
A construção de três condomínios populares no bairro Cristal, em Porto Alegre, dará início à desocupação de áreas degradadas e de risco às margens do Arroio Cavalhada. Serão realocadas famílias das vilas Nossa Senhora das Graças e Icaraí, precariamente posicionadas uma de cada lado do córrego da Zona Sul. A previsão do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) é de que a ordem de início da obra seja assinada no dia 31 de março.
Depois disso, as duas construtoras que venceram a licitação e já assinaram contrato estarão aptas a começar as obras. Os prédios ficarão em terrenos municipais. Dois condomínios serão erguidos na Rua Tamandaré e um na Avenida Coronel Claudino. Eles somam 524 unidades habitacionais de interesse social, todas com dois quartos, nos arrabaldes do bairro privativo Golden Lake e dos shoppings Barra e Pontal.
As edificações terão financiamento de R$ 61,5 milhões do Pró-Moradia, da Caixa, e contrapartida de R$ 40,7 milhões da prefeitura. O investimento total é de R$ 102,3 milhões. Após a ordem de início, a previsão é de conclusão em 23 meses.
As vilas Nossa Senhora das Graças e Icaraí começam na Avenida Icaraí e seguem Cristal adentro, costeando o Arroio Cavalhada. Serão assentadas cerca de 350 famílias das duas comunidades, que têm chão batido, moradias precárias e carência de ligação de esgoto. Em dias de chuva forte, trechos do córrego transbordam e alagam as casas. É visível, no curso do arroio, o assoreamento e o despejo de esgoto. As demais 174 unidades disponíveis dos condomínios serão ocupadas por famílias que aguardam reassentamento e são remanescentes do Programa Integrado Socioambiental (PISA).
— A condição de moradia será muito superior. São pessoas que vivem em vulnerabilidade — destaca o diretor-geral do Demhab, André Machado, em relação às vilas.
A conselheira do Orçamento Participativo da região do Cristal, Jurema Barbosa Silveira, envolvida nos debates comunitários sobre a mudança, afirma que os apartamentos serão "moradia com água, luz e esgoto decente".
Outro ponto destacado pela líder comunitária é a localização: as duas vilas que começarão a ser removidas da ocupação irregular ficam a poucos metros dos futuros condomínios. Ela afirma que isso mantém o vínculo das pessoas com o bairro Cristal e os serviços públicos de saúde e educação.
Futuro do sustento
Um dos desafios a superar no período de obras é o econômico. Na Vila Nossa Senhora das Graças, há pequenos comércios, principalmente bares, e diversas pessoas que trabalham com reciclagem. Os materiais catados nas ruas ocupam porções do areião da comunidade, dentro de sacos, o que é difícil de ser reproduzido dentro de um condomínio.
A líder comunitária afirma que os futuros edifícios terão áreas de comércio para receber os bares da área afetada.
Zigomar Rosa de Oliveira, 62 anos, vive há quatro décadas defronte à Avenida Icaraí, no beco de acesso à Vila Nossa Senhora das Graças. O imóvel é dividido: na frente, um mercadinho tocado por ele; nos fundos, a moradia.
— O comércio é o meu sustento. Aqui criei três filhos. Seria melhor se me dessem uma indenização para sair. Se não, tendo um espaço de comércio no condomínio da Coronel Claudino, eu me mudo. É tudo perto, conheço o pessoal e tenho clientela — relata Oliveira.
O problema maior, aparentemente, é a solução para os catadores.
— Eles vivem disso. Não adianta dar a casa e tirar a comida. Estamos em conversas com a prefeitura para que não se tire o sustento. Pensamos em uma usina de reciclagem, uma cooperativa, para que continuem trabalhando — diz Jurema.
Diretor-geral do Demhab, Machado avalia que, dada a proximidade com o Arroio Cavalhada, promover a mudança da matriz econômica das famílias pode ser uma alternativa mais adequada no aspecto ambiental.
— A questão econômica é um problema que aparece em quase todas as ações de reassentamento. Vamos buscar solução com a Secretaria da Inclusão e Desenvolvimento Humano. Uma qualificação profissional para terem outra atividade ou um galpão em que possam ser acolhidas. Temos dois anos para construir a solução — pondera Machado.
As realocações não são obrigatórias, mas a avaliação de Machado e Jurema é de que eventuais resistências serão minoritárias.
A prefeitura de Porto Alegre ainda não bateu o martelo, mas o diretor-geral do Demhab diz que a tendência é aplicar as regras do programa Minha Casa, Minha Vida para a transferência dos imóveis. Contemplados que recebem Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada (BPC) ficam isentos de custo. Os demais, dependendo da renda, quitam junto ao município parcelas que podem variar entre R$ 30 e R$ 200.
— Entendemos que é importante para o pertencimento e valorização — comenta Machado.

Remanescentes
Os três condomínios não terão capacidade para absorver todas as famílias das vilas Nossa Senhora das Graças e Icaraí. A desocupação da área às margens do Arroio Cavalhada, após a conclusão das obras, será parcial.
A prefeitura trabalha num levantamento sobre quantas moradias irão remanescer, mas a estimativa é de que o número seja "semelhante ao de assentados" da primeira fase. Isso joga o contingente para cerca de 350 moradias que permanecerão.
Para elas, existe a perspectiva futura de outro programa habitacional com recursos de financiamento do banco alemão KfW. O estágio dessa intenção, contudo, é inicial. É necessário fazer o projeto, liberar o recurso e cumprir outras burocracias, como a licitação.
Os condomínios
Tamandaré I e Tamandaré II
- Rua Tamandaré
- Construtora: ALM Engenharia
Coronel Claudino
- Avenida Coronel Claudino
- Construtora: Belmais Incorporações