A Polícia Civil indiciou quatro pessoas por suspeita de estelionato e sonegação fiscal no caso da fábrica de móveis Shabby Chic, acusada por clientes de vender e não entregar móveis em Igrejinha, no Vale do Paranhana. O inquérito foi finalizado na terça-feira (19) e remetido ao Judiciário.
A Polícia Civil não informa o nome dos indiciados, que são dois homens apontados como sócios da empresa e as companheiras deles. A investigação, da Delegacia de Polícia de Igrejinha, recebeu cerca de 30 ocorrências citando a suposta fraude, registradas em diversos municípios do Estado, como Porto Alegre, Santa Maria, São Vendelino e Novo Hamburgo, além do Estado de Santa Catarina.
— O indiciamento por estelionato ocorre por conta da sequência de inadimplência, principalmente após receber o dinheiro e não entregar os móveis. Isso não só aqui, na Shabby Chic, mas também desde o tempo da Império da Madeira, em Campo Bom — afirmou o delegado Ivanir Caliari.
Durante a investigação, a empresa alegou problemas com matéria-prima, mão de obra e comunicação ao justificar as pendências em relação aos clientes. As medidas sanitárias diante da pandemia de coronavírus também foram citadas pela fábrica na justificativa.
O delegado afirma que esses argumentos, principalmente o da matéria-prima, seriam plausíveis, ainda mais em um contexto de pandemia, mas destaca que essas mesmas explicações eram utilizadas na época da empresa em Campo Bom, também alvo de denúncias de clientes por não entregar os produtos, em anos anteriores.
Sobre o indiciamento por sonegação fiscal, o delegado afirma que os responsáveis pela empresa usavam benefícios de redução de encargos fiscais de microempreendedor individual (MEI), mas atuavam como uma microempresa, com 10 ou mais funcionários.
Um dos investigados, que se diz sócio-proprietário da unidade, afirmou que as transações seriam feitas via e-commerce, o que geraria um tipo diferente de estorno para os clientes em caso de não entrega dos móveis. O delegado afirma que os responsáveis não visavam garantir o estorno aos compradores. Após vencer o prazo inicial de entrega, os suspeitos dariam sucessivas novas datas de entrega para ganhar tempo e receber os valores mesmo sem entregar os móveis, conforme a investigação da polícia.
— Há indícios de que acontecia essa situação, de postergar a entrega para que o dinheiro financeiro da intermediadora fosse encaminhado para ele e depois, enfim, não se repassava de volta para a vítima, causando uma lesão patrimonial — explica o delegado.
Caliari também cita que colheu informações de pagamento feito via depósito bancário, que reforça a não intenção de ressarcir a vítima.
A Polícia Civil não informa o total do revés financeiro aos clientes da empresa. Pessoas que afirmam terem sido lesadas pela Shabby Chic citam prejuízos que somados chegam a cerca de R$ 40 mil. O valor é o montante citado por 16 pessoas contatadas pela reportagem de GZH. No entanto, essa quantia pode aumentar, pois um grupo que reúne consumidores que alegam pendência com a empresa soma cerca de 30 participantes, número parecido com o de ocorrências anexadas ao inquérito policial.
Mudança de endereço
No site e nas redes sociais, a empresa informa endereço no centro de Igrejinha, local que também foi palco de negociações para compra de produtos, segundo alguns clientes. No entanto, a polícia apurou que o MEI da unidade tem registro em Campo Bom.
O delegado Caliari relata que o empresário teria informado planos de instalar uma unidade da empresa em Pantano Grande, no Vale do Rio Pardo. No entanto, segundo o delegado, o histórico recente da fábrica, com reclamações de clientes e os mesmos argumentos para justificar a não entrega dos móveis põe dúvidas sobre esse fato.
— Ele alegava que em Pantano Grande seria uma extensão da Shabby Chic de Igrejinha, mas faticamente não se coaduna muito, porquê se você já tem uma empresa totalmente irregular, como é que você vai abrir uma extensão de uma microempresa individual? — salienta Caliari.
No entendimento do delegado, a mudança para Pantano Grande poderia ocorrer nos mesmos moldes da saída de Campo Bom para Igrejinha, acumulando novos clientes que poderiam ser lesados.
O caso
A maioria das vítimas informam cenário parecido. Clientes visualizam determinado móvel via internet, no site ou nas redes sociais da empresa, negociam a compra e efetuam parte do pagamento para confecção ou apenas entrega do objeto. Após o repasse do dinheiro, começa a falta de respostas ou sucessivas mudanças de prazos para entrega. Na maioria dos casos, o móvel comprado não é entregue.
O local informado pela empresa como sede de sua fábrica, em Igrejinha, foi interditado na semana passada em razão de uma série de irregularidades apontadas em ação da polícia e da prefeitura de Igrejinha.
Durante a ofensiva, constatou-se a ausência de documentação compatível com a produção e número de funcionários da fábrica. Os agentes também verificaram que a unidade atuava sem alvará da prefeitura de Igrejinha e as devidas licenças específicas para atividades com matéria-prima em madeira.
A informação de que a empresa estaria atuando sob o regime de MEI, com registro em Campo Bom, colhida no início da investigação, foi um dos elementos que ajudou na linha de apuração no sentido de irregularidades em relação à atuação em Igrejinha.
O que diz a empresa
Wander Luiz Moreira Souza, que se apresenta como sócio-proprietário da empresa Shabby Chic, afirma, por meio de nota, que tem documentos que comprovam a ausência de crime e que esses dados serão utilizados durante o processo:
“Temos toda a documentação que comprova que não foi cometido crime algum, será apresentado em juízo, pois na delegacia não foi proporcionada a chance de defesa. Estamos tranquilos quanto a legalidade de todas as negociações e que, com certeza, isso ficará comprovado”.
Em posicionamento anterior, Souza, informou que, em relação ao registro da empresa e aos documentos que estariam em falta, "o registro estava em processo inicial de alteração" e que, no momento da operação, "trabalhava para resolver as pendências e atrasos já mencionados".
Sobre os atrasos na entrega dos móveis, ele afirma que “são pontuais em determinados produtos, mais especificamente, em cozinhas sob medida, nas quais se utiliza madeira Pinus Densa, com teor de umidade baixo”. Segundo o empresário, desde outubro a fábrica sofre com “escassez dessa matéria-prima”. A baixa oferta de mão de obra qualificada também está entre os problemas citados por Souza.
“Porém, novamente, ressaltamos que é um problema pontual, que se estenderá até fevereiro, visto que estamos trabalhando diariamente na resolução desses problemas, com produção em capacidade máxima em nossa fábrica. Em outubro, entregamos 169 pedidos, em novembro, 121, e em dezembro, 104. No momento, contamos com aproximadamente 17 pedidos em atraso, o que representa menos de 10%, do total de vendas do período. Ressaltamos que estamos esclarecendo junto às autoridades o ocorrido e ficamos à disposição para mais esclarecimentos, reafirmando que todos os pedidos serão entregues”, disse em nota.