Mudanças no corpo, explosão de hormônios e muitas dúvidas sobre uma infinidade de assuntos. A adolescência – fase da vida que se entende dos 10 anos aos 19 anos – é um período peculiar e importante no qual ocorre um rápido desenvolvimento físico, cognitivo, social e sexual, trazendo consequências diretas para a vida adulta.
Mas, apesar disso, os cuidados com a saúde nesse período frequentemente são negligenciados, especialmente entre os meninos. Médicos urologistas relatam que o dia a dia do consultório revela a ausência dos guris dessa faixa etária. Enquanto as meninas são levadas ao ginecologista tão logo entram na puberdade, eles passam anos a fio desassistidos.
– O adolescente entra em uma zona de ausência de assistência médica. Via de regra, na puberdade, o menino fica desassistido. É cultural levar as meninas ao ginecologista nessa fase, mas o paralelo do menino com o urologista não existe – aponta o urologista Daniel Suslik Zylbersztejn, especializado em reprodução humana e membro da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Não há dados no país que comprovem essa impressão mas, conforme estimativa da SBU, o índice de idas ao médico entre os jovens brasileiros possivelmente se aproxima do registrado nos Estados Unidos – afinal, a dificuldade do sexo masculino de ir ao médico é uma realidade no mundo todo. Por lá, as visitas ao urologista, na maioria das vezes (43%), são em decorrência de algum problema crônico. Em contrapartida, as mulheres que vão ao ginecologista por prevenção somam 71%.
– Menino consulta se tem uma questão intercorrente: quando surge uma doença ou algo do gênero. Dificilmente o pai leva o menino para fazer uma avaliação – afirma Ernani Rhoden, professor de Urologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
A falta de referência
A hebiatra (especialidade médica dedicada aos cuidados dos adolescentes) Lilian Day Hagel, integrante do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), entende que a busca por assistência médica por parte dos meninos existe, o que falta é uma especialidade de referência.
– Se pensarmos nos ambulatórios e nos consultórios, há procura de serviço especializado por ambos os sexos. O que acontece é que os meninos têm menos possibilidade de acesso porque a referência no atendimento às meninas é o ginecologista, e essa relação com o urologista não é tão fácil – aponta a médica, que atua na Unidade de Adolescentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e na coordenação do Serviço de Adolescentes do Grupo Hospitalar Conceição.
Para reverter esse quadro e aproximar os meninos da urologia, a SBU lançou neste mês a campanha #VemProUro. Ao longo do período, médicos das diversas seções estaduais da SBU realizarão palestras de orientação em escolas, hospitais e em lugares frequentado por adolescentes.
– Nessa fase, em que os adolescentes se distanciam dos pais, muitas vezes quem vai ajudar o menino é o melhor amigo, que sabe tanto ou menos do que ele. Ele sente falta de uma presença médica que possa colaborar a promover saúde, evitar acidentes e ouvir dúvidas que surgem nessa etapa conturbada de transformações físicas e hormonais.
O médico pode detectar alguma fragilidade relacionada à parte social do adolescente, como ele se relaciona com a família, se está suscetível ao uso de drogas, álcool ou cigarro. Ir ao urologista não é piada. Deveria ser rotina desde os 13 anos e não só na presença de doenças no trato geniturinário – alerta Zylbersztejn, coordenador da campanha.
As doenças mais comuns entre os meninos adolescentes
- Varicocele: dilatação nas veias dos testículos que é a causa mais comum de infertilidade – está presente em cerca de 20% a 25% da população masculina em geral. Tratável, a doença não apresenta sintomas e só é detectada com exame físico dos genitais.
- Tumor no testículo: câncer mais comum entre homens de 20 a 40 anos, tem como principal sintoma o aumento do volume da bolsa escrotal ou a palpação de um “caroço” no testículo. Mais de 95% desses tumores são curáveis. Meninos, pais e mães devem ficar atentos a esse sinal, pois, quanto mais cedo for feito o diagnóstico, mais simples os tratamentos.
