A Polícia Civil abriu, nesta terça-feira (14), sindicância para apurar o motivo de o autor do feminicídio de Kelly Lidiane Carvalho Moreira, 36 anos, ter sido solto no último sábado (11), em Uruguaiana, na Fronteira Oeste. O procedimento tem prazo de 30 dias, podendo ser prorrogado por pelo menos mais 15 dias.
A delegada plantonista — no início havia sido informado que se tratava de um delegado — entendeu que não configurava prisão em flagrante o fato de o suspeito ter agredido a vítima. Mas, logo após ser liberado da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), Guilherme Pansardi Grisóstimo voltou até a casa da companheira e desferiu pelo menos quatro golpes de faca contra ela.
A mulher morreu a caminho do hospital. Ela mantinha relacionamento com o investigado havia um ano e estava grávida de cinco meses. Kelly deixou quatro filhos de uma relação anterior.
O diretor do Departamento de Polícia do Interior (DPI), delegado Nedson de Oliveira, diz que o objetivo da sindicância será apurar se houve falha, omissão ou problema de comunicação que levou a plantonista a liberar o agressor.
— Isso tudo será objeto da sindicância. Onde houve falha nas informações, que tipo de informação chegou deficiente à delegada ou se ela tinha as informações completas e, mesmo assim, entendeu em não autuar em flagrante o suspeito — diz Oliveira.
Pela tarde, o diretor do DPI irá decidir se o caso será apurado pela Delegacia Regional de Alegrete, a qual a região de Uruguaiana faz parte, ou com a Corregedoria de Polícia Civil. A Delegacia Regional já começou as primeiras apurações. A próxima etapa será ouvir Amanda Andrade, a delegada plantonista da DPPA de Uruguaiana.
Oliveira ressalta que a delegada está transtornada, principalmente porque está em início de carreira, em estágio probatório, e por ser reconhecida por também atuar no combate à violência contra as mulheres.
A conclusão da sindicância será apresentada no Conselho Superior de Polícia. Entre as sanções possíveis, estão advertência e suspensão. Como está em estágio probatório, pode até ser desligada. A delegada Amanda Andrade afirmou que não havia registro anterior de ocorrência entre eles e que solicitou medida protetiva de urgência para a vítima após o relato de agressão (leia nota abaixo).
Em relação ao feminicídio, a polícia abriu inquérito após a prisão em flagrante de Grisóstimo. Ele teve prisão preventiva decretada. GZH ainda tenta localizar a defesa dele para contraponto.
O Tribunal de Justiça afirma que, apesar de a polícia solicitar medidas protetivas de urgência para a vítima após o primeiro registro de agressão, o pedido de prisão em si e as ações de proteção foram postuladas no Justiça depois do assassinato de Kelly.
Em entrevista o programa Timeline, da Rádio Gaúcha, Fayda Belo, advogada especialista em crimes de gênero, afirmou que o atendimento policial falhou ao não registrar o flagrante:
— No momento que a mulher relata a violência, o policial precisa levar essa mulher até um local que ela fique segura. Por que isso não foi realizado? Outro ponto, este homem tinha de ser, naquele instante, ainda que não ficasse preso, removido de um local que ficasse próximo à vítima.
Posicionamento
Nota da delegada Amanda Andrade
A respeito do fato ocorrido na madrugada de 12 de fevereiro último, a Polícia Civil esclarece que ratificou a prisão em flagrante e representou pela prisão preventiva do autor do feminicídio ocorrido em Uruguaiana. Esclarece que prontamente foram adotadas as medidas inicialmente cabíveis no momento da apresentação da ocorrência. Ressalta-se que, antes da ocorrência do crime, foram representadas pelas medidas protetivas de urgência cabíveis.
Esclarece-se que a vítima em princípio não queria ir à Delegacia, tendo sido convencida por familiares a comparecer. Atendida na Delegacia de Polícia, inicialmente não queria fazer o registro na unidade policial, mas foi devidamente orientada a solicitar medida protetiva e a fazer o registro da ocorrência. Assim, com base nos elementos apresentados à autoridade policial no momento da lavratura da ocorrência, a medida cabível era o encaminhamento à Justiça de pedido de Medida Protetiva de Urgência, o que foi feito ainda na madrugada do dia 12.
A Polícia Civil, em sua esfera, adotou de pronto as medidas investigativas preliminares, porém, infelizmente, fatos que não estavam dentro do domínio da Polícia Civil culminaram na morte da vítima. Foi representado ao Poder Judiciário pela conversão da prisão em flagrante em preventiva, devendo tal pedido ser apreciado nas próximas horas. Reitera-se o compromisso da Polícia Civil com a aplicação da lei penal, objetivando a devida responsabilização do autor pelos fatos ocorridos.