Quando uma criança nasce com um distúrbio raro que poucos médicos reconhecem ou sabem como gerenciar, pode ser bem interessante para os pais aprender tudo que puderem sobre a condição e, com orientação médica especializada, concluir qual a melhor maneira de tratá-la.
Essa foi a abordagem que Lara C. Pullen, de Chicago, adotou quando seu filho, Kian Tan, nasceu há 15 anos, com 3,4 kg, aparentemente bem formado e saudável. Mas Pullen, que já tinha duas filhas, disse que, após 24 horas, Kian tinha parado de se mover, não se alimentava e parecia molenga como uma boneca de pano.
Duas semanas e meia depois, um teste genético mostrou que Kian tinha a síndrome de Prader-Willi, um distúrbio genético que ocorre com um em cada 15 mil a 25 mil nascidos vivos. No início, é uma luta alimentar esses bebês, porque são muito fracos para sugar, mas, após dois ou três anos, seu principal sintoma é um apetite insaciável que resulta em obesidade extrema, a menos que se evite que a criança, conduzida pela fome constante, consiga roubar comida.
Pullen estava determinada a dar a Kian a melhor chance possível de um desenvolvimento próximo do normal. O tratamento da Prader-Willi é normalmente centrado na prevenção da obesidade, limitando calorias e mantendo os alimentos trancados a chave em todos os momentos, mas Pullen, que, como seu marido, é imunologista, decidiu, com a ajuda dos médicos, se dedicar a proteger o cérebro dele, além de controlar quanto ele comia.
— Quando Kian começou a ingerir alimentos sólidos aos seis meses, dei-lhe muitas gorduras para ajudar a desenvolver seu cérebro, abacate, gema de ovo, iogurte integral, alimentos com altos índices calóricos, bons para quando era tão difícil fazê-lo comer. Mais tarde, quando a hiperfagia começou, mantive a dieta com poucos carboidratos porque ele ficava com fome novamente logo depois de ingeri-los — disse sua mãe.
A dieta, além das descargas noturnas de hormônio do crescimento começando na infância, manteve Kian em uma curva de crescimento normal e apropriadamente magro. Ele também prosperou na escola, entrando na lista dos melhores alunos no ano passado.
Mas a história de Kian não termina aí, e o que se segue poderia, com mais pesquisas, se revelar uma dádiva para outras crianças na mesma situação.
Entenda a doença
- A Prader-Willi é causada por variações de diversos genes do cromossomo 15 derivados do pai da criança. Os genes estão ausentes ou inativados por um erro que ocorre durante o desenvolvimento do esperma ou, em alguns casos, quando todo o cromossomo 15 do pai não é herdado pelo feto.
- O distúrbio é herdado raramente, mas, quando o pai tem a síndrome de Prader-Willi causada pela ausência do cromossomo 15, há uma possibilidade de 50%.
- Além de um apetite excessivo, a gama de sintomas inclui baixa estatura, apneia do sono, sonolência diurna extrema, defeitos visuais, órgãos genitais subdesenvolvidos, má coordenação, incapacidade intelectual de leve a moderada, problemas de fala, alta tolerância à dor, birras de temperamento, comportamentos obsessivos e irregularidades do açúcar no sangue.
- Com ou sem tratamento medicamentoso, a dieta de uma criança com síndrome de Prader-Willi precisa de atenção cuidadosa, preferencialmente guiada por um nutricionista com experiência no distúrbio.
- O gerenciamento apropriado de problemas comportamentais é igualmente importante e frequentemente exige a ajuda de um psicólogo ou do pediatra. Shawn E. McCandless, pediatra e geneticista do Hospital Infantil do Colorado (nos EUA), sugeriu que, como com a maioria das crianças, a melhor abordagem é premiar os comportamentos desejados e sempre que possível ignorar aqueles que são indesejáveis. Mas usar alimentos como recompensa ou punição pode ser contraproducente e deve sempre ser evitado.
- Quando as crianças com Prader-Willi se aproximam da idade adulta, comportamentos compulsivos podem surgir, incluindo o tabagismo. Alguns podem desenvolver depressão ou ansiedade ou mesmo psicose, portanto os pais precisam estar atentos aos primeiros sinais de tais problemas e procurar ajuda médica imediatamente.
Nove de 10 crianças apresentaram melhoras
Pullen contou que, além da fome incontrolável, os sintomas comuns na infância de portadores da síndrome de Prader-Willi sugerem que as anomalias neurológicas podem estar por trás dos problemas mais desafiadores do distúrbio. Em apoio a sua teoria, Pullen e Maria Picone publicaram no Journal of Pediatric Pharmacology and Therapeutics um relato preliminar documentando os benefícios da droga pitolisant (Wakix) em três crianças com Prader-Willi.
O pitolisant é liberado na Europa para tratar a narcolepsia, um distúrbio neurológico do sono. Picone, fundadora da TREND Community, uma plataforma de networking para aqueles com distúrbios raros, também tem um filho com a síndrome. Ela e Pullen são cofundadoras da Fundação Chion, com sede em Chicago, que faz pesquisas sobre doenças raras.
As crianças com síndrome de Prader-Willi em seu relatório estão entre as 10 que tomaram o pitolisant. Nove dizem ter experimentado melhoras significativas na qualidade de vida, incluindo padrões de sono mais normais, maior agilidade diurna e melhor funcionamento mental. Foi relatado que os pacientes mostraram melhoras após alguns dias do começo do tratamento com uma baixa dose da droga, que foi aumentada gradualmente. Várias crianças, incluindo Kian, aparecem em um vídeo que Pullen produziu para mostrar em uma conferência no Canadá recentemente.
Reconhecidamente, esse não foi um estudo controlado: está sujeito a viés parental e, portanto, apenas dá uma ideia dos benefícios relatados. Muitos relatos de tratamentos aparentemente bem-sucedidos não se sustentam em ensaios clínicos. Mas a atividade biológica conhecida do pitolisant pode gerar os efeitos observados nas crianças com Prader-Willi. Pullen explicou que o pitolisant é uma droga altamente seletiva que atua nos receptores de histamina 3 (H-3) no cérebro, aumentando a atividade dos neurônios que melhoram a vigília.
Mas isso não é tudo que os receptores H-3 fazem. Além de afetarem os ciclos de sono-vigília, eles estão envolvidos na regulação da fome, na cognição, na aprendizagem e no tônus muscular. Há também receptores H-3 no estômago, no intestino, no pâncreas e nos testículos, todos funcionando anormalmente em crianças com Prader-Willi. O pitolisant, disse Pullen, “parece normalizar os sistemas desregulados nos indivíduos com síndrome de Prader-Willi”. Atualmente, a droga está disponível apenas em farmácias na Europa.
Por Jane E. Brody