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A psicóloga Rita Luedke revela que, nos últimos dias, pacientes atemorizados com o coronavírus têm procurado os consultórios em busca de um serviço peculiar: contratar algumas poucas sessões de psicoterapia para saber como lidar melhor com o vírus.
A profissional, integrante da comissão de psicologia organizacional e do trabalho do Conselho Regional de Psicologia (CRP/RS), afirma que a ansiedade está em alta, alimentada pelo combustível das fake news. As informações falsas podem tornar ainda mais exacerbados determinados mecanismos de defesa do ser humano, seja fazendo-os negar o problema ou, ao contrário, entrar em pânico e tomar atitudes irracionais, como estocar pacotes de papel higiênico em casa.
Na entrevista a seguir, Rita analisa os comportamentos diante da crise e oferece alguns caminhos para atingir o equilíbrio emocional. Confira:
O que explica o comportamento de pessoas que continuam negando a gravidade da pandemia?
A negação e a supervalorização da informação, os dois extremos, são parecidas e muito complicadas. Neste caso do coronavírus, o desconhecimento da informação real interfere na leitura que as pessoas fazem, na subjetivação. As fake news geram reações nas pessoas, para um lado e para o outro. Cada um faz a leitura da situação de acordo com a sua realidade de vida. Alguns vão estocar alimentos porque entra a questão básica da sobrevivência.
Mas não existe nenhuma informação sobre escassez de produtos que justifique isso.
Mas existem fake news. Em palestras que fiz, as pessoas diziam que os supermercados iam fechar. Aí eu perguntei: de onde veio essa informação? "Me disseram", foi a resposta. Circulam essa coisas. "Os mercados vão fechar", "Vai acabar isso", "As frutas vão terminar". As pessoas falam disso no ambiente virtual. A questão do que não é real, a hipótese de alguma coisa acontecer, causa estragos, eleva muito a ansiedade. A pessoa precisa que isso saia de dentro dela. Entrou de alguma forma, o corpo e a mente reagem, então a pessoa precisa praticar ações. Quais ações? Que garantam a vida dela e dos seus. Então ela vai para a questão da necessidade básica, vai comprar comida, vai garantir água, condições de higiene.
No caso do papel higiênico, parece um comportamento irracional, porque as pessoas nem sabem explicar por que estão estocando. É uma espécie de comportamento de manada? As pessoas veem os outros comprando e acham que precisam comprar também?
Sim. Isso acontece. Exatamente como um efeito colateral das fake news. Eu bato muito nessa tecla. No nosso trabalho de psicologia, as fake news atrapalham horrores, porque as pessoas trazem realidades que não se aplicam.
Temos comportamentos humanos de ansiedade e eles estão sendo exacerbados pelas informações falsas a respeito do coronavírus?
Exatamente. Comportamentos que são comuns em situação de crise, como o medo, são muito exacerbados. Ansiedade em situação de crise é normal, porque não tem como a gente ficar equilibrado diante de uma situação anormal e agressiva. Todos nós vamos passar por altos e baixos. A forma é como vamos lidar com esses momentos. A situação de insegurança, ansiedade e medo é normal e esperada. Mas em um nível elevadíssimo não é esperada, nem desejada. Uma coisa que está acontecendo é uma vigilância excessiva de sintomas respiratórios. A pessoa espirra, sai todo mundo correndo. Isso puxa para uma discriminação. Se a pandemia não estivesse presente, seria um outro comportamento. Mas as fake news e toda essa questão de como o ser humano faz a leitura das situações acabam predispondo a outras reações. Entre elas, comprar papel higiênico.
A negação é um fator preponderante quando não se consegue lidar com uma situação. Tu negas, porque daí o problema não existe.
RITA LUEDKE
Psicóloga
O estresse que estamos vendo é um mecanismo de defesa diante das ameaças?
Sim, mas às vezes acaba sendo excessivo. Se tu tens acesso tranquilo a informação de qualidade, consegues identificar o que é o risco para ti.
A reação de não levar a pandemia a sério também é relacionada a algum mecanismo psicológico de negação da realidade?
Tem de ver caso a caso, mas, de fato, a negação é um fator preponderante quando não se consegue lidar com uma situação. Tu negas, porque daí o problema não existe. Ele é desvalorizado. Às vezes a situação é muito agressiva e, até tu teres tempo de assimilar, tu acabas negando. Dizes: "Comigo não vai acontecer". Dali a pouco tu acabas supervalorizando tua característica de vida como se fosses imune, como se praticamente não fosses um ser humano. Como se fosses diferente dos demais, o que te garantiria uma imunidade. Mas não depende de ti o controle da situação.
