Depois de um 2020 marcado pela evasão dos pacientes dos consultórios médicos, especialistas estimam que o número de pessoas com câncer em estágio avançado vá ser ainda maior nos próximos dois anos. Levantamentos feitos por entidades médicas apontam que, nos primeiros meses da pandemia, 70% das cirurgias oncológicas foram adiadas. Além disso, há cerca de 75 mil brasileiros que deixaram de receber diagnósticos no período. No Dia Mundial do Câncer, lembrado nesta quinta-feira (4), o recado é que, apesar da situação sanitária, os cuidados com a doença não devem ser deixados de lado.
Com diversas adaptações no atendimento e constantes orientações repassadas à população, 2020 foi ainda mais desafiador para quem trabalha com pacientes oncológicos, avalia Ana Gelatti, oncologista do Grupo Oncoclínicas:
— Inicialmente, a gente tinha dificuldade para que as pessoas se isolassem, evitassem aglomerações. No entanto, isso não vale para todo mundo. Quem tem câncer não pode deixar de entrar em contato com o médico para ajustar a consulta para telemedicina ou postergar um exame. O câncer não espera. Isso resume um pouco o que significa esse ano para a oncologia de uma forma geral.
Publicado recentemente, um estudo canadense associou o atraso no tratamento e o aumento no risco de morte a cada quatro semanas. O trabalho constatou que, em cirurgias, o risco de morte aumenta de 6% a 8% para cada quatro semanas de atraso. O risco é ainda maior para pacientes com indicação de radioterapia e tratamentos sistêmicos, como quimioterapia, podendo chegar a 13% em determinados tipos de tumores.
— No momento que a gente deixa de diagnosticar, atrasamos todo o processo. Vamos ter um número represado de pacientes que, infelizmente, estarão com a doença mais avançada. Isso muda o tratamento de forma radical — diz Ana.
Para evitar esses desfechos, a recomendação é sempre buscar orientação do médico ou da clínica de referência para avaliar a possibilidade de consulta por telemedicina ou adiamento de algum procedimento.
Alerta para câncer de pênis
Embora não seja tão frequente, o câncer de pênis, quando descoberto em estágio avançado, pode trazer sérias consequências aos pacientes, acarretando, inclusive, amputação do membro. De acordo com Karin Anzolch, membro do Departamento de Comunicação da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), esse tumor representa 2% de todos os tipos da doença, porém, traz grandes impactos à vida dos pacientes.
— Apesar da relativa baixa incidência quando comparado a outros tumores urológicos e não urológicos, seu impacto é enorme, por poder acometer homens ainda jovens, com consequências físicas e psíquicas por vezes dramáticas e perenes — diz.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelam que a doença é mais comum nas regiões Norte e Nordeste e que, em 2018, resultaram em 454 óbitos. Isso ocorre porque a enfermidade está intimamente relacionada às características socioeconômicas e culturais da população, explica Ernani Rhoden, médico titular da SBU e chefe do Serviço de Urologia da Santa Casa de Porto Alegre.
— No Hemisfério Norte, as taxas de câncer de pênis são baixíssimas. Um fator de risco para a doença é a falta de higiene — justifica, complementando que, na América Latina, outro país com números relativamente maiores é o Paraguai.
Assim como outros tipos de câncer, quanto mais tarde a doença é descoberta, mais traumático e invasivo é o tratamento.
— O tratamento padrão clássico para neoplasias invasivas é a amputação peniana. É importante que esses pacientes tenham acompanhamento do serviço social e da psicologia. O problema é estigmatizante, precisa de apoio — diz o médico.
A estimativa é que, em 2019 e em 2020, mais de mil homens tiveram o pênis amputado.
Os fatores de risco para esse tumor são, além da higiene local inadequada, papilomavírus humano (HPV), fimose e lesões no membro não tratadas. Qualquer alteração na região, como surgimento de úlceras que não cicatrizam ou verrugas, é sinal de alerta.
Rede de apoio gratuita
Com o objetivo de trocar experiências e superar as dificuldades impostas pela pandemia, o Instituto Oncoguia, ONG de informação, apoio e defesa de direitos dos pacientes com câncer, lançou em 2020 o projeto Rodas de Conversas - Falando sobre Sentimentos em Tempos de Coronavírus. Totalmente online pelo aplicativo Zoom, e sem custo, os encontros com psico-oncologistas buscam dar suporte aos pacientes e familiares de pessoas com a doença.
Bem-sucedido, o trabalho segue em 2021, com reuniões todas as quintas-feiras, das 16h30min às 18h30min. Os atendimentos são feitos em duas salas separadas: uma para pacientes e outra para familiares. Para participar, basta fazer a inscrição neste site. As vagas são limitadas.