A Justiça negou o pedido de reabertura da investigação do caso Gustavo dos Santos Amaral, jovem negro morto aos 28 anos durante uma barreira da Brigada Militar (BM) em Marau, no norte do Estado. No dia em que o caso completou um ano, em 19 de abril de 2021, a família da vítima entrou com o pedido de novas investigações, após contratar uma perícia particular que apontou divergências na conclusão da Polícia Civil — o inquérito foi finalizado afirmando que o policial que matou o rapaz agiu em legítima defesa putativa (ou imaginária), ao confundir o celular que Gustavo carregava com uma arma.
O Ministério Público (MP) deu parecer contrário ao pedido. O promotor de Justiça Bruno Bonamente entendeu que os elementos da perícia particular "em nada alteram a conclusão tomada pelo Ministério Público" e que "não se tratam de elementos novos, mas sim de uma reinterpretação das provas já existentes". A juíza Margot Cristina Agostini, da Comarca de Marau, concordou com o relatório da promotoria. A magistrada também entendeu que não havia novas provas e que o MP é o titular da ação penal, sendo o responsável pelos pedidos de desarquivamento.
Irmão gêmeo de Gustavo e engenheiro eletricista como ele, Guilherme dos Santos Amaral lamentou a negativa do pedido, mas diz que já esperava por esse desfecho.
— Não é o primeiro e não foi o último caso que aconteceu nos últimos meses no Rio Grande do Sul em que a culpa é da vítima. É extremamente perigoso o que o Ministério Público fez, autorizando a pessoa a matar por imaginação — declarou o jovem.
O advogado da família, Daniel Tonetto, afirma que ainda estuda qual recurso irá adotar após a negativa.
O MP encaminhou nota sobre o caso:
"O Ministério Público em Marau atuou sempre dentro da técnica jurídica, atentando-se à análise de todo o contexto fático e probatório do caso concreto. À mingua de fatos novos, o desarquivamento fica impossibilitado pois houve reconhecimento anterior da legítima defesa putativa.
No entanto, é preciso recordar que, desde os fatos, o Ministério Público tem atuado com rigor para responsabilizar os assaltantes que deram causa ao ato e motivaram a atuação da Brigada Militar, sendo que ambos permanecem presos e já há contra eles sentença de condenação em primeiro grau."
Já os advogados dos policiais do caso de Gustavo, José Paulo Schneider e Ricardo de Oliveira de Almeida, concordaram, em nota, com a conclusão do MP e da Justiça. "Pretendeu-se, na verdade, dar nova roupagem e interpretação a provas antigas, que já haviam sido analisadas à exaustão pelas autoridades competentes", ressaltaram.
A decisão é de 8 de julho. No entanto, a publicação em nota de expediente — quando as partes são informadas — ocorreu em 26 de agosto.
Repercussão do caso
A morte de Gustavo gerou protestos e repercussão política, levando à criação de um grupo de trabalho no governo do Estado para discutir e sugerir mudanças em abordagens. Uma das conclusões em documento entregue ao governador Eduardo Leite é a instalação de câmeras corporais em policiais. O vice-governador e secretário da Segurança, Ranolfo Vieira Júnior, afirma que a intenção do governo é que os agentes de segurança passem a usar o equipamento até o final de 2022.
Além disso, um projeto de lei que obriga que policiais usem câmeras junto ao uniforme leva o nome de Gustavo e foi protocolado pela deputada Luciana Genro (PSOL). A iniciativa já passou na Comissão de Constituição e Justiça e segue para análise da Comissão de Segurança e Serviços Públicos. Caso haja vontade da maioria dos líderes, pode ser votado em plenário.
A morte de Gustavo se deu na RS-324, em Marau. Ele estava indo trabalhar com a Doblò da empresa do pai, ao lado de colegas, quando deparou com a barreira da BM em busca de assaltantes de um carro. O veículo que era procurado surgiu em seguida e bateu no carro dele. Assustado, o engenheiro desceu do seu veículo e tentou se esconder. Naquele momento, um policial se aproximou e abriu fogo, acreditando que Gustavo era um dos criminosos.
Testemunhas afirmam que chegaram a alertar o policial de que ele estava se equivocando. Funcionário que estava no carro com Gustavo, o montador eletricista Evandro Motta, 31, detalhou o que viu.
— Gustavo entrou em choque, estava apavorado, e quis correr para se proteger dos tiros. Nisso, avistei um policial passando e comecei a gritar "não atira, não atira, é o dono da empresa". O policial passou em nossa frente e efetuou os disparos, sendo que um atingiu o ombro do nosso chefe. Em momento algum ele deu voz de prisão ou pediu para que o Gustavo levantasse o braço — narrou Motta.
Na conclusão do inquérito, o delegado à frente do caso, Norberto dos Santos Rodrigues, afirmou que houve uma série de "coincidências infelizes, aliado ao comportamento da vítima, que estava em pânico".
— As circunstâncias que se apresentaram para o policial militar, naquele milésimo de segundo, naquela ocorrência, o enfrentamento que teve com a vítima nas coincidências infelizes. O criminoso e a vítima usavam casacos similares. A vítima correu em trajeto semelhante ao que o criminoso fez — justificou, à época, o delegado.
Após a conclusão do inquérito, o caso chegou a ficar 42 dias parado na delegacia de Marau. Ele foi entregue à Justiça dias após a reportagem de GZH detalhar que o documento não havia sido encaminhado. A chefe de polícia, Nadine Anflor, chegou a se reunir com a família para explicar o ocorrido.
Um protesto, em setembro do ano passado, reuniu em Porto Alegre integrantes de movimentos antirracistas, que criticaram a ação policial. A carreata terminou em frente à sede do MP, onde os manifestantes gritaram por justiça.
Confira nota enviada pela defesa dos PMs:
"Nota Oficial
É com respeito e tranquilidade que a defesa recebe a decisão de manutenção do arquivamento das investigações que apuraram a morte do Engenheiro Gustavo dos Santos Amaral.
A manifestação do Ministério Público e a decisão da Juíza Titular do caso somente confirmam aquilo que esta defesa alertou à época do pedido de reabertura: as soluções jurídicas aplicadas pelas autoridades competentes foram adequadas e encontram respaldo na doutrina, jurisprudência e na Lei.
Ademais, ficou provado que a perícia apresentada pelo advogado da família não trouxe qualquer fato novo. Pretendeu-se, na verdade, dar nova roupagem e interpretação a provas antigas, que já haviam sido analisadas à exaustão pelas autoridades competentes.
Ressalta-se que não há nada que possa alterar a trágica realidade e o sofrimento pela perda de um ente querido. Porém, a lisura e correção da apuração dos fatos traz à sociedade gaúcha a certeza de que Gustavo não foi vítima de execução e que não houve abuso por parte dos Policiais Militares naquele fático 19 de abril.
A defesa espera que esta nova decisão possa colocar um ponto final a este doloroso embate judicial. Espera-se, ainda, que se tenha respeito às instituições e à boa-fé dos honrosos agentes públicos que trabalharam de forma célere, técnica e imparcial para elucidar esse tráfico caso.
Por fim, registra-se o cumprimento desta defesa a todos os Policiais Militares que fazem dos seus dias as noites e das suas noites os dias em prol segurança de cada um de nós. Honrosos homens e mulheres que saem de casa sem saber se retornarão ao final do dia e que muitas vezes não recebem o reconhecimento e o respeito que merecem.
Ricardo de Oliveira de Almeida
OAB/RS 104.666
José Paulo Schneider
OAB/RS 102.244
Escritório Zimmermann Almeida
OAB/RS 6.292"