Ambos os casos, a pessoa que nega o risco e a que entra em pânico e sai fazendo coisas irracionais, são tentativas de ter algum controle sobre a situação?
Sim. E mostram o desequilíbrio social e de controle das emoções. Mostram como não estamos preparados para lidar com nossas próprias vulnerabilidades.
E como se mantém o equilíbrio emocional neste momento?
A primeira coisa é a questão do individualismo, a gente não trabalha de forma individual. Aquele "eu" do supermercado que vai lá, compra todo o álcool gel e deixa estocado. Dali a pouco acaba a validade, não usou e não permite que os outros usem. As pessoas devem se proteger e cuidar dos seus, mas tendo uma noção clara de que vivem em sociedade e que a saúde do outro é a sua saúde também. Isso as pessoas não estão vendo. Estamos todos no mesmo barco. Dinheiro, cor da pele, modelo do carro, neste momento, não fazem diferença. Sem esse senso de comunidade, sem essa empatia e essa relação da minha saúde com a saúde do outro, não vamos conseguir avançar como seres humanos. Precisamos nos ajudar.
Mas há algum exercício ou técnica que as pessoas possam adotar para manter a calma?
Fórmula mágica não existe. Para quem tem transtornos psíquicos, eles podem ser potencializados por causa da ansiedade. Quem tem problema de ansiedade, vai piorar. Quem tem a questão do pânico, vai aumentar. Principalmente nessa onda do vírus chegando, em que ele é o desconhecido. Para quem é ansioso, o "parece que" é muito mais ameaçador do que o presente. Daqui a pouco, o coronavírus vai ser uma realidade, e vamos viver a fase do enfrentamento, aí ele já é conhecido e a ansiedade já baixa. Porque tu já conheces o inimigo. Mas isso é daqui a pouco. Hoje estamos na fase da ansiedade. O pessoal que já tem sintoma e já usa medicamento precisa, se potencializar isso tudo, de ajuda médica. Não dá para aumentar a dose por conta própria. Não dá para mexer nesse tipo de medicação. Os ajustes são com o médico. A pessoa se automedicar porque está ansiosa também não pode. Exercício físico, sim. Meditação, sim. Voltar-se mais para os seus, sim. Ambientes ao ar livre, sim. Automedicação e medicalização, não.
As pessoas estão buscando ajuda profissional?
As pessoas não buscam um tratamento de psicoterapia. Mudou um pouco o perfil desde a semana passada. Elas estão buscando um atendimento breve, de três, quatro, cinco sessões, entendendo como enfrentar essa crise, fazendo planos individuais de enfrentamento, para a realidade delas. Isso baixa muito a ansiedade. Isso está acontecendo de uma semana para a outra. São coisas que a gente nunca fez na vida. Nós também estamos tentando nos adequar.
Como as pessoas podem lidar com a mudança na sua rotina, por causa do resguardo exigido pela economia?
As pessoas faziam coisas que traziam prazer e conforto e hoje não vão poder fazer. Não estamos preparados para isso. Isso pega muito na área da saúde mental. Os casos crescendo, as notícias vindo, as atividades grupais complicadas, todas praticamente suspensas. Clube não tem, academia não tem. Então onde as pessoas vão colocar sua energia? Álcool, droga, medicamento. Ou vão para o ar livre. Mas e se chover, o que vai acontecer? Vamos ver um aumento de casos de agressividade, de ingestão de medicamentos, de ingestão absurda de álcool. É uma adequação num período muito complicado. E tudo veio em um piscar de olhos.
O que dá para fazer?
É tudo caso a caso, mas tem seis itens que eu passo às pessoas. Primeiro, acessar informações seguras e confiáveis. Tem de saber o que está acontecendo e onde está a ameaça. O resto só atrapalha. Segundo: tu tens de praticar e difundir ações de prevenção. Não é dizeres o que tem de fazer. Tu tens de fazer. E passar ações de prevenção, não fake news. Uma terceira coisa é ver a rede de apoio. Verificar nas tuas relações quem é que pode auxiliar em caso de imprevisto, a ti e aos teus. O quarto item é identificar vulneráveis ao teu redor e enfocar a prevenção nessas pessoas. Outra medida é mapear a rede de apoio técnico, para saber o que fazer em caso de algum sintoma. Saber para onde ligar, onde ir, quem vai levar, se vai usar máscara. Isso tem de estar pensado. E a sexta questão, a última, é acionar uma rede de apoio no caso de positivar. Se for positivo de coronavírus, como é que vai ser. São coisas que a pessoa tem de pensar na sua realidade. O objetivo é as pessoas se sentirem melhor, mais confiantes, mais tranquilos, um pouco menos ansiosas.