A casa onde Marina Maciel dos Santos, 16 anos, e João Francisco Maciel dos Santos, 14, viviam precisou ser deixada para trás pela família. A mãe Carla Maciel de Farias, 40, não conseguia suportar as lembranças. Na noite de 19 de abril, os irmãos saíram dessa mesma residência para comprar refrigerante numa padaria ali perto, no bairro Cascata, e nunca mais voltaram. Os adolescentes foram vítimas de um ataque de uma facção criminosa, que passou a disparar contra pessoas no meio da rua. O grupo por trás desse atentado foi alvo nesta terça-feira (24) de operação da Polícia Civil.
Em casa, Marina e João Francisco eram chamados por apelidos carinhosos: a adolescente era a Princesa e o irmão o Bzão. Depois que perdeu os dois filhos, Carla precisou recorrer à tratamentos médicos, pelo abalo psicológico. Por fim, decidiu deixar a casa onde vivia com os filhos, no intuito de tentar amenizar as lembranças.
— Não tinha como permanecer na mesma casa, com a ausência gritante deles em cada canto. Acabaram com minha alegria de viver, desestruturaram toda uma família que era feliz, trazendo só tristeza e dor pela falta deles — descreve a mãe.
No início de outubro, quando completou quatro décadas de vida, Carla não encontrou motivos para comemorar. Nessas datas, os filhos costumavam disputar para saber quem seria o primeiro a abraçá-la, e a família preparava um almoço especial, com os pratos preferidos de cada um.
— Não tive o beijo, a risada, o rádio alto, a alegria que era estar com eles. Sempre disse que meu presente era ter eles em minha vida. Difícil segurar a ausência latente que eles me fazem — desabafa.
Carla soube da ofensiva, que resultou na prisão de suspeitos de envolvimento na morte de Marina e João Francisco, durante a manhã desta terça-feira, enquanto estava no trabalho. Por volta das 10h, havia 49 presos durante a chamada Operação Per la Madre.
— Estou no inferno, não vivo. Sobrevivo. Quem fez isso com eles, continua vivendo normalmente, como se meus filhos não tivessem valor, mas eles tinham e muito — diz a mãe.
Alunos dedicados
Marina e João Francisco deixaram memórias e saudade também no Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, onde estudaram desde as séries iniciais. Na escola, são lembrados como alunos tranquilos, dedicados e carinhosos. A adolescente estava no segundo ano do Ensino Médio, no turno da manhã, enquanto o irmão estava no oitavo ano do Ensino Fundamental, no período da tarde.
— Ele (João) era muito engraçado, a gente dava muita risada. Ele me via no corredor e pulava no meu pescoço, me chamava de velho, essas coisas de carinho mesmo. São pessoas de baixa renda, mas de família boa, não tinham envolvimento com nada de errado. A Marina teve uma época que nem ia na aula por falta de passagens — contou a GZH, em abril deste ano, o professor Francimar Alves, um dos mais antigos do colégio.
Na escola, professores elaboraram atividades para debater a violência e bate-papos para aliviar a angústia daqueles que conviviam com os irmãos. As lembranças estão por todos cantos. Um pequeno memorial, com fotos e recados de carinho e saudade, redigidos pelos estudantes foi exposto por alguns dias no salão da escola. Depois, foi guardado, na tentativa de preservar os que convivem com a saudade de Marina e João Francisco.
A Operação
O grupo por trás desse atentado criminoso é alvo nesta terça-feira de ofensiva da Polícia Civil. A investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) apontou que integrantes de uma facção, com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste da Capital, invadiram a área de criminosos rivais, no Cascata, e cometeram o ataque. Sem encontrar inimigos na rua, miraram suas armas para outro alvo: os moradores. Foi assim que Marina e João Francisco foram sentenciados à morte, sem qualquer culpa.
Durante a chamada Operação Per La Madre (para a mãe), são cumpridos 66 mandados de prisão em 11 municípios do Estado e em Santa Catarina. Ao todo, cerca de 600 policiais participam da ofensiva, que conta com apoio da Brigada Militar e da Polícia Penal. Por volta das 10h, havia 49 presos.
— Foi um crime grave, violento, irresponsável e fora da curva. Isso é gravíssimo porque é quando a violência transborda dos conflitos entre as facções para as vítimas inocentes na sociedade, como esses dois adolescentes, que nada tinham a ver com esse conflito. Eles eram inocentes — diz o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
Onde
- As ordens judiciais são cumpridas em Porto Alegre, Canoas, Cachoeirinha, Alvorada, Viamão, Sapucaia do Sul, Gravataí, Parobé, Capivari do Sul, Charqueadas, Arroio dos Ratos e Florianópolis, em Santa Catarina.
- Além dos 49 presos, foram recolhidos 130 quilos de maconha, sete quilos de cocaína, seis quilos de crack, um quilo de pinos de cocaína prontos para a venda e sete armas de fogo.
- A ação conta com a participação de 420 policiais civis, 120 policiais militares e 30 policiais penais.