Bastante comum no meio pediátrico, sobretudo nos períodos mais frios do ano, o adenovírus é apontado por especialistas como possível agente causador da hepatite infantil aguda que vem sendo identificada em diferentes países desde abril — no Brasil, há 16 casos em investigação, segundo o Ministério da Saúde. Os mais de 50 subtipos conhecidos desse vírus podem causar uma quantidade significativa de doenças, que atingem principalmente crianças e apresentam desde sintomas respiratórios até quadros gastrointestinais.
De acordo com Fabrizio Motta, supervisor médico do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, os adenovírus são mais comumente responsáveis por patologias respiratórias, que se manifestam nas vias aéreas superiores — provocando dor de garganta, tosse e coriza — ou atingem os pulmões, causando pneumonia viral e, em crianças menores, bronquiolite. Também podem causar gastroenterite, com diarreia e vômito, conjuntivite e síndromes urinárias, como cistite hemorrágica.
— Os subtipos 1, 2 e 5 geram mais quadros respiratórios, enquanto 40, 41 e 31, costumam causar quadros intestinais e 11, 34 e 35, cistite hemorrágica (urina com sangue) — explica o especialista.
As infecções causadas pelos adenovírus geralmente são autolimitadas (que se resolvem, no geral, espontaneamente), quando ocorridas em pacientes sem doenças prévias que possam aumentar os riscos. Entretanto, em pessoas com comorbidades, como imunossuprimidas, os quadros podem ser mais agressivos e incomuns, inclusive com casos de hepatite.
Nas crianças, os quadros respiratórios acabam se manifestando de formas mais graves e, quanto mais novas elas forem, maiores são as chances de evoluírem para doenças respiratórias agudas graves. Nesses casos, crianças menores de dois anos, que desenvolvem bronquiolite, podem precisar de oxigênio e inclusive de ventilação mecânica na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), alerta Motta.
— Pacientes adolescentes e adultos podem desenvolver doenças respiratórias e cistite por adenovírus, como por outros vírus. Mas, geralmente, os quadros respiratórios acabam sendo mais graves nas crianças, por terem via aérea menor e resposta imunológica ainda imatura — afirma o infectologista, destacando que o vírus acomete ainda mais as crianças nos meses de frio: — Vemos nos hospitais um aumento de casos, que costumam gerar hospitalização e necessidade de leito em UTI.
Marcelo Comerlato Scotta, infectologista pediátrico do Hospital Moinhos de Vento, complementa que os adenovírus sempre estiveram em nosso meio, aparecendo entre os vírus que mais circulam e causando essa quantidade razoável de doenças. Ele também ressalta que as associações de hepatite são raras, porém, mais comuns em pessoas com comorbidades.
Transmissão e prevenção
Os adenovírus são transmitidos por vias respiratórias, por meio de gotículas expelidas por tosse e espirro, ou via fecal-oral, já que, em determinados casos, o vírus fica no trato intestinal. Assim, a transmissão se dá pelo contato com objetos, comida e água contaminados.
Conforme os especialistas, as medidas de prevenção são semelhantes àquelas adotadas em relação ao coronavírus, como manter os ambientes arejados, evitar contato próximo e adotar etiqueta respiratória ao tossir ou espirrar.
— Como toda infecção viral, podem ocorrer surtos. Por isso, é importante reforçar os cuidados que tomamos durante a pandemia: higiene frequente de mãos e uso de máscara quando se apresente sintomas respiratórios — orienta Marcelo Comerlato Scotta.
Sobre a hepatite viral misteriosa
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 250 casos de hepatite aguda de origem desconhecida já foram confirmados em crianças de pelo menos 25 países, sendo a maioria no Reino Unido. A hepatite é uma inflamação do fígado, que pode acontecer por diferentes causas, como uma infecção ou intoxicação por medicamentos ou substâncias. Os agentes infecciosos mais frequentes são os vírus responsáveis pelas hepatites A, B, C, D e E, que não foram identificadas em nenhuma das crianças.
Embora a síndrome atinja pacientes de até 16 anos, a maioria dos casos está na faixa de dois a cinco anos. Muitos apresentam icterícia, uma coloração amarelada da pele e dos olhos que, por vezes, é precedida por sintomas gastrointestinais — incluindo dor abdominal, diarreia e vômitos —, principalmente na faixa etária de até 10 anos. Grande parte dos casos não apresentou febre e, até o momento, a principal suspeita é de que o agente causador da doença seja um adenovírus.
O infectologista Marcelo Comerlato Scotta aponta que, no Reino Unido, o adenovírus foi identificado inclusive no sangue de grande parte dos pacientes, por isso, se suspeita que ele seja o causador, embora ainda não esteja comprovado. O subtipo 41 tem sido associado aos casos de hepatite, porém, ele não costuma comumente causar essa doença, fato que impulsiona a dúvida.
— O adenovírus não era descrito com essa forte associação com hepatite grave, então há muitas hipóteses em aberto. Pode ser, por exemplo, que esse forma de adenovírus tenha tido alguma mutação ou que a falta de contato das crianças com eventos infecciosos tenha gerado impacto em seus sistemas imunológicos. Por mais que ele seja o principal suspeito, ainda não está comprovado — pondera Scotta.
— Ainda se analise com cautela, porque o adenovírus não foi encontrado em todos os casos, mas não dá para deixar essa informação de lado. Temos que entender por que isso está acontecendo entre as crianças — acrescenta Fabrizio Motta.
Os especialistas enfatizam, entretanto, que está claro que não há nenhuma relação entre os casos e a vacinação contra a covid-19, já que a maioria dos pacientes nem tem idade para receber o imunizante.
Casos no Brasil
O Ministério da Saúde afirmou a GZH, nesta segunda-feira (9), em nota, que monitora 16 casos suspeitos da doença, sendo dois no Paraná, cinco no Rio de Janeiro, seis em São Paulo, um no Espírito Santo, um em Santa Catarina e um em Pernambuco, ressaltando que todos seguem em investigação. “Os Centros de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Cievs) e a Rede Nacional de Vigilância Hospitalar (Renaveh) monitoram qualquer alteração do perfil epidemiológico, bem como casos suspeitos da doença”, diz um trecho do texto.
Em entrevista à Rádio Gaúcha na manhã desta segunda-feira (9), o professor de Virologia da Universidade Feevale Fernando Spilki disse que o Brasil está utilizando o mesmo protocolo recomendado pela OMS e pelo Reino Unido, que registrou os primeiros casos da doença, e que se avalia diversos agentes que podem estar ligados aos quadros:
— Nós, do Brasil, temos reportado o adenovírus de maneira crescente tanto em surtos de gastroenterite quanto na detecção dele em água e alimentos, associada a esses surtos. E isso aumenta o mistério, porque são vírus relativamente comuns, a gente já convive com eles, e agora aparecem nesses casos. É isso que está sob investigação e por isso ninguém bate o martelo sobre causa real.