O coronel da reserva João Carlos Trindade, ex-comandante- geral da Brigada Militar (BM) e especialista em segurança pública e privada, afirma que a atuação dos homens que mataram João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, em um supermercado em Porto Alegre não seguiu as orientações técnicas que deveriam ser empregadas em casos dessa natureza.
— A sociedade não pode se acostumar com selvageria. Tem que reagir contra a selvageria. Aquilo lá não é técnica, é selvageria — afirmou.
Trindade, que também é membro do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado (Sindesp-RS) e diretor do Grupo Epavi, destaca os principais passos que devem ser seguidos nesse tipo de caso. O primeiro é baseado na conversa e na negociação exaustiva por tentar contornar a situação até a chegada da autoridade policial. Caso não haja efetividade nessa primeira etapa, os profissionais podem se revezar nessa conduta. O último estágio prevê a tentativa de imobilização, principalmente em casos onde os seguranças estão em maior número. Em situações onde não há supremacia da força, equipamentos como tasers (armas de choque) e sprays podem auxiliar na imobilização.
— O que não pode é espancar uma pessoa até matar. É uma brutalidade. Duvido que alguém tenha algum argumento para justificar.
Analisando o vídeo que mostra a ação dos dois homens contra Freitas, Trindade destaca que ambos tiveram a chance de imobilizar o cliente em mais de uma oportunidade, principalmente em momentos nos quais ele estava com as mãos para trás.
— Uma pessoa que já está com as mãos para trás, já tem alguém segurando, ela já está imobilizada. É questão de só segurar o braço dela. Dá para considerar imobilizada. Aí ela toma 11, 12 golpes na cabeça. É pura estupidez. Aí eu tenho de parar de falar, porque escapou da técnica. Não tem mais argumento — pontua o especialista.
Trindade reforça que empresas devem buscar informações detalhadas dos prestadores de serviço na área de segurança, ver se a situação está regular e se possuem profissionais capacitados. Segundo o coronel, também é importante contratar trabalhadores com treinamento específico para a área de atuação:
— Uma coisa é trabalhar em um estádio de futebol, outra coisa é trabalhar em um supermercado, outra coisa é trabalhar em um local isolado, na noite, no escuro, em um centro de distribuição. São tarefas diferentes.
Em relação a medidas que podem ajudar a evitar casos de agressão, o coronel da reserva cita como alternativas o reforço do treinamento, da fiscalização e a assinatura de convênios com institutos, empresas e instituições de ensino que combatem qualquer tipo de discriminação.
Sem comentar o caso específico, a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) informou que acompanha assuntos legais ligados ao setor por meio de departamento jurídico, auxiliando os associados, mas não tem uma cartilha ou manual de orientações específicas sobre atuação na área de segurança patrimonial, pois isso depende de cada estabelecimento.
Fiscalização na empresa responsável
A Polícia Federal informou que realiza fiscalização no Grupo Vector, responsável pela segurança no hipermercado Carrefour, onde a vítima foi morta. Dois homens foram presos em flagrante por homicídio triplamente qualificado. A PF destaca que um deles é vigilante profissional, com Carteira Nacional de Vigilante (CNV). No entanto, não há registro na Polícia Federal de seu vínculo profissional com o Grupo Vector. O segundo homem envolvido na ocorrência não possui Carteira Nacional de Vigilante. É um policial militar temporário, que, segundo informações preliminares, estaria trabalhando no local. Esse ponto ainda está sendo investigado.
Segundo a PF, fiscalização ordinária anual no Grupo Vector em 28 de agosto não encontrou irregularidades.
O que diz a Brigada Militar
"Imediatamente após ter sido acionada para atendimento de ocorrência em supermercado da Capital, a Brigada Militar foi ao local e prendeu todos os envolvidos, inclusive o PM temporário, cuja conduta fora do horário de trabalho será avaliada com todos os rigores da lei.
Cabe destacar ainda que o PM Temporário não estava em serviço policial, uma vez que suas atribuições são restritas, conforme a legislação, à execução de serviços internos, atividades administrativas e videomonitoramento, e, ainda, mediante convênio ou instrumento congênere, guarda externa de estabelecimentos penais e de prédios públicos.
A Brigada Militar, como instituição dedicada à proteção e à segurança de toda a sociedade, reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos e garantias fundamentais, e seu total repúdio a quaisquer atos de violência, discriminação e racismo, intoleráveis e incompatíveis com a doutrina, missão e valores que a Instituição pratica e exige de seus profissionais em tempo integral."
O que diz o Carrefour
"O Carrefour informa que adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso. Também romperá o contrato com a empresa que responde pelos seguranças que cometeram a agressão. O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada.
Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário. O Carrefour lamenta profundamente o caso. Ao tomar conhecimento deste inexplicável episódio, iniciamos uma rigorosa apuração interna e, imediatamente, tomamos as providências cabíveis para que os responsáveis sejam punidos legalmente.
Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais."
O que diz a empresa Vector
“O Grupo Vector, através de seu advogado, vem a público informar que lamenta profundamente os fatos ocorridos na noite de 19/11/2020, se sensibiliza com os familiares da vítima e não tolera nenhum tipo de violência, especialmente as decorrentes de intolerância e discriminação.
Informa que todos seus colaboradores recebem treinamento adequado inerente as suas atividades, especialmente quanto à prática do respeito às diversidades, dignidade humana, garantias legais, liberdade de pensamento, ideologia política, bem como à diversidade racial e étnica.
A empresa já iniciou os procedimentos para apuração interna acerca dos fatos e tomará as medidas cabíveis, estando à disposição das autoridades e colaborando com as investigações para apuração da verdade.”