"Socorro assalto". A gerente de uma loja de roupas na zona norte de Porto Alegre simula repetidas vezes no celular quanto tempo leva para enviar essa mensagem a familiares, caso volte a ser vítima de roubo. Ainda carrega o trauma de ter tido o estabelecimento invadido por criminosos no ano passado. O caso faz parte dos 1.196 ataques a comércios (roubos e furtos) comunicados à polícia em 2022 na Capital — média de três registros por dia.
— Em torno de 10 segundos, é o tempo que eu levo para pegar o telefone e digitar no grupo da família ou para meu marido. Mas quero reduzir esse tempo — diz a mulher, de 32 anos, que prefere não ser identificada na reportagem.
Em agosto do ano passado, ela estava prestes a fechar a loja, no fim da tarde, quando os assaltantes chegaram. Além dela, mais duas pessoas foram rendidas na ação, que durou cerca de 15 minutos. Nesse período, os ladrões, que não mostraram armas, embora afirmassem estar armados, exigiram o dinheiro do caixa e celulares — três aparelhos foram levados. Também roubaram algumas roupas expostas no comércio.
Um dia antes do assalto, a mesma gerente havia recebido uma ligação na qual um criminoso tentou extorqui-la, dizendo que se tratava de um roubo e que, se ela não entregasse todo o dinheiro do caixa a um motoboy, alguém entraria no local armado. Ao perceber que poderia ser um blefe, a gerente desligou o telefone.
— Mas fiquei com aquela sensação de que alguma coisa ia acontecer. E no dia seguinte nos assaltaram — relata.
Desde o roubo, a rotina na loja não é a mais a mesma. Como forma de tentar reduzir o risco de um novo ataque, foram adotados alguns cuidados, como manter a porta chaveada, e não permitir a entrada de pessoas de máscara e boné, especialmente homens. Ainda assim, a gerente admite que convive com o medo. Na rua, deixou de andar com fones de ouvidos e evita carregar o celular. Também desabilitou o acesso ao Pix no aparelho, com receio de ser extorquida.
— Estou sempre com isso na cabeça. E se eu for assaltada? E se estiver em algum lugar e deparar com o mesmo ladrão, o que eu faço? Tenho muito medo. Isso tudo depois do assalto — afirma a gerente.
Reféns em estética
Numa estética, também na Zona Norte, três mulheres permaneceram cerca de uma hora e meia reféns de criminosos, que buscavam acesso a outro estabelecimento, no bairro Higienópolis, no ano passado. Quatro meses depois, elas ainda têm receio quando algum veículo estranho se aproxima da entrada e não abrem a porta para desconhecidos.
— Passei a só atender pessoas conhecidas, para não correr risco — diz a dona da estética, de 36 anos.
Um dia antes do assalto, um homem bem-vestido esteve no local e disse que queria agendar um horário para a esposa. A proprietária entregou a ele um cartão do salão para que a futura cliente fizesse contato. Mais tarde, a mulher fez o agendamento de um atendimento para o dia seguinte.
A proprietária da estética e uma colega estavam aguardando a chegada da cliente durante a manhã, quando foram surpreendidas pelos assaltantes. Havia ainda outra mulher sendo atendida dentro do salão.
A cliente que havia feito o agendamento por telefone chegou ao local acompanhada de um homem. A proprietária estranhou, mas decidiu abrir a porta. Neste momento, foi rendida pelo criminosos, que estava armado.
Na sequência, chegaram outros três assaltantes, que obrigaram as vítimas a permanecerem num canto, quietas. A suposta cliente, que estava com eles, deixou o local assim que o primeiro criminoso entrou na estética. Os bandidos pretendiam permanecer ali, enquanto aguardavam para acessar outro estabelecimento, que conserta e comercializa joias, no mesmo edifício.
Após algum tempo, as três reféns foram colocadas no banheiro, onde permaneceram até os assaltantes irem embora. Eles acabaram desistindo de concretizar o roubo no outro comércio. Assim que perceberam que tudo estava silencioso, elas decidiram sair do banheiro. Foi quando avistaram a Brigada Militar do lado de fora e correram para a rua.
Nos primeiros dias, as vítimas enfrentaram dificuldades até para dormir. A proprietária precisou buscar auxílio médico. E até hoje as duas sentem os reflexos de ter passado por esse trauma.
— Nas primeiras semanas foi muito difícil. Depois comecei a me acalmar mais — diz a dona da estética.
— O assalto passa, mas a gente fica refém por um longo tempo. Quando saio na rua, já fico apreensiva. O medo é constante — completa a colega.
Os dados
Os dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) indicam aumento de registros de ataques a comércios em Porto Alegre no ano passado. Foram 34 casos a mais, em comparação com os 1.162 de 2021. O indicador é a soma dos roubos, isso é, quando há ameaça ou violência, e furtos, considerado crime menos grave, embora também gere danos e prejuízos às vítimas.
