Espero que você não esteja comendo um baguete ou, pior, um donut, enquanto lê sobre esta que deve ser a ironia mais séria da saúde pública dos últimos 50 anos nos Estados Unidos: enquanto o fumo, uma das maiores causas de mortes, está caindo, outra cresce abruptamente e toma seu lugar: a obesidade.
Muitas mortes por câncer foram evitadas depois que milhões de pessoas deixaram de fumar, mas agora os números estão aumentando porque muitas mais não conseguem controlar o tamanho da barriga. Hoje, obesidade e tabagismo continuam sendo as principais causas de mortes evitáveis dos americanos.
Ao analisar mais de mil estudos, a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer, da Organização Mundial de Saúde (OMS), e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos EUA, associaram o risco de desenvolver 13 tipos de câncer ao sobrepeso e à obesidade, principalmente os que estão sendo diagnosticados em números crescentes entre os jovens.
Entre eles, os de esôfago, fígado, vesícula biliar, cólon e reto, estômago superior, pâncreas, útero, ovário, rim e tireoide; câncer de mama em mulheres em pós-menopausa; meningioma e diversos mielomas. Somente no caso de câncer colorretal, a incidência caiu, principalmente como resultado do aumento na realização de exames e pela remoção de pólipos pré-cancerosos.
Segundo os estudos, na maioria dos casos, o risco de câncer cresce na proporção direta do excesso de peso. Trocando em miúdos: quanto mais pesada, maior a probabilidade de a pessoa desenvolver um desses cânceres, muitas vezes fatais.
Entre 2005 e 2014, conforme informou o CDC, houve um aumento anual de 1,4% nos casos relacionados ao sobrepeso e à obesidade entre pessoas com idades entre 20 e 49 anos, e um acréscimo de 0,4% para aquelas entre 50 e 64 anos.
“Quase metade de todos os casos de câncer em pessoas com até 65 anos estava associada ao sobrepeso e à obesidade”, relataram especialistas do CDC no periódico científico Jama. E, dada a atual “prevalência entre adultos, crianças e adolescentes”, eles previram que o futuro terá novos acréscimos de cânceres ligados ao peso e de mortes causadas por esse mal entre os norte-americanos.
Os especialistas fizeram um apelo para que os médicos que atendem crianças e adultos se dediquem a avaliar o índice de massa corporal (IMC) e a aconselhar os pacientes a evitar ou reduzir o excesso de peso. O resultado em termos de saúde, vida e economia de dinheiro muito provavelmente superaria os custos das medidas adotadas pela saúde pública e a sociedade como um todo para conter o crescimento da cintura.
Por que é tão difícil emagrecer
Logicamente, não são apenas os casos e as mortes por câncer que a perda de peso poderia evitar. O sobrepeso e a obesidade, em especial, são dois grandes fatores de risco de diabetes tipo 2, doença cardíaca e acidente vascular, pressão alta, osteoartrite, gota, problemas da vesícula biliar e distúrbios respiratórios, como apneia do sono e asma.
Certamente, muitas pessoas com problemas sérios de gordura já devem ter tentado emagrecer e fracassado, mantendo distância de programas do gênero, o que os leva a pensar que existe pouca esperança de que outra tentativa dê certo. No entanto, vale a pena observar que, para a maioria daqueles que conseguiram largar o cigarro foram necessárias, em média, de oito a 30 tentativas.
A culpa pelo fracasso no emagrecimento pode ser tanto de profissionais médicos quanto dos pacientes. Muitos clínicos gerais têm pouco ou nenhum treinamento na orientação daqueles que precisam perder peso. Alguns me disseram temer que os pacientes não voltem caso se concentrem na necessidade de emagrecer. Esses, por sua vez, tendem a se afastar do que consideram ser atitudes negativas dos profissionais de saúde em relação a pessoas com problemas de peso.
Uma pesquisa online realizada por profissionais do Centro Rudd de Política Alimentar e Obesidade, da Universidade de Yale, revelou que as pessoas não se sentem confortáveis com rótulos como “obeso”, “gordo” e “obesidade mórbida” e culpam a linguagem utilizada pelos médicos. Quase um participante em cinco afirmou que evitaria novas consultas médicas, e 21% declararam que procurariam um médico novo caso se sentissem estigmatizados por causa do peso.
Uma discussão que deve começar cedo
Existe uma necessidade crescente de abordar as questões de peso mais cedo na vida. Pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública de Harvard informaram no periódico Jama, em julho do ano passado, que 23% das mulheres e 13% dos homens engordaram pelo menos
20 quilos entre os 18 e os 55 anos. O pesquisador William H. Dietz, do CDC, que observou em editorial publicado naquela edição que “o câncer relacionado à obesidade em homens e mulheres estava ligado ao ganho moderado de peso durante a vida adulta”, acrescentou que “a tentativa de impedir e controlar a obesidade em jovens adultos deveria ser considerada uma grande prioridade”.
Dietz também destacou a duplicação da prevalência de obesidade entre crianças de seis a 11 anos, agora em 17%, e de jovens adultos, de 20 a 29 anos, agora em 34%.
Por que tantos norte-americanos jovens têm um sobrepeso tão grave? O predomínio de comidas calóricas e os cortes de recursos para atividade física dentro e fora das escolas não são os únicos motivos. O problema pode ter início assim que os bebês são desmamados e conseguem ingerir alimentos sólidos. Com muita frequência, pais e cuidadores, buscando manter as crianças quietas, as enchem de petiscos o dia todo, criando um impulso oral que liga conforto à comida, o que vai durar a vida toda.
E acho que, para muitos, um risco elevado de desenvolver e morrer de câncer.
Por Jane E. Brody