Um homem de 35 anos detido injustamente em ação policial, acusado de ser autor de uma tentativa de homicídio que não cometeu, foi absolvido nesta semana pelo Tribunal do Júri em Canoas. Sua liberdade foi assegurada, após cinco anos de processo, pela Defensoria Pública, que atendeu apelos da família do pintor predial. O homem visitava a mãe e estava acompanhado pela esposa e por três meninos, filhos do casal, quando foi confundido com um criminoso.
O caso ocorreu em janeiro de 2018, no bairro Guajuviras, em Canoas. A família, moradora de São Leopoldo, passava um dia de lazer quando ocorreu um tiroteio nas imediações do condomínio onde morava a avó paterna das crianças. Policiais militares atuavam no confronto de criminosos. Um dos brigadianos saiu ferido da ação, baleado no abdômen.
Agentes da Brigada Militar deram início a buscas pelo ambiente próximo ao confronto, tentando identificar e prender o autor do disparo que atingiu o colega. Durante as buscas, encontraram uma pistola de calibre 9mm, um carregador, um radiocomunicador e uma touca do tipo balaclava, indícios potencialmente relacionados à ocorrência em que atuavam.
De posse dos objetos, os PMs prosseguiram em buscas. Quase ao mesmo tempo em que ocorria a ação policial, o pintor predial e sua esposa desciam a escadaria do prédio de apartamentos em busca de um dos filhos, que brincava no andar térreo do edifício.
— O casal, assim como moradores daquele prédio, ouviu os estampidos. Ao pensarem no filho, correram para buscar o menino. Quando voltavam, foram abordados pelos policiais militares, que deram voz de prisão ao homem que consideraram suspeito — conta o defensor público Andrey Regis de Melo, dirigente do Núcleo de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Estado.
Detido em flagrante, o homem foi conduzido à Delegacia de Polícia, onde foi informado que seria preso preventivamente sob acusação de ter tentado matar um brigadiano. Após a lavratura do flagrante, ele foi recolhido a uma unidade prisional do Estado. O homem estava com 30 anos incompletos à época dos fatos.
Inconformidade de familiares mobilizou Defensoria Pública
Andrey de Melo explica que a Defensoria Pública foi procurada por diversos familiares do pintor predial. Eles sustentaram que a acusação era improcedente e a prisão havia ocorrido de forma equivocada.
— O relato era o mesmo de todos os familiares ouvidos. Disseram que estavam juntos no apartamento no momento dos tiros, que viam televisão, indicaram a programação que assistiam. Não havia divergências entre os depoimentos e isso nos chamou a atenção para a possível veracidade das argumentações — lembra o defensor público.
O pintor predial não tinha nenhum antecedente. Ao examinar o processo, a Defensoria Pública percebeu que as provas materiais apresentadas pela acusação não haviam sido submetidas a perícias que poderiam consolidar ou descartar a suspeita de autoria sobre o acusado.
A lacuna processual foi identificada em audiência de instrução do processo, ocorrida em agosto de 2018, quando já havia transcorrido o período aproximado de sete meses de reclusão. Melo solicitou perícia genética em fios de cabelo encontrados na balaclava e exame papiloscópico sobre as superfícies da pistola e do radiocomunicador.
Prova científica foi determinante para desfecho do caso
A conclusão do Instituto-Geral de Perícias foi apresentada em laudo remetido ao Poder Judiciário em outubro de 2018, tendo como resultado a constatação de que o material genético encontrado na touca é incompatível com a amostra biológica colhida com o acusado.
A perícia indicou que o material pertence a outro homem, cujo perfil genético não consta no banco de dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Contudo, somente em fevereiro de 2019, o pintor predial teve sua prisão preventiva revogada e passou a responder aos procedimentos do processo em liberdade. A prova foi determinante para absolvição pelo Tribunal do Júri na última semana.
— Este procedimento demonstra como investigações baseadas apenas em provas testemunhais são suscetíveis a erros e nos mostra como o uso das tecnologias disponíveis pode ser importante para elucidação de crimes — analisa o defensor público Andrey de Melo. Além dele, a defensora pública Maína Ribeiro Pech também atuou no caso.