Aos 15 anos, o gaúcho Marcos Dall Oglio tinha dois sonhos. O primeiro deles, ser jogador de futebol, era comum para garotos daquela idade. Já o segundo fugia do habitual e parecia algo bem mais distante: ser médico. Mesmo assim, o jovem natural de Passo Fundo conseguiu conciliar ambas as metas por um bom tempo, atuando em times como o Internacional e estudando Medicina na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Hoje com 56 anos, o ex-jogador é urologista especialista em câncer do aparelho urinário e reprodutor masculino e atua como cirurgião e professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Com especialização também em cirurgia robótica pela Harvard Medical School, Marcos é convidado a operar em diferentes Estados brasileiros. Em Porto Alegre, tem atuado em hospitais como a Santa Casa de Misericórdia, onde treina outros médicos para cirurgias robóticas.
Colorado desde criança, Marquinhos — como era chamado — começou sua carreira ainda em Passo Fundo, no time da cidade, o 14 de Julho. Aos 17 anos, enquanto fazia curso preparatório e prestava vestibular para Medicina, o jovem jogava a segunda divisão do Campeonato Gaúcho com o clube. Em 1984, o ex-volante conseguiu ingressar no curso da Universidade de Passo Fundo (UPF) e, mesmo com as aulas, continuou jogando. Até que o Inter notou seu destaque e o comprou.
— Por mais que eu amasse a Medicina, com 18 anos eu também amava jogar futebol, era saudável, me divertia jogando bola, sonhava em ser igual ao Falcão, ao Figueroa. Então, me vi um pouco atrapalhado, porque eu não queria deixar de estudar, achava importante ter uma outra profissão, não tinha a visão de que o futebol seria o início e o fim de tudo, por mais que fosse um clube grande como o Inter — conta o médico, explicando que pediu para o time ajudá-lo com a transferência para a PUCRS.
O ano seguinte foi marcado pela ascensão de Marcos como jogador: ele começou a ganhar destaque e jogar algumas partidas como titular. O jovem ainda estudava, mas não conseguia se dedicar com a mesma profundidade ao curso, porque treinava com frequência e jogava no Campeonato Gaúcho e Brasileiro. Em 1988, entretanto, ele saiu do Inter e foi jogar no Esporte Clube Pelotas. Um ano depois, foi contratado pelo Figueirense Futebol Clube, de Florianópolis, em Santa Catarina, e precisou trancar a faculdade.
Atuou também no Club Athletico Paranaense, de Curitiba. Mas, em março de 1990, Marcos passou por um momento de introspecção e decidiu deixar os gramados para se dedicar integralmente à Medicina:
— Comecei a olhar as cicatrizes que o futebol foi deixando e a pensar se valia a pena continuar colecionando altos e baixos, sem construir algo mais sólido na minha vida, uma profissão que fosse perene. Então, essas cicatrizes serviram para eu olhar para dentro de mim e tomar a decisão de mudar a trajetória da minha vida e dirigir todo meu entusiasmo, minha força e meu potencial, para algo que eu fosse utilizar a vida inteira.
Trajetória na Medicina
Aos 24 anos, o ex-jogador voltou para Porto Alegre e, em 1993, se formou em Medicina pela PUCRS. Em seguida, Marcos passou em primeiro lugar para a residência em cirurgia geral. Ele relata que sempre soube que seria cirurgião, mas que decidiu pela urologia porque é uma especialidade muito completa, que tem tanto cirurgia quanto clínica, transplantes e reconstruções.
Com o objetivo de ampliar horizontes, o gaúcho se especializou em São Paulo, onde também fez doutorado, foi convidado para ser tutor de residentes e abriu um consultório privado. De acordo com Marcos, ele teve contato com a cirurgia robótica antes mesmo da chegada da especialidade ao Brasil, pois fez um treinamento em Boston, nos Estados Unidos.
— Me especializei cada vez mais em urologia oncológica e hoje me dedico principalmente a isso. Ensino residentes, dou aulas em faculdades e participo do ensino de médicos residentes em cirurgia. Agora, como trabalho com a robótica, também sou convidado a dar treinamento para outros médicos, que já são especialistas em urologia, mas querem se aprofundar na cirurgia robótica — afirma o médico, que atua no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, no Hospital Santa Marcelina e no Hospital Sírio-Libanês, todos em São Paulo.
Em Porto Alegre, além de operar pacientes que já o conhecem, o urologista ajuda outros profissionais na transição da cirurgia clássica para a robótica. Ele explica que, para um cirurgião se inserir nessa área, ele precisa de um treinamento com simulações, a fim de melhor prepará-lo para o contato definitivo com o robô e o ser humano. Segundo Marcos, a modalidade tem trazido avanços para o tratamento de muitas doenças urológicas. No caso do câncer de próstata, por exemplo, o procedimento oferece menos risco de incontinência urinária e disfunção sexual.
O médico comenta que, hoje em dia, utiliza muitos ensinamentos que o futebol trouxe para sua vida, como a resiliência, a tolerância e a capacidade de enfrentar as adversidades. Por isso, não sente remorso por ter deixado os gramados e nunca se arrependeu da decisão que tomou, pois a considera acertada.
— Sou completamente realizado na minha profissão, essa é minha vocação, isso é o que eu de fazer. Me realizo muito na Medicina, não só quando ensino, mas principalmente por cuidar das pessoas, curá-las de um câncer, isso é um ganho profissional muito grande — finaliza o urologista.