Três e meia da manhã. Esse é o horário que o relógio de Anselmo Luiz Souza, 69 anos, exibe quando o despertador toca. Em menos de 15 minutos, depois de passar na cozinha para beber um pouco de água, ele já está em frente a uma pequena despensa ao lado do aposento. Nas prateleiras que em qualquer casa estariam guardados estoques de comida, há um mosaico colorido formado por pares de tênis e roupas para corrida.
Diariamente, o morador de Carazinho, no norte do Estado, escolhe conjuntos adequados ao clima e os veste ali mesmo. Antes das 4h, já está "em busca da estrada", como definiu. A procura significa 20 quilômetros de corrida, repetidos há 40 anos.
Antes das 6h, Souza já está em casa novamente. Às vezes, ainda pega uma das bicicletas companheiras e sai para pedalar mais 40 quilômetros. Tudo antes das 8h, quando inicia a rotina de trabalho duro na oficina mecânica que mantém na garagem.
No mesmo local em que conserta os carros dos clientes, vestindo um jaleco azul sujo de graxa, Souza exibe uma galeria digna de atletas de ponta. Troféus de todos os tamanhos se misturam com filas de medalhas e quadros com fotos da carreira.
Do lado direito, o maior dos quadros chama atenção dos visitantes: uma montagem com três fotos mostra o Papa João Paulo II cumprimentando um Souza muito jovem. Ele conta que conheceu o pontífice durante uma competição mundial na Áustria, em 1987. Embora não tenha voltado com o título, estampa o quadro na oficina como seu maior trunfo.
Natural de São Leopoldo, ele começou a correr e a pedalar ainda criança. Aos 13 anos perdeu o pai, que era mecânico, e decidiu partir para a Capital.
- Sempre ajudei ele na oficina, mas, depois que ele morreu, tive de sair para procurar emprego. Trabalhei em serralheria, em fábrica de tapetes e até como entregador de revistas.
Vitorioso desde a primeira prova
Foi morando em Porto Alegre que começou a competir em provas de corrida e ciclismo. Como usava uma bicicleta para visitar a mãe, que na época morava em Canoas, ele costumava percorrer todo final de semana os 15 quilômetros que separam as cidades com o meio de transporte, o que lhe deu resistência.
- Resolvi participar de uma prova de ciclismo na Praça Piratini, aos 14 anos, e acabei vencendo.
A vitória logo na estreia impulsionou a carreira de 55 anos. Na adolescência, Souza seguiu participando de competições de ciclismo e, também, de corrida. Foi campeão juvenil e chegou a correr por equipes de clubes da Capital. Anos depois, conseguiu um emprego em uma oficina mecânica, onde, além de consertar carros de passeio, trabalhava com carros de corrida, uma de suas paixões. Foi o despertar do amor pelo ofício do pai, que exerce até hoje, em sua própria oficina.
Na década de 70, já morando em Carazinho e casado, Souza começou a competir também em outros esportes. Além do nado e do triatlo, aventurou-se no campo da velocidade, com provas de motocross - que abandonou a pedido da mulher, depois de um acidente - e de quilômetro de arrancada. Chegou a ser patrocinado por três empresas e participou de cerca de 10 campeonatos mundiais de ciclismo e corrida. Para as provas, conheceu sete países: Áustria, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e México.
No total, Souza contabiliza 1,7 mil provas, que lhe renderam 1.107 troféus ou medalhas. E 200 como campeão. Hoje, à beira dos 70 anos e com três filhos, ainda participa de provas de triatlo, corrida ou ciclismo.
Confira os momentos mais importantes da carreira de Souza:
Dorme no máximo às 22h, não toma cerveja e refrigerantes e mantém uma alimentação saudável, que diz ser o segredo da longevidade, aliada aos exercícios. Se fosse ter de optar por um dos esportes que praticou, estaria perdido:
- Isso é impossível. Não conseguiria escolher um ou dois, amo todos.
Quando fala dos planos para o futuro, Souza afirma com convicção de que quer cuidar do corpo para correr até aos cem anos. Mostrando a boa forma, ainda acrescenta que não deve ser difícil.
Nunca é tarde para começar a correr
Conforme o professor do curso de Educação Física da Universidade de Passo Fundo (UPF) e mestrando em Envelhecimento Humano Ben Hur Soares, não há idade para começar a correr. A atividade é fundamental para a saúde e deve ser iniciada o quanto antes, segundo ele. No entanto, para pessoas da terceira idade, é preciso tomar alguns cuidados.
1) Antes de iniciar a atividade, é preciso realizar avaliação médica
2) Com o resultado dos exames, os iniciantes devem procurar um educador físico, que orientará a melhor forma de começar a correr
3) É preciso escolher um calçado adequado ao esporte, para evitar lesões
4) Aspectos como distância, percurso e intensidade devem ser levados em conta
5) Idosos devem optar por trajetos lineares e evitar áreas com aclives e declives, que podem gerar torções e quedas
6) Para iniciantes, o ideal é intercalar caminhada com a corrida. Caminhando cinco minutos e correndo um, por exemplo.
A corrida
>> Melhora a pressão arterial
>> Auxilia na redução de peso e, com isso, na diminuição de sobrecarga sobre as articulações
>> Diminui o estresse
>> Melhora a circulação
>> Regula o sono e o sistema digestivo
Mecânico e atleta
Aos 69 anos, Anselmo Luiz Souza corre 20 quilômetros por dia
Ele acumula mais de mil medalhas e troféus, conquistadas em provas de corrida, ciclismo, triatlo e motocross
Fernanda da Costa
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