Cientistas brasileiros e alemães deram um passo importante na busca de um composto que pode dar origem a um novo tratamento contra o câncer. Em um estudo publicado na terça-feira (15) pelo Journal of Medicinal Chemistry, evidenciou-se que a molécula analisada pelo grupo é um potente inibidor da proteína MPS1, envolvida no crescimento de tumores sólidos.
O centro de Química Medicinal (CQMED) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conduz o trabalho, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Após os resultados promissores, os próximos passos envolvem o aprimoramento da molécula e a realização de testes em animais de laboratório, além de experiências em células tumorais humanas.
O alvo do investigação — a MPS1 (monopolar spindle kinase 1) — é uma proteína que pertence à classe das quinases e desempenha um papel crítico no controle da divisão celular. Essa proteína têm sido associada a uma variedade de tumores sólidos, entre eles mama, pâncreas, glioblastoma e neuroblastoma. Muitos grupos de pesquisa buscam moléculas capazes de inibir a ação da MPS1.
As quinases são consideradas alvos prioritários para o desenvolvimento de fármacos, de um modo geral, pois assim, regulam uma série de processos importantes no interior das células.
Os cientistas planejaram e testaram neste trabalho, uma pequena molécula ligada de forma covalente à proteína MPS1. Essa ligação é estável e acontece por ocorrer compartilhamento de elétrons entre os dois átomos:
— De maneira geral, os compostos se ligam a proteínas-alvo de forma reversível, em equilíbrio dinâmico. A modificação que fizemos nesse composto faz com que ele se ligue de maneira definitiva e isso traz vantagem para o desenvolvimento de um novo medicamento, pois há um prolongamento da ação inibitória na proteína — explica Rafael Couñago, pesquisador do CQMED e autor do estudo.
Quando se trata de desenvolver um novo fármaco, a forma que o composto se liga à proteína-alvo tem muita influência sobre a eficácia do tratamento. A ligação covalente, se planejada devidamente, é uma característica desejada, pois garante que não ocorra deslocamento da molécula em seu alvo, o que poderia prejudicar o efeito terapêutico. Penicilina, omeprazol e aspirina, entre outros medicamentos, estabelecem esse tipo de ligação.
Oito medicamentos inibidores de quinases que se ligam de forma covalente ao alvo, são conhecidos atualmente. No caso desta pesquisa, os autores exploraram uma característica pouco comum da MPS1, que é a presença de um resíduo do aminoácido cisteína, numa posição específica. Das mais de 500 quinases codificadas pelo genoma humano, apenas cinco possuem essa característica:
— Isso é favorável em termos de seletividade e potência quando está se desenvolvendo uma molécula inibidora com potencial terapêutico, pois reduz muito a chance de a nossa molécula se ligar a outras quinases (o que poderia causar efeitos adversos) — explica Ricardo Serafim, pesquisador da Universidade de Tübingen, na Alemanha.
A busca
Os pesquisadores fizeram uma análise da estrutura tridimensional da MPS1, afim de chegar até a molécula inibidora covalente, na busca de sítios promissores para o encaixe de moléculas. Em seguida, iniciaram a procura por potenciais inibidores em um banco de dados público mantido por uma organização internacional.
Essa seleção inicial, juntamente com simulações computacionais, levou a um conjunto de três séries químicas promissoras. A partir dessa etapa, Serafim sintetizou aproximadamente 30 moléculas para testá-las em ensaios enzimáticos e identificou uma classe de compostos com o mecanismo de inibição desejada para a MPS1.
A ligação covalente foi depois confirmada por meio de espectrometria de massa e cristalografia de raios X — Testamos a molécula em ensaios celulares e vimos que ela tem eficácia para tratar células com câncer — explica.
Há um trabalho focado na comprovação de que havia uma ligação covalente entre composto e alvo — Estar num centro multidisciplinar no Brasil capaz de desenvolver o ensaio enzimático, a espectrometria de massa e a cristalografia de raios X ajudou muito a acelerar este processo — diz Couñago.