Além dos relatos de possível fraude na venda de produtos, a fábrica de móveis Shabby Chic, em Igrejinha, no Vale do Paranhana, também entrou na mira dos órgãos de fiscalização. Desde terça-feira (12), o local informado pela empresa como sede está interditado em razão de uma série de irregularidades apontadas em ação da polícia e da prefeitura de Igrejinha.
O secretário de Planejamento e Meio Ambiente, Jeferson Lorenzão, explica que, apesar de a empresa informar que atua em Igrejinha, não existe nenhum registro oficial da unidade no município. O local seguirá interditado até o esclarecimento dos fatos, segundo o titular da pasta. Lorenzão destaca que os responsáveis pela empresa não procuraram a secretaria para regularização nem antes nem depois da ação policial.
— É importante ressaltar que não existe nenhuma fábrica de móveis registrada no município, não existe nenhum alvará emitido, qualquer documento que autorizasse essa empresa a funcionar no endereço onde foi feita a operação — afirma o secretário.
O endereço da sede da fábrica, que consta no site e nas redes sociais da empresa, também foi citado por vítimas como local de encontro com os sócios para tratativas de encomendas, que não seriam cumpridas.
— Estamos trabalhando junto a Polícia Civil e temos o maior interesse em resolver esse caso o quanto antes, porque, apesar de o município ser citado como sede da empresa, essa empresa não existe, nunca existiu (na cidade) — pontua Lorenzão.
A informação de que a empresa estaria atuando sob o regime de micro empreendedor individual (MEI), com registro em Campo Bom, colhida no início da investigação, foi um dos elementos que ajudou na linha de investigação no sentido de irregularidades em relação à atuação em Igrejinha.
Durante a ofensiva da polícia e da prefeitura, constatou-se a ausência de documentação compatível com a produção e número de funcionários da fábrica. Os agentes também verificaram que a unidade atuava sem alvará da prefeitura de Igrejinha e as licenças específicas para atividades com matéria prima em madeira.
O gerente de camararia Alexander Engels, 42 anos, uma das vítimas que afirma ter sido lesado pela empresa, diz que a interdição do local é, de certa forma, um alívio, pois impede que novos clientes passem pelo mesmo transtorno enfrentado por ele.
— Eles continuavam abertos, arrecadando mais clientes. Nós (clientes lesados), que estávamos acompanhando tudo, achando isso um absurdo. Pelo menos deu um alívio — destacou.
Natural de Rio Grande e com mudança programada para Florianópolis, em Santa Catarina, após morar na Nova Zelândia, Engel teve o sonho de mobiliar a nova casa interrompido após transtornos com a Shabby Chic. O gerente afirma que pagou R$ 8,8 mil, o equivalente a 60% do total do pedido, e combinou a entrega e instalação das peças para setembro de 2020. Até hoje, ele não recebeu nem os móveis nem o dinheiro investido de volta.
A versão do sócio-proprietário
Até o momento, o inquérito da Polícia Civil conta com cerca de 25 ocorrências. Os relatos de vítima sobre prejuízos na compra de móveis com a empresa são de diversos municípios do Estado, como Porto Alegre, Santa Maria, São Vendelino, Novo Hamburgo, além de Santa Catarina.
A investigação contra a fábrica deve ser concluída nos próximos dias. Entre esta quinta-feira (14) e sexta (15), a Polícia Civil deve ouvir a quarta e última pessoa investigada no inquérito. Na última segunda-feira (11), um dos suspeitos, que se diz sócio-proprietário da empresa, afirmou em depoimento à polícia que as transações seriam feitas via e-comerce, o que geraria um tipo diferente de estorno para os clientes em caso de não entrega dos móveis.
Indícios colhidos pela Polícia Civil até o momento afastam essa possibilidade. O delegado Ivanir Caliari, de Igrejinha, explica que teve acesso a comprovantes onde uma das empresas responsáveis pela emissão de boletos de pagamento afirma que não retém valores.
Por enquanto, há indícios de que não procede aquele argumento, de que a empresa administradora repassando os valores pra ele, a vítima descontente com o atraso vai ser ressarcida por essa empresa. Não se confirmou.
IVANIR CALIARI
Delegado
— Por enquanto, há indícios de que não procede aquele argumento, de que a empresa administradora repassando os valores pra ele, a vítima descontente com o atraso vai ser ressarcida por essa empresa. Não se confirmou — afirmou.
Caliari também apura outros indícios que confrontam o argumento para o imbróglio baseado principalmente na transação via e-commerce. Um desses pontos seria o relato de algumas vítimas que citam pagamentos efetuados diretamente para os suspeitos. Nesse caso, a ausência de respostas sobre a entrega do produto e a não devolução do dinheiro também ocorriam.
— Inclusive, tem depósito pessoal direto para a conta dele. Seria uma outra modalidade de pagamento — explica o delegado.
O delegado afirma que segue investigando a questão das transações, citada pelo suposto sócio-proprietário.
Com base na apuração até o momento, Caliari afirma que existem traços parecidos entre o modo de operação e justificativas da empresa em Igrejinha com a fábrica Império da Madeira, que atuava em Campo Bom e era de propriedade de um dos investigados. Vítimas dessa outra empresa também relatam o mesmo problema: pagar pelo produto e não receber.
— Ele argumentou que os atrasos ocorriam por falta de material e mão de obra em razão de uma adesão à produção de móveis sob medida, que a empresa passou a ter aqui em Igrejinha. No entanto, a gente verificou esse mesmo subterfúgio na época da empresa Império da Madeira, em Campo Bom, quando a empresa trabalhava apenas com móveis fabricados em série. Isso nos chamou a atenção, que esse mesmo argumento é relatado desde final de 2018, com a não entrega por vítimas que pagavam até a totalidade — explica Caliari.
Contraponto
Wander Luiz Moreira Souza, que se diz um dos sócios da empresa Shabby Chic, informa, que, em relação ao registro da empresa e aos documentos que estariam em falta, "o registro estava em processo inicial de alteração" e que, no momento da operação, "trabalhava para resolver as pendências e atrasos já mencionados".
Sobre os atrasos na entrega dos móveis, ele afirma "são pontuais em determinados produtos, mais especificamente, em cozinhas sob medida, nas quais se utiliza madeira Pinus Densa, com teor de umidade baixo". Segundo o empresário, desde outubro a fábrica sofre com "escassez dessa matéria prima". A baixa oferta de mão de obra qualificada também está entre os problemas citados por Souza.
"Porém, novamente, ressaltamos que é um problema pontual, que se estenderá até fevereiro, visto que estamos trabalhando diariamente na resolução desses problemas, com produção em capacidade máxima em nossa fábrica. Em outubro, entregamos 169 pedidos, em novembro, 121, e em dezembro, 104. No momento, contamos com aproximadamente 17 pedidos em atraso, o que representa menos de 10%, do total de vendas do período. Ressaltamos que estamos esclarecendo junto às autoridades o ocorrido e ficamos à disposição para mais esclarecimentos, reafirmando que todos os pedidos serão entregues", disse em nota.