Era o domingo de Páscoa de 2006 quando Daniel Barbosa Simões foi visto pela última vez. O morador de Pelotas, que na época tinha 18 anos, estava voltando para casa, por volta das 19h, após participar de um churrasco com os amigos. Ele disse que precisava acordar cedo para o trabalho no dia seguinte e se dirigiu a uma parada de ônibus antes de desaparecer.
Desde então, Marlene Simões, a mãe de Daniel, mobiliza buscas e até mesmo investigações particulares para tentar encontrá-lo. Seu trabalho a levou a locais de Pelotas e outras cidades, mas nunca teve qualquer pista do que poderia ter acontecido.
Mesmo após 16 anos, ela ainda tem esperanças de poder ter alguma resposta. A investigação policial da época não apontou qualquer explicação. Além disso, o caso não possui características consideradas comuns, pois o rapaz não tinha desafetos e nem qualquer envolvimento com criminosos.
E esse não é um caso isolado. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em junho deste ano, no Brasil foram registrados 65,2 mil desaparecimentos e 31,7 mil pessoas localizadas em 2021. O Rio Grande do Sul chegou à marca de 6,3 mil desaparecimentos e 6,2 mil localizações. Vale ressaltar que nem todos os casos de pessoas localizadas dizem respeito ao ano de desaparecimento. Na maioria das vezes, os desaparecidos são crianças e adolescentes.
Segundo a delegada Walquíria Meder, de Pelotas, nos casos de desaparecimento após tantos anos, como no de Daniel, as chances de encontrar a pessoa são baixíssimas. Contudo, não é possível descartar qualquer possibilidade. Ela conta que Marlene a procurou para saber se havia alguma possibilidade de fazer uma projeção de como o filho estaria atualmente, aos 34 anos, para poder seguir com as buscas. Desse modo, o pedido foi feito junto ao Instituto Geral de Perícias do RS para que a composição gráfica fosse realizada através de um trabalho em conjunto do Departamento Médico Legal (DML) - Seção de Antropologia Forense com o Departamento de Criminalística.
— A imagem é muito realista e se consegue perceber perfeitamente os traços do Daniel, mas na figura de uma pessoa mais velha. Dona Marlene se emocionou olhando a projeção do rosto que o filho teria hoje — revela a delegada.
Perícia em ação
O processo é chamado de "aproximação facial forense". O trabalho pode ser usado na progressão de idade de pessoas desaparecidas, cadáveres em estado avançado de decomposição e em retratos falados — o uso mais comum.
Não são utilizadas quaisquer ferramentas e programas específicos no trabalho, pois o que importa é o conhecimento do perito e, em muitos casos, deduções. Softwares populares de edição de imagem costumam ser o suficiente, mas os profissionais podem optar por outros meios, como desenho a mão livre ou modelagem 3D.
A perita do DML do IGP-RS, Rosane Baldasso explica que, para realizar a projeção, são analisadas fotos tanto do desaparecido quanto de seus pais. Além disso, muitas vezes os critérios utilizados são mais subjetivos.
— Por exemplo: crianças não possuem um queixo proeminente, mas caso o pai possua, é possível presumir que ela venha a ter quando ficar mais velha, mas não é certo que vá acontecer. O cabelo tende a escurecer com o passar do tempo, mas se os pais tiverem cabelos claros, esse escurecimento na aproximação facial é suavizado. Assim por diante — esclarece.
No caso de Daniel, a peça elaborada seguiu esse procedimento. Para realizar o trabalho, foram analisadas as características anatômicas tanto do próprio desaparecido quanto de seus pais. Os peritos fizeram projeções de traços que iriam se desenvolver com o passar dos anos.
Segundo Rosane, alguns efeitos do envelhecimento são lógicos e graduais, mas há outros fatores que também devem ser considerados no processo de simulação. Exemplo disso são a ancestralidade do indivíduo, o estilo de vida, a influência de fatores ambientais, variações no peso corporal, quedas de cabelo, perdas dentárias e condições gerais de saúde. Esses fatores não seguem um padrão previsível.
Outro desafio do trabalho são as rugas. De acordo com a perita, não existe qualquer tipo de padrão no desenvolvimento das dobras da pele do rosto. Ela destaca estudos que apontam diferenças significativas até mesmo em gêmeos idênticos conforme o passar do tempo, o que pode deixar os irmãos cada vez mais "diferentes". Nesse caso, a progressão de pessoas mais velhas fica ainda mais complexa.
Após estarem prontas, as peças gráficas são divulgadas nas unidades do Departamento Médico Legal, nas delegacias de polícia e também na mídia. Caso alguém suspeite de que a aproximação indica um conhecido, vai ser recolhida uma amostra de DNA de algum parente próximo do desaparecido e comparado para confirmar a identidade.
— Estamos agora analisando se ainda existe algo que se possa fazer para descobrir o que aconteceu com o Daniel. Apelamos para que se alguém tenha qualquer informação sobre o que aconteceu com ele nos procure, e garantimos o sigilo. Nossa maior expectativa agora é poder dizer para dona Marlene que ela pode encerrar suas buscas, descansar, e deixar a vida dela seguir — concluí a delegada Walquíria.
Identificação de corpos
Em determinadas circunstâncias, o trabalho de aproximação facial forense também pode ser feito em cadáveres em estado avançado de decomposição. Uma das situações para empregar essa técnica é quando são esgotadas todas as possibilidades de identificação direta de um corpo, como por exemplo por meio de análise de DNA, impressões digitais e arcada dentária. Ou então é usado para reduzir custos com a identificação, diminuindo a necessidade de análise no Banco Nacional de Perfis Genéticos.
Para se fazer o trabalho, é necessário primeiro que se tenha disponível a ossada ou, pelo menos, o crânio do indivíduo. A partir disso, são feitas medições que vão passar por uma análise para serem estipulados sexo e ancestralidade, dentre outras características.
Caso o crânio tenha sido danificado por algum motivo, o trabalho ainda é possível, mas existem complicações. Isso ocorre porque o próprio processo de "reconstrução" da ossada se torna uma aproximação do que era antes, o que deixa o resultado final impreciso e pode atrapalhar a identificação.
— Quando o crânio está danificado, o ideal é que se esgotem as possibilidades de identificação pelas outras formas diretas, como DNA ou impressões digitais. Nesses casos, o processo de aproximação facial é usado como último recurso — conclui Rosane.
Produção: Gabriel Mattos