clara antecipação de pena, com a finalidade de coagir e constranger o médico. Impetraremos ordem de habeas corpus o mais breve possivel para fazer cessar a absurda e imotivada prisão.