Uma ideia muito repetida nestes dias de pandemia é que aos nossos avós se pediu que fossem a guerras, enquanto a nós a única exigência que se está fazendo é que fiquemos em casa, no sofá.
O problema é que existe um grupo para o qual costuma ser especialmente complicado passar uma temporada refestelado em estofados, esperando o tempo passar. São os adolescentes e jovens, criaturas por natureza mais sociáveis, ativas, imediatistas, impulsivas e repletas de energia.
Para complicar, essa turma é uma das menos vulneráveis diante do coronavírus, que causa estragos principalmente entre os mais velhos e frágeis. Esse é um fator preocupante, porque pode estimular os jovens a descuidar da prevenção e não respeitar medidas de confinamento, o que seria trágico: apesar de estarem relativamente mais protegidos contra a covid-19, eles são transmissores do vírus e podem, se não participarem do esforço coletivo para conter o vírus, provocar a disseminação dele e contribuir para muitas mortes.
O infectologista Paulo Ernesto Gewehr, membro da Câmara Técnica de Infectologia do Conselho Regional de Medicina (Cremers) e médico do serviço de infectologia do Hospital Moinhos de Vento, observa que a adesão desse pública às medidas de contenção da doença é fundamental para o sucesso do combate à pandemia e para proteger as pessoas mais vulneráveis, como idosos e portadores de doenças crônicas.
– A questão não é só individual, é principalmente coletiva. A faixa etária deles está sendo poupada, mas eles precisam entender que têm um papel na disseminação do vírus, porque podem transmiti-lo a pessoas dos grupos de risco. Por isso, os jovens devem evitar se contaminar e devem evitar transmitir. São indivíduos que socializam muito, e as medidas necessárias mexem com a cultura e o comportamento, mas a adesão deles é fundamental – afirma o infectologista.
Como garantir, portanto, que essas pessoas abram mão das baladas e dos encontros com grupos de amigos e adiram ao distanciamento social e ao confinamento? Por enquanto, segundo a psicóloga Rita Luedke, da comissão de psicologia organizacional e do trabalho do Conselho Regional de Psicologia (CRP-RS), eles estão passando com louvor no teste. Mãe de uma adolescente e com vários outros nas suas relações, ela se admira como os jovens se mostram bem informados sobre a ameaça, empenhados em disseminar medidas de proteção e resignados com as situações de confinamento.
– Mas é apenas a primeira semana. Temos de ver se vai continuar assim na segunda, na terceira...
Rita revela preocupação com quem atravessa o confinamento sozinho – por exemplo, jovens solteiros –, porque a solidão pode causar dificuldades psicológicas e levar a situações como o abuso do álcool. Ela vê nas relações virtuais, algo que já faz parte da rotina das gerações mais novas, um antídoto providencial, embora alerte sobre a necessidade de cuidar para que a necessidade de contato e de ser visto não leve ao compartilhamento de fotos e vídeos com exposição exagerada. Internet, serviços de streaming e trocas de recomendação de filmes e séries também são grandes aliados da necessidade de manter o jovem em casa:
– Santa Netflix! – agradece a psicóloga.
Outro psicólogo, Thiago Alves, conselheiro do CRP-RS, entende que as relações por redes sociais nunca estarão à altura do contato pessoal e físico. Ele sugere que o momento de resguardo em casa seja um momento de encontro consigo mesmo e de auto-expressão. A culinária, a pintura, a leitura e a prática de algum instrumento musical podem ser boas companhias – e até mesmo uma oportunidade de descoberta. Ele também defende que escolas e universidades, mesmo sem aulas, mantenham presença neste momento, inclusive oferecendo orientações aos seus pupilos.
Rita Luedke acredita que uma das melhores formas de adolescentes e jovens aceitarem bem o resguardo forçado pelo coronavírus é sentirem-se úteis no combate à pandemia. Pensar que esse sacrifício é um ato de solidariedade tem o poder de suportá-lo com mais facilidade, garante.
Roberta da Silva Gomes, que preside as comissões de comunicação e de relações étnico-raciais do CRP-RS, preocupa-se com a mensagem que chega aos adolescentes e jovens, pessoas que ainda estão em processo de formação psíquica. Ela teme que eles possam ser influenciados pelo discurso de autoridades que consideram a crise uma histeria coletiva.
– Se a autoridade máxima do país se posiciona assim, como exigir que os adolescentes entendam a gravidade da pandemia? – questiona.
Roberta entende que é preciso conscientizar os adolescentes com mensagens dirigidas diretamente a eles. Isso significa passar a mensagem no ambiente em que eles se encontram – as redes sociais.
– Precisamos usá-las a nosso favor. Para o adolescente e o jovem, entender esse momento pode ser mais complicado, porque eles fazem uma análise mais concreta da vida, já que a abstração está em formação durante a adolescência. A onipotência e o individualismo são características marcantes e fazem eles correr mais riscos. É importante levá-los a olhar para a coletividade. Nessa fase, eles ouvem mais o que vem de fora do que de dentro. Se é o pai ou a mãe que diz que eles têm de ter cuidados, a primeira visão deles é que isso não vale.