- Fimose: consiste em um anel de constrição na pele que recobre a glande do pênis (prepúcio), dificultando ou impedindo a exposição da glande (cabeça do pênis). Os sintomas, em crianças, podem ser infecções locais e urinárias, em razão da dificuldade de higienização do local, e até mesmo problemas para urinar.
- Balanopostite: processo inflamatório que ocorre no pênis e afeta a glande e o prepúcio. A causa mais comum é uma infecção aguda causada pelo fungo candida albicans. Não é uma DST, pois ser transmitida sem a realização de penetração, embora o casal possa compartilhar o fungo durante o ato sexual. O tratamento é feito com cremes tópicos e medicação via oral.
- Ejaculação precoce: é caracterizada pela ejaculação que ocorre sempre, ou quase sempre, quando o tempo desde a penetração vaginal até a ejaculação passa a ser insatisfatório para o homem ou para o casal. No jovem, a causa costuma estar relacionada à ansiedade e à inexperiência do ato sexual. O tratamento é realizado basicamente por meio de psicoterapia sexual e de farmacoterapia.
Por que eles não vão ao médico
A baixa presença de meninos e homens nos consultórios médicos é permeada principalmente por questões culturais.
– O que se vê é a contracepção e a reprodução delegadas como questões femininas. O homem tem uma participação como coadjuvante, não de pessoa diretamente vinculada. A mulher faz exames preconcepção, planeja a prole, faz exames de rotina. Dificilmente o homem faz isso. Ele só procura o urologista quando o casal tenta engravidar por muito tempo e não consegue. Isso passa, necessariamente, por uma questão cultural e de informação, que deveria ser incorporada de maneira mais objetiva nos currículos escolares – sugere Ernani Rhoden, professor de Urologia da UFCSPA.
A psicóloga Denise Quaresma da Silva, pesquisadora da Universidade Feevale, vê nessa situação o reflexo de uma raiz muito forte do patriarcado, que defende que homens não precisam de educação sexual, que são viris, destemidos e têm um quê de “super-herói”.
– Ele não adoece, afinal, é homem. Se o menino tem uma dor de garganta, é “só uma dorzinha”. Agora, se for a menina, precisa ir no médico porque ela é frágil – exemplifica.
Trabalhando com educação sexual e gravidez na adolescência, a psicóloga encontrou informações importantes sobre o tema nas escolas:
– Na pesquisa que realizei, aparece muito que as professoras dizem que a educação sexual deve ser dirigida para as meninas, afinal, são elas quem engravidam. Mas o menino também faz parte dessa relação.
Os especialistas defendem que a gravidez na adolescência deve ser um tema que envolva também os meninos.
– Tem de fazer com que o homem participe disso desde sempre. As pessoas não têm a percepção de que o uso do preservativo é para se auto preservar. Homem que exige preservativo não mostra fraqueza, mostra poder de querer se cuidar – diz a hebiatra Lilian Day Hagel.
Qual médico procurar
Além do urologista, os meninos (e, nesse caso, também as meninas) podem consultar pediatras especializados no atendimento dessa faixa etária, os hebiatras. De acordo com Lilian Day Hagel, esses profissionais costumam a fazer uma avaliação de oito áreas da vida do jovem: moradia, educação, hábitos alimentares, atividades, uso de drogas, sexualidade, segurança e suicídio/humor. Havendo qualquer discrepância em uma delas, o profissional pode requisitar ajuda de outro especialista.
– O hebiatra tem treinamento para avaliar essas questões e montar o perfil de cada paciente. Dentro das atividades, destaco a questão do abuso das telas: meninos passam horas em frente à tela. Isso pode trazer prejuízos físicos como miopia, escoliose, infecção urinária, constipação, anemia, maus hábitos alimentares etc. Outra é o ciberbullying – fala a hebiatra.
Quando procurar
A recomendação é que adolescentes visitem o médico uma vez por ano para fazer uma avaliação geral da saúde. Na vida adulta, Rhoden reforça que a rotina de visitas ao médico deve se manter com a ideia de avaliar a saúde global. A partir dos 45 anos, homens com histórico familiar de câncer de próstata e afrodescendentes devem fazer exames preventivos. Caucasianos e sem histórico familiar devem fazer a partir dos 50.