"Tomem cuidado ali na parada de ônibus em frente à farmácia popular. Hoje, pela manhã, vi três homens (um deles armado) assaltando no local :("
"Mano, todo dia :( eu pego ônibus ali perto do 12h, tô com medo sempre."
"Não peguem ali, andem para a parada mais a frente. Ali tá virado em ponto de assalto."
"Simm, eu quase fui assaltada, mas consegui correr."
Essa é uma conversa a partir de uma publicação em uma página no Facebook – que segue com mais relatos, tensão e medo. A insegurança nos arredores dos campi da UFRGS é crônica – ZH publicou reportagem sobre o tema em maio de 1991 (veja no final a reportagem) – e os universitários são os principais alvos. Mas conversas como essa acima chamam a atenção para a recorrência nas proximidades do Campus Saúde, principalmente junto às paradas de ônibus da Rua Ramiro Barcelos.
Relatos pipocam nas redes sociais – que já reúnem grupos, páginas específicas dedicas à criminalidade e hashtags –, mas, segundo a Brigada Militar, poucos casos são registrados para que a corporação possa atuar na prevenção.
Ouça relatos de vítimas no vídeo abaixo*:
*os nomes foram preservados para garantir a segurança
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– Trabalhamos com abordagem e planejamento. Se não nos passarem informações, não sabemos quem abordar e nem temos como reforçar efetivo – afirma o comandante do 9º BPM, tenente-coronel Eduardo Oto Amorim.
As vítimas são escolhidas aleatoriamente, em qualquer horário e dia – ZH reuniu relatos de assaltos às 8h30min, ao meio-dia e às 21h. Ameaças com facas e armas de fogo aparecem de forma recorrente. E, extraoficialmente, sabe-se que o roubo de celular é o campeão, mas há, ainda, número elevado de furtos de carros, de assédios e tentativas de assalto para roubo de outros itens pessoais, como carteiras e mochilas.
Um estudante de Psicologia de 20 anos, cujo nome é preservado por segurança, foi assaltado às 21h do dia 31 de março. Ele e cinco colegas faziam o mesmo trajeto há três anos, quando, na Ramiro Barcelos, entre os cursos de Odontologia e Medicina, foram abordados por dois homens – um com uma faca de churrasco e o outro com arma de fogo – que pediram por celular e dinheiro.
– Dei o azar de ficar por último, porque tenho uma mochila que, além de velha, não abre mais o fecho direito. Isso fez com que eu fosse prensado na grade, com a arma encostada na minha cintura e a faca na frente do rosto, sofrendo empurrões, escutando ameaças de todos os tipos. Por sorte ou insistência, o fecho abriu e, também por sorte, achei o celular e fui mandado a seguir andando sem olhar para trás – conta o jovem.
O universitário afirma que fez boletim de ocorrência na internet porque não teve agressão física, "somente psicológica", e encaminhou o relato por e-mail para o 9º BPM. A perda material, reforça, não foi o pior:
– O celular se foi, mas, no lugar, vem o trauma, vem o medo, vem a paranoia de fazer esse trajeto, que é quase minha segunda casa, porque faço todas as semanas.
Nas últimas semanas, há relatos de tiroteio, de estudante esfaqueada e, em janeiro, quando a universidade retomava as aulas após as desocupações, um aluno foi sequestrado e levado como refém em seu próprio carro.
Grupo para relatar crimes tem quase 2 mil integrantes
Os relatos diários de assaltos e arrastões, principalmente nas paradas de ônibus da Ramiro Barcelos, levaram à criação de um grupo no Facebook, que, em cinco dias, reuniu 1,9 mil pessoas e dezenas de casos. Por precaução, o grupo foi "fechado", tornando a adesão mediante autorização. Uma página pública pretende divulgar as ações e chamar a atenção para o assunto.
– O foco não é a perseguição a pessoas. Não acreditamos que "bandido bom é bandido morto", pelo contrário. Acreditamos que a violência tem de ser solucionada na fonte, não queremos um monte de policial na rua e perseguição – ressaltou a criadora da página e do grupo, Fernanda Bellini Pinto, 31 anos, estudante de Relações Públicas.
O último crime de repercussão registrado na Polícia Civil foi às 8h30min do dia 6 (embora tenha sido feita a ocorrência horas depois): em um assalto um vigia da UFRGS foi rendido, teve a arma e o celular roubados. Não há suspeitos. Sem auxílio de câmeras e testemunhas, o criminoso segue solto.
Conforme o coordenador de Segurança da UFRGS, Daniel Pereira, o vigilante foi atacado poucos meses depois de ser deslocado da porta do prédio do Instituto de Psicologia para uma área próximo do portão, junto à calçada, a pedido de estudantes e servidores. Na parada de ônibus perto dali, localizada em frente à Farmácia Popular, um cartaz foi pendurado e alerta: "Zona de assaltos".
Nas descrições dos assaltantes pelas vítimas, algumas características coincidem e a Polícia Civil tem alguns "conhecidos", que foram presos diversas vezes, mas, diante da falta de registros, da volatilidade de pessoas na região, torna-se mais difícil identificar todos os suspeitos. Responsável por investigar os crimes que rondam o Campus Saúde, o delegado Ajaribe Rocha Pinto, da 10ª DP, afirma:
– Praticamente excluo o moradores de rua como suspeitos. Aqui, são mais os viciados, aquelas pessoas que visam o celular ou qualquer coisa que possam trocar rápido por droga.
Dessa forma, admite o delegado, a polícia tem papel limitado. Seria necessário trabalho maior e integrado com o serviço de saúde pública e trabalhos sociais. Algo que os próprios estudantes, com reforço de professores, têm tentado mobilizar.
DETALHE ZH
Em 26 de maio de 1991, ZH publicou a reportagem "Insegurança nas áreas universitárias", prova de que a criminalidade nessas regiões não é algo recente. A comparação com matéria semelhante divulgada em 14 de dezembro de 2015 mostra que a apreensão continuou. Nesses 24 anos, é possível perceber que os principais itens visados mudaram – antes eram carros, agora são celulares –, e os horários – na década de 90 era principalmente à noite, atualmente é durante todo o dia. Como não há números por região, não é possível mensurar se aumentou ou não a criminalidade. Clique na imagem para ler as reportagens: