Sua descoberta costuma ser acompanhada de um susto: um barulho alto na calada da noite vindo do quarto da criança. Quando deveria estar em pleno relaxamento, ela está produzindo ruídos de gente grande ao ranger os dentes com força. Problema comum – e em geral passageiro – em crianças de dois a 12 anos, o bruxismo infantil não tem uma causa única e ainda está distante de sentenças científicas.
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– Por muito tempo, quando se diagnosticava o bruxismo em crianças, só se pensava em estresse. Mas as pesquisas mais recentes estão dando outro olhar sobre isso. Algumas delas, inclusive, não mostram essa associação – explica Adriana Lira Ortega, doutora em Patologia Bucal pela USP.
A profissional que estuda o assunto há mais de uma década explica que existem dois tipos de bruxismo. O mais comum é o do sono, quando a criança range os dentes à noite. Mas também existe o chamado bruxismo da vigília, quando, acordada, ela mantém os dentes apertados, como se estivesse em uma situação estressante. Nesse segundo, mais comum em crianças maiores e adolescentes, fatores emocionais como ansiedade e tensão estão entre as causas.
Em relação ao bruxismo do sono, as possibilidades são mais amplas. Os principais fatores investigados por pesquisadores indicam que ele se relaciona, principalmente, com distúrbios respiratórios (respiradores buscais costumam desenvolver o bruxismo do sono), disfunções no sono e até mesmo problemas gástricos, como refluxo. Para identificá-los e tratar adequadamente a causa – já que o ranger de dentes pode ser apenas controlado –, é importante buscar uma abordagem interdisciplinar do assunto.
– A investigação das causas envolve diversos profissionais (como psicólogos e médicos), que vão indicar se há necessidade de outra intervenção. É a parte mais importante, porque é o que precisa ser tratado. A odontopediatria vai fazer apenas o acompanhamento – explica Priscila Stona, especialista em odontopediatra do Hospital Moinhos de Vento.
O bruxismo mais frequente, segundo profissionais, costuma ocorrer em uma fase superficial do sono. Ele é comum na infância e, muitas vezes, desaparece sem tratamento, além de não trazer consequências ao desenvolvimento. A famosa placa de mordida (que, para crianças, costuma ser feita de silicone), é usada apenas em alguns casos, durante o período em que há o ranger de dentes, para protegê-los de desgastes.
É possível, no entanto, prevenir fatores que possam causar distúrbios de sono, terreno fértil para o desenvolvimento do bruxismo. A principal orientação é evitar comidas pesadas, brincadeiras que exijam concentração e exercícios físicos antes de dormir, e estabelecer uma rotina, com horários para deitar e acordar. Desligar os aparelhos eletrônicos e proporcionar um ambiente escuro e livre de ruídos para o relaxamento pleno também ajuda.
– Se a criança fica muito exposta a estímulos, ela não terá um sono reparador. Vai demorar até desligar, e pode facilitar a ocorrência do bruxismo – diz Adriana.
Em alguns casos, o problema persiste mesmo depois de tratados os chamados "fatores ambientais". É o que os pesquisadores chamam de bruxismo primário. Atualmente, credita-se o problema a causas genéticas, mas especialistas apostam que ele também pode estar relacionado a fatores ainda não estudados.
Desafio em dose dupla
Começou cedo. Mal Sophia tinha desenvolvido os primeiros dentes, aos dois anos, e Tatiana Laydner Ferreira foi surpreendida com um barulho no meio da noite:
– Como o meu marido tinha bruxismo, eu já associei a isso. Mas fiquei espantada de ver em uma criança tão pequena – lembra.
A administradora resolveu buscar ajuda profissional para investigar o reincidente problema da filha, que também reclamava de dores de cabeça. Na época, Tatiana estava grávida de Cecília, hoje com dois anos. Ela chegou à odontopediatra Vanessa Dalbem:
– No caso da Sophia, não era um problema respiratório. Não consideramos o caso grave, porque era mais o problema do barulho à noite – disse a profissional.
Sem uma causa definitiva, a mãe começou a seguir as orientações da médica para melhorar a qualidade do sono da filha. Passou a preparar a hora de ir para a cama e inseriu momentos de lazer mais tranquilos na rotina, como a leitura de livros antes de dormir. Quando o problema da mais velha já apresentava melhoras, a caçula manifestou os mesmos sintomas:
– Estamos nesse processo: a Sophia não tem rangido os dentes no dia a dia e diminuíram as dores de cabeça. Mas a bebê é mais ativa, é agitada. Deito com as duas à noite, antes de dormir, e deixo o quarto à meia-luz. Sinto falta de orientações mais claras sobre o assunto. Mas não sei se tem muitas coisas definidas sobre isso – diz.
Aplicativo pode auxiliar no controle
Menos incidente em crianças pequenas, o bruxismo de vigília costuma ser controlado com técnicas de terapia cognitivo-comportamental, como bilhetes lembrando que a criança não deve apertar os dentes. Mas o tratamento – neste caso é possível tratar porque o apertar dos dentes é considerado uma ação voluntária – pode contar com a tecnologia.
Criado por dois dentistas catarinenses há três anos, o aplicativo Desencoste seus dentes, disponível gratuitamente para os sistemas Android e iOS, emite lembretes no celular, cuja periodicidade pode ser estabelecida pelo usuário, para ajudá-lo a não pressionar a mandíbula desnecessariamente. A ferramenta também pode ser útil para quem sofre de bruxismo do sono, já que permite programar lembretes para quem usa a placa de mordida não se esquecer de colocá-la antes de ir para a cama.
– Falávamos para as pessoas colarem adesivos pela casa, mas elas tinham dificuldade de lembrar disso. Com o app, podemos controlar melhor a evolução, porque existe uma escala de dor. O paciente pode avaliar como está se sentindo – explica Wladmir Dal Bó, especialista em disfunções de articulação temporomandibular.
Mais de 40 mil pessoas já instalaram o app no celular, segundo o idealizador. Embora não haja uma plataforma com linguagem específica para os pequenos, ele acredita que a ferramenta pode ajudar crianças com o problema.