Quando olhamos os números isolados, é possível perceber que o aumento foi puxado pela maior incidência de furtos, que teve crescimento de 21,7%. Já os roubos, apresentaram redução de 18%, com 451 casos em 2022 na Capital.
Diretora do Departamento de Polícia Metropolitana, a delegada Adriana Regina da Costa pondera que em 2021 havia menos estabelecimentos comerciais abertos, em razão do período da pandemia. Ela acredita que isso pode ter impactado nos indicadores.
— Em 2022, tínhamos mais estabelecimentos abertos, por isso, não vemos como aumento significativo. Mas, mesmo assim, para a polícia são dois crimes graves, que causam danos às vítimas, que têm seus estabelecimentos invadidos. Temos total interesse em prevenir e apurar a autoria — diz a a delegada.
Nos roubos, uma das preocupações é que esse tipo de crime possa evoluir para algo ainda mais grave, que é o latrocínio, que ocorre quando a vítima é morta. Segundo a delegada, os assaltos a comércios, pedestres e veículos são os maiores desencadeadores de roubo com morte. Por isso, o combate é considerado prioritário.
Em relação aos furtos, a polícia percebe que a incidência é maior na região central da Capital. Já os roubos são mais pulverizados e variam de acordo com o tipo de estabelecimento alvo e com o período do ano. No caso dos furtos arrombamentos, as ocorrências normalmente se dão de madrugada, quando as lojas estão fechadas. Já os assaltos ocorrem durante o horário comercial, muitas vezes com uso de arma. Há também casos de emprego de faca, embora sejam menos comuns.
Nos assaltos, o principal objetivo dos criminosos costuma ser pegar dinheiro e celulares. Em alguns casos, roubam também equipamentos como notebooks, que podem ser transportados com facilidade. Há ainda outros delitos, que são voltados para estabelecimentos específicos, como joalherias, por exemplo, nos quais os criminosos levam joias e relógios.
Alguns criminosos se especializam nesse tipo de crime e acabam atacando o mesmo perfil de estabelecimento. Padarias, mercados, postos de combustíveis, salões de beleza e farmácias estão entre os alvos frequentes dos assaltantes. Foi o caso de um suspeito preso em janeiro deste ano em Porto Alegre, apontado como possível autor de pelo menos seis roubos em Porto Alegre somente no mês de janeiro. Quatro deles foram contra farmácias, nos bairros Santana, Jardim Botânico, Partenon e Azenha.
— Após essa prisão, percebemos uma redução desse tipo de assalto a farmácia — afirma a delegada.
A polícia chegou a criar grupos de WhatsApp com as farmácias para agilizar a chegada de informações, no caso de alguma ocorrência desse tipo. Assim como neste caso, em muitos a polícia depara com criminosos contumazes, com histórico de reincidência nos assaltos.
— No crime de roubo, muitos já possuem antecedentes, inclusive no mesmo tipo de estabelecimento. É preso, sai e retorna para o mesmo tipo de crime — explica.
Como forma de tentar combater esse tipo de crime, a polícia aposta na troca de informações com a BM e entre as delegacias, já que alguns criminosos atuam em diferentes bairros. Além disso, busca atuar no combate à receptação, já que muitos dos produtos roubados ou furtados acabam revendidos.
— Cada vez mais, estamos buscando aperfeiçoar as investigações, com uso de inteligência e investimentos nessa área, para conseguir reduzir esse tipo de crime — diz a delegada Adriana.
Chefe de operações do Comando de Policiamento da Capital, o major Fabrício Jung Zaniratti afirma que a BM busca coibir esse tipo de crime com ações preventivas:
— Por meio da patrulha comercial instituída nos batalhões, em horário que atenda às demandas do comércio e dos bancos. Também, com base na análise criminal, são estabelecidos pontos de maior atenção e, nos principais pontos comerciais, há a atuação do policiamento tanto a pé quanto em viaturas, sejam essas automóveis ou motos.
Dicas
- Em caso de assalto, a orientação da polícia é para que as vítimas evitem reagir. Criminosos costumam estar armados e, por vezes, estão em duplas ou trios, o que pode colocar a vida da vítima ou de outras pessoas em risco. Oriente seus funcionários sobre isso
- Evite expor ou contar dinheiro na frente dos clientes. Isso pode ser um atrativo aos criminosos. Ainda sobre valores, evite manter uma rotina, como ir ao banco sempre no mesmo horário
- Após o roubo ou furto, registre a ocorrência o mais breve possível e com maior detalhamento que conseguir. A comunicação do fato é importante para a polícia poder investigar o crime e para a BM articular ações preventivas
- Instalar equipamentos de segurança, como câmeras em pontos estratégicos, pode auxiliar a coibir ou ter registro em casos de o assalto ocorrer. Se tiver câmeras de segurança, ceda as imagens o mais breve possível para os órgãos policiais
- Se possível, busque preservar o local do assalto, que pode permitir a realização de uma perícia, por exemplo, para recolher impressões digitais dos criminosos
Fonte: Polícia Civil-RS