O suspeito de ter estuprado uma mulher durante um assalto no bairro Bela Vista, em Porto Alegre, foi indiciado nesta sexta-feira (9) por duas tentativas de ataques a outras vítimas. O inquérito sobre o estupro consumado será remetido neste sábado (10) - a polícia aguarda perícia para encaminhar os autos. Os três casos aconteceram no período em que Carlos Alexandre da Silva, 45 anos, preso há uma semana, esteve foragido. Condenado a 90 anos e sete meses de prisão, em março deste ano ele recebeu o direito à prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, mas sumiu antes da instalação do equipamento.
Segundo a delegada Tatiana Bastos, da Delegacia da Mulher da Capital, a identificação de Carlos Alexandre nos crimes se deu por meio de imagens de câmeras de segurança, reconhecimentos por fotografias e presencial, além de depoimentos de vítimas e testemunhas. A polícia identificou também o mesmo modo de agir nos três casos — ocorridos entre maio e setembro. As vítimas foram abordadas na rua, durante o dia, por um homem com uma faca.
Em um dos casos, no início de julho, no bairro Bela Vista, uma manicure de 39 anos foi levada até o terreno de uma casa desocupada e violentada sexualmente. Nos outros dois, as vítimas conseguiram pedir ajuda para pessoas próximas e escaparam (confira o relato de uma delas abaixo).
Quando foi preso, no Centro Histórico, o suspeito estava com uma pistola falsa. Foi apreendido também um guarda-chuva, que, segundo a polícia era usado para facilitar a abordagem às vítimas e dificultar que outras pessoas percebem que elas estavam sendo ameaçadas.
Carlos Alexandre foi indiciado nesta sexta-feira pelos crimes de ameaça e tentativa de estupro e de sequestro. Segundo a delegada, neste sábado será remetido o inquérito sobre o caso da vítima foi violentada sexualmente — o indiciamento será pelos crimes de estupro, sequestro, cárcere privado e roubo.
Uma quarta mulher procurou a polícia nesta semana informando também ter sido vítima. A delegada disse que este caso ainda está sob investigação e preferiu não repassar detalhes no momento. A polícia pediu a prisão preventiva de Carlos Alexandre — a Justiça decretou a prisão temporária.
— Quando foi solto, ele continuou delinquindo. Entendemos que precisa ser mantido segregado, por representar um risco à sociedade. É um estuprador em série — afirma a delegada.
“Ainda tremo ao andar na rua”, relata vítima
Na tarde de 21 de maio, a massoterapeuta de 22 anos caminhava pela Avenida Borges de Medeiros, próximo ao shopping Praia de Belas. Pretendia ir até o Largo Zumbi dos Palmares para esperar o ônibus, mas no trajeto foi abordada.
Com máscara de proteção contra o coronavírus escondendo o rosto, um homem lhe perguntou sobre como poderia chegar até a faculdade de Direito da UFRGS. Assim que ela parou para responder, o criminoso mostrou a faca na cintura. “Fica calma, isso não é um assalto mas se tu não vier comigo eu vou te matar”, ameaçou.
— Ainda tremo ao andar na rua e se alguém chega perto as coisas ficam ainda piores. Sabia o que ele ia fazer. Ele falou o tempo todo que não ia me assaltar. Aquela frase ficava ecoando na minha cabeça. Ainda vem em momentos de pânico. Travo e não ouço mais nada, não consigo me mexer e nem respirar direito, até hoje não sei como eu reagi e fui calma para procurar ajuda. Deixei ele andar comigo umas duas quadras, até encontrar alguém — recorda.
Ao ver que havia trabalhadores cortando grama nas proximidades, a jovem chamou a atenção deles e disse que estava sendo ameaçada com uma faca. O criminoso escapou correndo assim que o trio foi na direção dele.
— Não sei o nome deles, mas sem eles sabe-se lá o que teria acontecido comigo — diz.
A massoterapeuta ficou uma semana sem conseguir trabalhar, com medo, e depois começou a pedir para que alguém sempre a acompanhasse nos deslocamentos. A jovem conta que desenvolveu depressão, passou a tomar medicamentos regularmente, tinha crises de choro e de pânico. Apesar dos traumas, acabou decidindo não registrar o caso na polícia. Meses depois, quando leu em GZH a entrevista da manicure de 39 anos que havia sido atacada no bairro Bela Vista, identificou a mesma forma de agir e decidiu registrar o caso. Ela fez o reconhecimento de Carlos Alexandre por fotografia e pessoalmente, após a prisão.
— Não dormi, me senti culpada (por não ter registrado antes) e revivi tudo. Foi como abrir uma ferida. Ela (a manicure que denunciou o estupro) é uma mulher muito forte, se não fosse por ela eu não teria denunciado e a gente não teria salvado possíveis novas vítimas. O trabalho de todos da Delegacia da Mulher também foi exemplar. Uma pena que o Judiciário não teve um pingo de sensibilidade sabendo do histórico dele. Existe uma falha nesse sistema em que mulheres pagam por ela com suas vidas — critica a jovem.
Os casos
- 21 de maio – Uma massoterapeuta de 22 anos foi abordada na Avenida Borges de Medeiros, no Centro Histórico, às 14h30min, mas conseguiu pedir socorro. Por este caso ele foi indiciado por tentativa de estupro e sequestro.
- 5 de julho – Uma manicure de 39 anos foi assaltada e estuprada no bairro Bela Vista, por volta das 14h. Por este caso, segundo a polícia, será indiciado neste sábado por estupro, cárcere privado, sequestro e roubo.
- 20 de setembro – Uma mulher de 29 anos foi ameaçada no bairro Moinhos de Vento, nas proximidades do Parcão, mas conseguiu escapar antes da abordagem. Por este caso ele foi indiciado por ameaça.
O histórico
Carlos Alexandre, que estava mantido preso na Penitenciária Estadual de Canoas, recebeu em março o direito à prisão domiciliar humanitária com uso de tornozeleira eletrônica. Devido à pandemia, recebeu direito de permanecer em casa por 90 dias. Ele chegou a se apresentar para instalação do equipamento, mas foi orientado a retornar após 30 dias. Como não regressou e não foi mais localizado, em 12 de maio passou a ser considerado foragido. Em 2 de outubro, após ser identificado pela investigação em três ataques a mulheres na Capital, foi preso no Centro Histórico.
Contrapontos
Judiciário
Conforme o juiz Paulo Augusto Oliveira Irion, a decisão foi tomada tendo por base a resolução nº. 62 do Conselho Nacional de Justiça, estando o apenado no grupo de risco em relação à covid-19, de acordo com a informação da própria unidade prisional onde se encontrava recolhido.
Secretaria da Administração Penitenciária
A Seapen informou que naquele momento ainda não havia condições sanitárias para instalação da tornozeleira. Segundo a secretaria, os protocolos de segurança estavam sendo ajustados, por isso, foi estabelecido prazo de 30 dias para que o preso retornasse e instalasse o equipamento.
Defesa
Quando foi preso, Carlos Alexandre optou por permanecer em silêncio sobre os casos dos quais é suspeito. GZH entrou em contato com a Defensoria Pública do Estado, que informou ter atendido o preso anteriormente, enquanto ele estava detido. Em relação aos crimes pelos quais ele foi indiciado nesta sexta-feira, a Defensoria afirmou que até o momento não houve encaminhamento do caso para a instituição.