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A juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, que libertou seis homens presos em flagrante pela Brigada Militar com 4,6 toneladas de maconha, recebeu solidariedade de alguns colegas após sofrer muitas críticas pela decisão.
Em nota pública, a Associação Juízes para a Democracia - Núcleo RS manifestou "defesa intransigente" da atividade independente desempenhada por Lourdes Helena. Plantonista do fórum, ela decidiu pela soltura dos seis flagrados com as toneladas de maconha porque, constatou ela, sofreram violência policial. Um dos presos declarou que "levou um tijolaço nas costas, nos braços e no pescoço, ficando com marcas visíveis corpo". A juíza pontuou que foi possível ver a camisa do flagrado com manchas aparentemente de sangue. Outro homem disse ter sido agredido por grande número de PMs.
A mesma juíza tinha decretado a prisão dos seis homens, em flagrante. A maconha foi encontrada na quarta-feira (10) por policiais do 11º BPM em um depósito na Travessa Doutor Heinzelmann, uma via estreita próxima da Avenida A. J Renner, no bairro Navegantes, zona norte de Porto Alegre. Parte da droga estava num caminhão e outra parte estava sendo pesada e embalada.
No mesmo dia em que os seis homens foram soltos, outra magistrada, Vanessa Gastal de Magalhães, acatou pedido do Ministério Público e ordenou as prisões preventivas de todos. Eles já estavam nas ruas e não foram encontrados até o momento.
A Associação Juízes para a Democracia, na nota pública, afirma que "...um Poder Judiciário domesticado ou pressionado pela mídia presta serviço apenas ao autoritarismo. Portanto, é dever do Poder Judiciário, com a independência que lhe é própria e inerente, repor o estado de legalidade - sem concessões e/ou ponderações de violações da ordem".
A entidade admite que decisões judiciais não estão imunes a críticas, mas reafirma seu "intransigente repúdio à violência policial" e argumenta que "...atuação policial violenta é incompatível com o Estado de Direito e não pode servir como escusa para justificar uma lógica de exceção".
A íntegra da nota:
NOTA PÚBLICA DA AJD - NÚCLEO RS
A Associação Juízes para a Democracia (AJD), por seu núcleo do Rio Grande do Sul, vem a público manifestar-se em favor da defesa intransigente do exercício da atividade judicante independente desempenhada pela colega Lourdes Helena Pacheco da Silva, na condição de juíza plantonista, em decisão fundamentada na forma do art. 93, IX, da Constituição. A independência da magistratura, que não pode ser pressionada por órgãos internos ou externos a sua estrutura de poder, é condição para o convívio democrático. O Poder Judiciário tem a função primária de garantir a ordem jurídica. Um Poder Judiciário domesticado ou pressionado pela mídia presta serviço apenas ao autoritarismo. Portanto, é dever do Poder Judiciário, com a independência que lhe é própria e inerente, repor o estado de legalidade - sem concessões e/ou ponderações de violações da ordem. A audiência de custódia constitui instrumento indispensável ao Estado Democrático de Direito, objetivando o resguardo das garantias constitucionais, com assento no Pacto de San Jose da Costa Rica, em decisão do STF e em regulamento do CNJ. Por outro lado, embora o Estado detenha o monopólio da violência, deve o uso da força ocorrer nos limites da lei, impondo-se seja objeto de controle, a fim de que todo e qualquer abuso seja devidamente apurado e julgado. Ainda, a Constituição de 1988 assegura a liberdade de imprensa, em seu art. 220, § 1º. Essa liberdade, contudo, deve ser exercida nos limites do dever de informar e respeitando os valores éticos e sociais (art. 221, I e II, da CF). É mesmo evidente que as decisões judiciais não estão imunes a críticas, sendo salutar e do jogo democrático que estas ocorram, desde que a espetacularização não ultrapasse o dever de informar. Porém, extrapola os limites legais a pretensão de transformarem-se, os órgãos de comunicação, em um poder de Estado, status que a Constituição não lhes confere. A AJD repudia, assim, de forma veemente, a espetacularização da cobertura jornalística, que deve ser exercida com responsabilidade e sem se afastar do dever de informar. Afiguram-se injustificáveis os ataques que são direcionados ao legítimo exercício da jurisdição pela colega Lourdes Helena Pacheco da Silva. A AJD reafirma seu intransigente repúdio à violência policial, que macula de nulidade os atos praticados mediante arbítrio e abuso de poder, impedindo concretamente a realização do mister jurisdicional. A AJD não compactua com qualquer ato que implique a supressão do direito fundamental à incolumidade física. A atuação policial violenta é incompatível com o Estado de Direito e não pode servir como escusa para justificar uma lógica de exceção.
Porto Alegre, 13 de julho de 2019.