Diretamente relacionada ao desfecho da doença, a demora no diagnóstico e no tratamento contra o câncer se tornou realidade em todo o mundo desde o começo da pandemia, em março de 2020. Embora estejam aparecendo aos poucos, os impactos desses atrasos devem afetar o tempo e a qualidade de vida dos pacientes e sobrecarregar ainda mais os sistemas de saúde.
Para se ter uma ideia, a estimativa é de que entre 50 mil e 90 mil brasileiros deixaram de receber o diagnóstico da doença nos dois primeiros meses da pandemia, conforme levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e pela Sociedade Brasileira de Patologia (SBP). Pesquisa divulgada no fim do ano pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) apontou que 74% dos oncologistas ouvidos relataram que seus pacientes interromperam ou adiaram tratamentos por mais de um mês. Dez por cento dos médicos afirmaram que observaram redução de pacientes de 40% a 60%.
Para avaliar o impacto, observado não só no Brasil, um estudo liderado por um médico do Canadá fez a associação entre o atraso no tratamento e o aumento no risco de morte a cada quatro semanas. Publicado no periódico BMJ, o levantamento constatou que, em cirurgias, o risco de morte aumenta de 6% a 8% para cada quatro semanas de atraso. O risco é ainda maior para pacientes com indicação de radioterapia e tratamentos sistêmicos, como quimioterapia, por exemplo, podendo chegar a 13% em determinados tipos de tumores.
Os pesquisadores chegaram aos resultados após investigar sete tipos de câncer que, juntos, representam 44% da incidência global: bexiga, mama, cólon, reto, pulmão, câncer cervical e de cabeça e pescoço.
— Existem poucos estudos que associam tempo de atraso do tratamento com a mortalidade. Este vem a calhar, pois mostra o impacto negativo na sobrevida. Pegaram os sete principais tipos de câncer e três modalidades de tratamento e se percebeu que aumentou a mortalidade em todas as doenças. Isso tem impacto no tempo de vida, na qualidade de vida e na questão financeira, pois o custo do tratamento para estágios avançados é maior que para os iniciais — avalia Lucas Feijó, cirurgião oncológico e presidente da SBCO-Regional RS.
Conforme o especialista, ao considerar só o câncer de mama, esse aumento pode ser ainda maior:
— Eles citam um estudo australiano de câncer de mama no qual a mortalidade já é de 12% nos pacientes que vão para cirurgia direto. Se demorarem oito semanas para o tratamento, esse resultado é muito pior, em torno de 25%.
Feijó ressalta que pessoas com algum sintoma ou que já tenham o diagnóstico não devem postergar a visita ao médico nem o início do tratamento em razão da pandemia, pois tudo isso tem impacto direto nas chances de cura. Os exames de rotina, como mamografia, por exemplo, também devem ser mantidos.