Fernando Bastos (*)
Por décadas, o colesterol foi o grande vilão das discussões sobre saúde cardiovascular. LDL, aquela sigla tão temida que povoa as receitas médicas, foi pintado como o inimigo número 1 do coração. A ideia, simples e direta, era quase incontestável: quanto mais baixo o LDL, melhor. Milhões de pessoas ao redor do mundo compraram essa narrativa, engolindo comprimidos, ajustando suas dietas e mudando hábitos. Mas, como toda verdade aparentemente absoluta, essa também carrega nuances que podem mudar tudo o que pensamos.
O colesterol, tão demonizado, na verdade desempenha um papel essencial em nosso corpo. Ele é o tijolo básico das membranas celulares, a matéria-prima para a produção de hormônios, e até mesmo para a síntese de vitamina D. O LDL — erroneamente apelidado de "colesterol ruim" — faz o transporte desse colesterol para onde ele é necessário. O problema com o LDL surgiu quando cientistas observaram que, em níveis muito altos, ele poderia se acumular nas artérias, levando à formação de placas e, eventualmente, à aterosclerose. Foi o nascimento do medo do colesterol. Mas aqui está o que quase ninguém te conta: níveis muito baixos de LDL podem ser igualmente perigosos.
Estudos recentes começaram a desmontar essa narrativa simplista. Um dos mais reveladores, conduzido com mais de 19 mil participantes do estudo NHANES (sigla de National Health and Nutrition Examination Survey, dos EUA), descobriu que aqueles com níveis de LDL abaixo de 70 mg/dL estavam em maior risco de morte por todas as causas. Não estamos falando apenas de doenças cardíacas, mas também de câncer e infecções graves. Isso porque o LDL, ao contrário do que muitos acreditam, desempenha um papel crucial no sistema imunológico. Ele age como um escudo, ajudando o corpo a combater patógenos. Reduza esse nível demais e você está, essencialmente, desarmando suas defesas naturais.
A verdade é que o relacionamento entre o colesterol LDL e a saúde humana é muito mais complexo do que fomos levados a acreditar. É preciso considerar o quadro completo: dieta, estilo de vida, genética.
E as surpresas não param por aí. O LDL também parece ter um papel vital na proteção contra o câncer. Pesquisas sugerem que ele neutraliza toxinas bacterianas e virais, que muitas vezes estão associadas ao desenvolvimento de tumores. Ao eliminar agressivamente o LDL do corpo, talvez estejamos comprometendo essa linha de defesa, aumentando nossa vulnerabilidade a doenças tanto ou mais mortais do que o próprio infarto.
O que os cientistas descobriram é que a relação entre o colesterol LDL e a saúde segue uma curva em forma de "U". Em outras palavras, tanto níveis muito altos quanto muito baixos de LDL estão ligados a um aumento no risco de morte. O ponto ideal na prevenção primária parece estar em uma faixa moderada, entre 130 e 160 mg/dL, onde o risco de mortalidade é mais baixo. Essa descoberta coloca em xeque a noção de que "quanto mais baixo, melhor", mostrando que o equilíbrio é a chave.
Essas descobertas nos forçam a reavaliar o uso de medicamentos como as estatinas, que reduzem os níveis de colesterol. Embora elas tenham seu emprego clínico comprovado, o uso indiscriminado, especialmente em pessoas sem histórico de doença cardiovascular, pode fazer mais mal do que bem. Ao reduzir o colesterol para níveis perigosamente baixos, podemos estar trocando uma ameaça por outra.
A verdade é que o relacionamento entre o colesterol LDL e a saúde humana é muito mais complexo do que fomos levados a acreditar. Não é simplesmente uma questão de cortar o colesterol e esperar o melhor. É preciso considerar o quadro completo: dieta, estilo de vida, genética. O LDL tem um propósito vital no corpo, e reduzi-lo de forma agressiva, sem pensar nas consequências, pode ser um erro grave.
Então, o que podemos aprender com tudo isso? A ideia de que devemos baixar o colesterol a todo custo está sendo desafiada. O LDL, que por tanto tempo foi vilanizado, tem seu papel crucial na manutenção da saúde. Afinal, o verdadeiro bem-estar não está em uma solução simplista, mas na harmonia de todos os sistemas que nos mantêm vivos e bem. O colesterol é apenas uma parte dessa orquestra, e como em toda boa sinfonia, o equilíbrio é o segredo da verdadeira saúde.
(*) Médico, palestrante e escritor. Autor do livro O Ciclo Original