Um conselheiro tutelar de Capela de Santana, município de 12 mil habitantes no Vale do Caí, acabou afastado do cargo por decisão judicial nesta semana, por acessar e armazenar pornografia, inclusive durante o expediente. O caso é alvo de ação civil pública movida pelo Ministério Público (MP) e, em paralelo, de investigação da Polícia Civil — que apura se o servidor de 48 anos pode ter cometido algum crime. Em depoimento à polícia, ele confirmou os acessos.
Em março do ano passado, a Polícia Civil foi informada pelo próprio Conselho Tutelar sobre os supostos acessos que teriam sido realizados pelo servidor, que não teve o nome informado. O MP também foi procurado pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (Comdica) e passou a apurar o caso. Segundo a promotora Cristine Zottmann, um dos relatos foi feito por uma pessoa que buscou atendimento no local.
— Essa pessoa, quando foi procurar os serviços, viu um site aberto e ficou incomodada com o conteúdo — explica a promotora.
Segundo o delegado Alexandre Quintão, o servidor foi ouvido e reconheceu ter feito os acessos. Ele negou, no entanto, que tenha acessado qualquer conteúdo desse tipo com crianças ou adolescentes — o que poderia configurar crimes relacionados à pornografia infantil, como armazenamento ou distribuição. Os computadores do órgão foram apreendidos e encaminhados para análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP).
— Em um dos computadores, foi encontrado um vídeo pornográfico e pelo histórico, foi possível ver que ele acessava sites de pornografia. Ele foi interrogado, confirmou que olhava os sites, mas que nenhum deles era de pornografia infantil. A gente está aguardando a chegada da perícia para ver se houve a prática de algum crime, que seria se envolvesse criança ou adolescente, ou apenas uma infração administrativa — afirma o delegado.
Na segunda-feira (28), a pedido do MP, a Justiça determinou o imediato afastamento não remunerado do conselheiro. A medida tem caráter provisório, enquanto tramita a ação civil pública. O pedido da promotora é que, ao final, ele tenha a perda definitiva do mandato como conselheiro, mas isso dependerá do andamento da ação.
— Queríamos aguardar para ver se teria retorno da perícia, para também ter mais elementos e não agir de forma precipitada. Mas, entendeu-se que o Conselho Tutelar tem de ser um órgão que passa segurança e confiança para quem busca atendimento e, por isso, foi pedido o afastamento provisório, enquanto tramita a ação — explica Cristine.
Segundo a promotora, o que foi apurado até o momento aponta para o consumo de pornografia, mas não há nenhum relato referente ao atendimento de crianças e adolescentes que pudesse configurar algum tipo de crime:
— Não temos notícia de que alguma criança tenha sofrido qualquer tipo de conduta desse tipo por parte do conselheiro. Mas é importante reforçar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a proteção deve ser integral. Entendemos que o afastamento é essencial nesse contexto.
Na decisão, a juíza Mariana Motta Minghelli também destacou que a medida busca “salvaguardar o bom conceito do órgão perante a opinião pública e tutelar garantias de crianças e adolescentes, de natureza fundamental, diante dos fortes indícios de inidoneidade do demandado”.
Segundo a promotora, os relatos indicam que o servidor teria sido alertado inicialmente sobre os acessos e que, mesmo assim, teria voltado a repetir a conduta. Ela entende que a decisão do afastamento é também uma forma de proteger os outros conselheiros, com atuação idônea.
— É uma forma de resguardar o trabalho prestado pelos bons conselheiros, que são inúmeros. Não se pode aceitar que o serviço público seja prestado de forma ineficiente ou indevida. É importante lembrar também que ele estava ali porque foi eleito e que muitas vezes a população pouco participa da escolha, por falta de interesse. O conselheiro tutelar precisa ser alguém com vocação e vontade de trabalhar — afirma.
Para participar da eleição, o candidato precisa passar por curso de capacitação e prova de conhecimentos, mas a escolha final é da população, por meio do voto. Os conselheiros que atuam em Capela de Santana assumiram a gestão em 10 de janeiro de 2020, após eleição em outubro de 2019. Conforme edital divulgado pelo município, os conselheiros devem cumprir expediente de 40 horas semanais e recebem remuneração de cerca de R$ 2 mil.
O Comdica de Capela de Santana informou no início da tarde que recebeu a notificação nesta terça-feira (29) e que já tomou as medidas determinadas pela Justiça. Um conselheiro, suplente na eleição, assumirá o cargo. Os encaminhamentos foram realizados ainda pela manhã.
— Mais do que isso, não podemos informar, em razão do segredo de justiça — afirmou a presidente do Comdica, Eloisa de Lima dos Santos.