
Entre a rotina de aulas e os turnos de estágios, sem faltar do futebol da turma ou do samba do fim de semana, Wesley Ferreira da Nova, 24 anos, fazia a diferença positivamente na comunidade acadêmica da Unipampa em Uruguaiana. O estudante de Educação Física participava das atividades recreativas da atlética (um tipo de associação recreativa de alunos) da qual seria presidente em breve com o mesmo afinco com que propunha debates sobre a inserção de mulheres no mundo da prática esportiva em grupos de pesquisa acadêmica.
Em uma festa na madrugada do último dia 19, Wesley se desentendeu com um homem que sua ex havia conhecido há poucas horas. Por motivos ainda investigados pela Polícia Civil, mas sem que tenham trocado agressões físicas ou ameaças, segundo testemunhas, um tiro foi disparado pelo desafeto dele, que é sargento da 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, e a bala o atingiu. O estudante ainda foi socorrido por amigos, mas não resistiu ao ferimento. O militar, Edylucas dos Santos Silva, 26, confessou o crime e está preso desde então.
— Todos sentimos de uma forma muito forte a perda dele (Wesley). Era um cara dedicado e um exemplo muito especial de aluno e trabalhador, batalhador pelo que queria e acreditava — comenta a professora e mentora dele na Unipampa, a doutora em Educação Física Fernanda Stein.
— Tinha muitas metas e era incansável na busca de seus sonhos. Nossa dor é gigante — complementa a professora de Wesley e assessora de Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão da Unipampa, doutora Marta Iris da Silveira.
Marta e a comunidade acadêmica realizaram passeata pedindo justiça pela morte do amigo no último sábado (25). A memória do aluno seguirá eternizada fisicamente com uma placa em homenagem a ele. A quadra poliesportiva mais nova do ginásio principal da Unipampa, inaugurada antes da pandemia, levará o seu nome.

— Ele era atleta do basquete e do futebol e participava de jogos estudantis. Era apaixonado por sua escola de samba, Os Rouxinóis, pela qual desfilava sempre — relembra Marta.
— O Wesley gostava de estar no meio da galera, era bem “povão”, brincalhão, e fazia amigos com facilidade. Era competitivo, estava sempre organizando os jogos da atlética, participando até de cabo de guerra ou apoiando os amigos de fora da quadra — complementa a colega de graduação e amiga Manuella da Silva, 21.
Wesley era natural de Uruguaiana e se matriculara na Unipampa em 2018 para o curso de Farmácia. Em 2019, procurou a professora Fernanda para saber como era a Educação Física, graduação dos sonhos dele. Em 2020, conseguiu a transferência. Além de estudar para ser educador físico, cursava também Recursos Humanos e trabalhava em uma agência bancária da cidade.
— Era um dos meninos mais preocupados com a inserção de mulheres na prática esportiva, participando até do grupo de estudos acadêmicos sobre o tema. Era algo muito especial dele, essa percepção dos elementos e contextos que envolvem uma universidade, e isso se estendia também aos relacionamentos dele com todas as turmas da graduação, sempre propondo ideias para melhorar a experiência dos colegas e dos professores — descreve Fernanda.
Wesley deixa a mãe e uma irmã mais nova, com quem morava em Uruguaiana.
Inquérito na Justiça comum
O autor confesso do crime está detido em uma prisão militar da Fronteira Oeste, mas o inquérito segue na Justiça comum. Segundo a comunicação da 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, Edylucas tinha autorização para portar a arma, de acordo com o Decreto Presidencial nº 9.847 de 25 de junho de 2019. Ele é natural do Pará e foi transferido a Uruguaiana em 2020. O delegado Matheus Rosa afirma que o militar alegou que o tiro foi dado em legítima defesa.
— Nesta semana, o inquérito será remetido à Justiça comum. O militar alegou legítima defesa, dizendo que a vítima havia tentado tirar a arma dele, porém, isso não foi confirmado por nenhuma testemunha. A ex-namorada do Wesley afirmou que conheceu o suspeito na própria festa. Ele não estava bêbado quando prestou depoimento — detalha o delegado.
GZH contatou o advogado José Roberto Gallarreta Zubiaurre, que representa o sargento, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.